O vice-governador do Rio Grande do Sul, Gabriel Souza (MDB), afirmou na sexta-feira (17) que o governo gaúcho pretende criar "cidades temporárias" para abrigar desalojados pela maior tragédia climática do estado. Essa ideia também foi aventada pelo prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB). Movimentos de moradia, no entanto, criticam a proposta e pedem diálogo.
Segundo Souza, as "cidades temporárias" devem ser instaladas em Canoas, São Leopoldo e Guaíba, além de Porto Alegre. Esses municípios concentram cerca de 70% dos desabrigados do estado.
De acordo balanço da Defesa Civil do Rio Grande do Sul, 77.202 pessoas estão em abrigos; 540.188 estão desalojadas; e 2,3 milhões foram afetadas pelas enchentes, no total.
“São locais para que, durante algum tempo, as pessoas possam estar albergadas com mais conforto e dignidade. A estrutura contará com administração, almoxarifado, postos de saúde, brinquedoteca, espaço para animais de estimação, chuveiros, banheiros, triagem de quem entra e sai, além de assistência social" explicou o vice-governador.
As áreas de instalação das cidades temporárias em cada município estão sendo avaliadas em conjunto com as prefeituras. Em Porto Alegre, a cidade seria montada no chamado Complexo Cultural do Porto Seco, na região norte, para abrigar até 10 mil pessoas.
A montagem terá duração de 15 a 20 dias, com previsão de início cinco dias após a assinatura do contrato com o fornecedor escolhido para prover a infraestrutura.
Campo de refugiados
Márcia Falcão, pesquisadora do Observatório das Metrópoles, é contra a ideia. Primeiro, porque ela sequer foi debatida com membros de movimentos de moradia. Depois, porque ela não garante direitos humanos básicos para os desabrigados.
“As cidades temporárias não têm estruturas de educação, saúde, nem acesso a transporte coletivo para que as pessoas possam minimamente retomar suas vidas”, afirma. “Entendemos que a situação é extraordinária. Mas, ainda assim, alocar pessoas em grandes acampamentos é a pior solução”, completa.
Sobre a “cidade provisória” de Porto Alegre, especificamente, a localização do espaço seria problemática, segundo Betânia Alfonsin, doutora em Planejamento Urbano pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretora-geral do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU).
“O Porto Seco é bastante distante, dezenas de quilômetros do local de origem dessas famílias, que em sua grande maioria viviam no centro histórico”, reclamou Alfonsin. “Reunir 10 mil pessoas em um único lugar em barracas improvisadas no meio de um inverno gaúcho é uma proposta que está muito longe do ideal de cidade”, afirma.
Para Falcão, os abrigos para os desalojados devem respeitar o local permanente de moradia dos afetados. Para ela, soluções de menor porte, regionalizadas, seriam mais adequadas. “Temos que manter minimamente a rotina das pessoas”, explicou. “As crianças devem frequentar escolas na mesma região, conviver com os mesmos colegas”.
Imóveis sobrando
A pesquisadora lembrou que há recursos suficientes para o problema. O governo federal, disse ela, repassa R$ 400 por mês para cada abrigado por governos locais. O repasse por família chega a R$ 1.200 por mês, disse.
Esses recursos poderiam ser suficientes para o pagamento de um aluguel social. Imóveis desocupados poderiam abrigar os desalojados.
Porto Alegre, por exemplo, tem 101.013 domicílios vagos e 27.250 de uso ocasional, de acordo com o Censo de 2022. O número é o triplo do número de desabrigados.
“Em Porto Alegre tem muita casa sem gente e muita gente sem casa. Então, aproximar os dois polos dessa equação seria uma solução muito mais adequada, muito mais proporcional e razoável para nossa cidade”, acrescentou Alfonsin, que também é favorável ao uso do aluguel social como uma alternativa para moradia.
Edição: Rodrigo Gomes