Como explicar que o presidente do Equador, Daniel Noboa, que acabou de assumir o cargo há cinco meses, comete crime internacional que é, ainda por cima um tiro no pé no que diz respeito a todas as relações internacionais do Equador?
A entrada ilegal e violenta da polícia equatoriana na embaixada mexicana para prender o ex-vice-presidente Jorge Glas, um exilado político do governo mexicano, viola vários tratados internacionais, é constitui efetivamente uma invasão de um território estrangeiro. Ninguém na comunidade internacional apoia o Equador.
Nicarágua e México já romperam relações diplomáticas e todos os outros países da região condenaram o ato. As Nações Unidas (ONU), a União Europeia (UE), a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), o Mercosul e até mesmo os Estados Unidos expressaram seu repúdio, embora certamente tenham dado sua aprovação ao novato Noboa antes de cometer esse horror. Não se ataca uma embaixada latino-americana sem o conhecimento e o apoio da "Embaixada" - o governo estadunidense - e dos militares locais, é claro.
Quais são as consequências imediatas da barbárie cometida pelo governo de Noboa?
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O México é o país com o maior número de migrantes equatorianos. Todos aqueles que estão em situação irregular nesse país, um ponto de parada obrigatório para rotas de migração ilegal para os Estados Unidos, são deixados em uma situação de indefesa.
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O comércio bilateral entre o México e o Equador pode ser afetado. O México é o principal investidor estrangeiro no setor privado do Equador.
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Nenhum equatoriano poderá obter visto para o México.
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Alunos que obtiverem diplomas universitários no México não poderão registrá-los no Equador.
Isso sem levar em conta possíveis sanções e ações judiciais internacionais. A ministra das Relações Exteriores do México, Alicia Bárcena, já declarou que seu país processará o Equador perante a Corte Internacional de Justiça, além de apresentar o caso perante órgãos internacionais.
Faz vários anos que o Equador sofre não apenas com uma crise econômica, mas também com uma de segurança pública. Há diversos fatores que explicam o enorme aumento da criminalidade, apenas um número para ilustrar a situação: o país passou de ter 5 homicídios por 100 mil habitantes em 2017 para 44 em 2023. O principal fator é a questão estrutural: o modelo neoliberal implementado desde 2017, que reduz os gastos com educação, saúde, bem-estar social, gera falta de emprego e oportunidades econômicas e aumenta a pobreza, situação agravada pela pandemia.
Essa redução do investimento público teve um efeito grave sobre a segurança pública: menos policiais, menos recursos para o policiamento e para as prisões, menos agentes penitenciários. Em outras palavras, enquanto o crime aumentava e as prisões se enchiam, o Estado limitava sua capacidade de controle. Isso não é coincidência. É mais fácil impor políticas de austeridade numa população assustada pela criminalidade.
Em segundo lugar, enquanto as FARC ocupavam a região da Colômbia na fronteira com o Equador, de certa forma controlavam esse território, com sua saída após a assinatura dos Acordos de Paz em 2016, alguns dos ex-guerrilheiros permanecem lá como paramilitares e a região se tornou um espaço no qual as drogas fluem e várias gangues criminosas agem e lutam entre si.
Em terceiro lugar, a pandemia gerou mudanças no tráfico de drogas no Equador, principalmente devido ao acúmulo de estoques, que levou os traficantes a começar a pagar em droga as pessoas que contratavam para vários serviços locais, o que, claro, aumentou o volume de droga circulando no país e a quantidade de pessoas envolvidas no tráfico. Uma outra mudança foi incrementar o processamento de droga no país e o consumo também cresceu. O Equador deixou de ser o país quase só de trânsito que tinha sido tradicionalmente. Mas é necessário levar em conta também que desde a dolarização em 2000, o Equador se tornou um local preferido para a lavagem de dinheiro do narcotráfico, pois uma economia dolarizada facilita esse processo.
Os resultados? Além da queda em todos os indicadores de bem-estar social, já são mais de 400 pessoas mortas em brigas dentro das prisões, que estão, desde pelo menos fevereiro de 2021, sob o controle de gangues rivais e não das autoridades equatorianas. Casos de assassinatos contratados, ameaças e extorsões se tornaram muito frequentes em todas as cidades do país. Vários candidatos foram assassinados nas últimas eleições (2023), bem como vários prefeitos e vereadores em exercício.
