DIREITO ORIGINÁRIO

Movimentos pedem criação de reservas indígenas no RS para aplacar efeitos das cheias

Carta aberta a autoridades públicas pede mais articulação para garantir socorro e reconstrução das comunidades afetadas

Brasil de Fato | Londrina (PR) |
Indígenas protegem terras do desmatamento, mas sofrem as piores consequências da crise climática, afirmam movimentos do RS - NELSON ALMEIDA / AFP

Em meio às enchentes trágicas no Rio Grande do Sul, organizações indígenas e indigenistas do estado cobraram nesta sexta-feira (17) os governos federal, estadual e municipais por ações mais articuladas e estruturadas em favor dos povos originários atingidos

Entre as 14 demandas expostas em uma carta pública, estão a criação de centros logísticos para distribuição de donativos, a criação de uma instância coordenadora com participação indígena e a inclusão das comunidades atingidas nos planos de emergência e reconstrução do estado. 

A carta é assinada por 25 entidades, entre elas duas que estão na linha de frente no atendimento emergencial aos indígenas, a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Comunidades indígenas tiveram casas destruídas e foram direcionadas a abrigos públicos. 

"[Não se pode esquecer] que os povos indígenas constituem os maiores agentes de enfrentamento à crise climática global, ao passo em que são os primeiros a sofrerem as piores consequências da devastação ambiental", destaca a carta divulgada nesta sexta-feira (17). 

Organizações defendem destinação de terras aos indígenas 

Segundo os movimentos, há terras habitadas por indígenas que são de propriedade do governo gaúcho. A gestão estadual envolveu essas áreas em uma negociação com a União, em troca do abatimento de dívidas.  

Para os movimentos, essas terras precisam ser imediatamente convertidas em reservas indígenas, já que o governo federal propôs suspender a cobrança da dívida do Rio Grande do Sul em função da emergência climática no estado.  

Os signatários da carta – entre eles servidores da área ambiental e a Associação dos Procuradores do RS – reconhecem o papel de funcionários públicos na mitigação dos impactos, mas aponta falta de políticas públicas indigenistas diante das cheias.  

"Sem esse eixo central [de políticas públicas], nos parece improvável garantir a continuidade da atuação coletiva voluntária, num horizonte em que os impactos negativos vão se desdobrar por anos – ou mesmo serão perenes, dado o cenário de mudanças do clima. Coordene, aglutine e intersetorialize os diversos compromissos legais que cabem ao poder público", pedem. 

O Brasil de Fato procurou e aguarda respostas do governo do Rio Grande do Sul, da Associação Gaúcha de Municípios (AGM), da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Ministério dos Povos Indígenas (MPI).  

30 mil indígenas atingidos, calcula MPI

A articulação de organizações indígenas e indigenistas do Rio Grande do Sul afirma que atendeu em 10 dias 67 aldeias de 35 municípios, totalizando mais de 1,3 mil famílias das etnias Mbya Guarani, Kaingang, Xokleng e Charrua.

As ações envolvem segurança alimentar e hídrica, saúde e conforto térmico, com a entrega de cestas básicas, água potável, kits de limpeza e higiene, roupas, cobertores, colchões, lonas e ração animal.

O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) contabiliza que as cheias atingiram 30 mil indígenas de 9 mil famílias em 110 comunidades e afirma estar distribuindo cestas básicas quinzenais a todos os afetados. 

A ministra Sonia Guajajara anunciou a elaboração de um plano de apoio emergencial para reconstrução de casas, estradas de acesso, saneamento básico, recuperação de áreas de plantio e bolsa auxílio para o setor cultural, além de inclusão de ações no PAC Calamidade para os povos indígenas.

Leia a lista de reivindicações das organizações indígenas e indigenistas do Rio Grande do Sul: 

1 - Que seja designada uma instância coordenadora das ações emergenciais de resposta à crise, com participação das comunidades indígenas, frente ao contexto da atual emergência climática no RS;

2 - Que sejam qualificadas e implementadas estruturas de enfrentamento a este evento climático extremo nos órgãos públicos responsáveis pela política indigenista, sobretudo na Funai, e se crie uma logística de atuação junto a todas as aldeias para mapeamento e suprimento das necessidades mais urgentes; 

3 - Que o poder público formalize estrutura(s) física(s) própria(s) como referência para gestão e logística de donativos às comunidades indígenas afetadas pelas enchentes. Sugere-se que, emergencialmente, a Sesai, o DSEI e seus polos base assumam essa responsabilidade, inclusive de coleta, separação e destinação logística de itens e materiais doados; 

4 - Que todas as terras de propriedade do estado do Rio Grande do Sul habitadas por comunidades indígenas, envolvidas em negociação com a União para abatimento da dívida, sejam imediatamente convertidas em Reserva Indígena, uma vez que a dívida encontra-se suspensa por três anos; 

5 - Que as comunidades indígenas sejam beneficiárias de medidas emergenciais, tendo menção específica e qualificada de atendimento previstos com ações e estratégias no Plano e Cronograma de Governo RS que será apresentado ao governo federal, como contrapartida à suspensão da dívida que o estado gaúcho tem com os cofres públicos da União; 

6 - Que a partir do montante destinado ao socorro e reconstrução do estado do Rio Grande do Sul sejam garantidos recursos específicos para as comunidades indígenas em termos de infraestrutura, vias e estradas de acesso às aldeias, energia elétrica, internet, água potável e saneamento básico, reconstrução e melhorias em moradias, casas de reza e escolas; bem como para o fortalecimento das condições de soberania e segurança alimentar dos povos indígenas em seus territórios; 

7 - Que a partir do mesmo montante sejam garantidos recursos específicos para a gestão territorial e ambiental das terras indígenas como forma de promover o etnodesenvolvimento das comunidades, bem como de estimular a restauração ecológica dos biomas Pampa e Mata Atlântica e a retomada do desenvolvimento econômico do estado em bases sustentáveis; 

8 - Que os três entes federados contribuam na melhoria das condições de saúde das aldeias, com infraestrutura adequada para os atendimentos, equipes multidisciplinares completas e acolhimento às condições de saúde mental e do desenvolvimento do bem-viver, especialmente em momentos de crise; 

9 - Que nas políticas e ações a serem desenvolvidas no âmbito da cultura, dentro do plano de recuperação econômica do estado, sejam contemplados e citados de forma específica trabalhadores e manifestações culturais dos povos indígenas do RS, com alocação de recursos específicos; e que haja provisão orçamentária para o desenvolvimento e a implementação de políticas públicas voltadas à confecção e comercialização do artesanato indígena, como fonte de geração de renda das famílias, assegurando legalmente sua exposição e venda em espaços públicos urbanos; 

10 - Que o governo do estado do RS assegure a infraestrutura e os recursos necessários à retomada do adequado funcionamento do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (lei estadual 12.004/2003), garantindo plenamente a participação das/os conselheiras/os indígenas das diferentes regiões deste estado e reconhecendo seu papel na proposição, orientação, articulação e fiscalização das ações implementadas pela administração pública estadual junto à população indígena; que também assegure, ainda este ano, a realização do X Fórum da Cidadania dos Povos Indígenas, evento bianual que não ocorre desde 2019, e cuja importância encontra-se ampliada pela atual crise; 

11 - Que sejam empenhados esforços para publicação do decreto que institui, no âmbito do Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável, a Estratégia Estadual de Fomento dos Pontos Populares de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, conforme tramita através de processo administrativo (Proa 24/2100-0000425-2); 

12 - Que seja criado um Subsistema de Assistência Social Indígena em âmbito emergencial pelo Poder Executivo federal, e que o governo do RS encaminhe uma proposta de lei de criação de um subsistema de assistência social indígena no âmbito do Sistema Único de Assistência Social/Suas ao presidente da Câmara dos Deputados, e ao presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, com urgência; 

13 - Que anualmente sejam garantidos recursos estaduais com destinação específica para ações de enfrentamento às emergências climáticas nas Terras Indígenas e aldeias do RS; 

14 - Que sejam empenhados todos os esforços nos três níveis da federação para garantir o acesso à terra, à regularização fundiária e à infraestrutura digna nos territórios indígenas, com o reconhecimento da tradicionalidade da ocupação nestes espaços que, neste contexto de emergência climática e crise humanitária, são fundamentais para garantir a sobrevivência e o futuro das próximas gerações. 

Edição: Thalita Pires