Para realizar seus negócios, as estruturas que traficam drogas no Equador corromperam e/ou ameaçaram e chantagearam grandes setores da polícia, das forças armadas, do sistema judiciário, bem como vários órgãos de administração e controle do Estado (ministérios, agências reguladoras, alfândega).
Por outro lado, a partir do momento em que o presidente Lenín Moreno, em 2017, traiu a Revolução Cidadã, o movimento pelo qual foi eleito, além do retorno das políticas neoliberais clássicas e da reaproximação com os Estados Unidos, iniciou-se também uma severa perseguição política contra as lideranças do Movimento Revolução Cidadã, o partido de Rafael Correa.
O lawfare foi usado extensivamente, de forma mais acirrada do que em outros países da região que também sofrem com isso, como a Argentina e o Brasil. Dada a total falta de provas nos casos pelos quais foram acusados, Correa e Glas foram condenados por "influência psíquica", ou seja, eles teriam influenciado funcionários a cometer atos de corrupção com sua psique! Nesse contexto de perseguição política, vários líderes da Revolução Cidadã foram para o exílio no México e Glas se refugiu na embaixada mexicana.
O Equador está com um estado de emergência em vigor desde 8 de janeiro de 2024, em tese para combater o crime. No dia seguinte, 9 de janeiro, o governo Noboa declarou que o país estava em "conflito armado interno" e também classificou as gangues criminosas como organizações terroristas e “atores não estatais beligerantes”. Essas medidas implicam a militarização das atividades de combate ao crime organizado e restringem os direitos cidadãos.
Após a invasão da embaixada mexicana, o ex-vice-presidente Glas foi colocado em prisão de alta segurança, La Roca, na cidade portuária de Guayaquil. Nem Lenin Moreno, Guillermo Lasso ou Daniel Noboa tem conseguido tirar as prisões das mãos do crime organizado. A prova, além das centenas de assassinatos mencionados encima, está nas constantes fugas.
No final de dezembro de 2023 ou talvez em janeiro de 2024, a polícia equatoriana não sabe ou não quer dizer, dois dos principais líderes das maiores gangues do crime organizado fugiram. Soubemos em 8 de janeiro da fuga de Fito, o principal líder de Los Choneros, e dois dias depois, com o estado de emergência e os terroristas declarados criminosos, Colón Pico, o líder de uma gangue rival, Los Lobos, escapou de outra prisão. Eles ainda não foram capturados.
Nessas condições, a vida de Glas está em perigo em qualquer prisão. No momento, ele está num hospital para onde foi transferido de La Roca devido a problemas de saúde.
Bananas
Daniel Noboa é filho do homem mais rico do país, Alvaro Noboa, um bilionário da exportação de bananas. Ele tem 35 anos e praticamente não tem experiência na política, tendo sido deputado por um ano e meio antes de vencer a eleição presidencial. Noboa venceu apresentando-se como o rosto jovem e novo na política, portanto, em teoria, não é corrupto e oferece uma mão dura no estilo Bukele (o presidente de ultra-direita de El Salvador) na luta contra o crime organizado. Sua esposa é uma influenciadora do TikTok e a campanha de mídia social foi muito poderosa; ele se saiu bem no primeiro debate, mas não no segundo.
O filho de um pai dono de fazendas de banana acha que pode governar um país da mesma forma que se administra uma de suas propriedades que produzem as frutas. Ele não entende nada do que significa ser um estadista, nem entende o país, muito menos o contexto global, mas claramente cresceu acostumado a satisfazer todos os seus caprichos.
Com olhar míope para o referendo a ser realizado em 21 de abril de 2024, mas também para as próximas eleições presidenciais em fevereiro de 2025, ele decidiu - como forma de ganhar votos - prender um solicitante de asilo perseguido politicamente e, para isso, não hesitou em atacar outro país. Ele faz isso porque, juntamente com o lawfare, foi imposta uma narrativa no Equador, sustentada pela mídia corporativa e pelos partidos de direita, de que Rafael Correa e seu movimento político, a Revolução Cidadã, são responsáveis por todos os problemas do Equador, mesmo agora que não estão no poder já há sete anos.
Essa culpabilização constante e sistemática (todos os problemas e o tempo tudo) é usada para gerar ódio e polarização. Noboa está apostando em ganhar votos entre aqueles que "odeiam" tudo o relacionado a Correa e seu governo e acham que Glas é um bandido.
Noboa diz que tem um plano (chamado de "Fênix") - que é secreto - para combater os criminosos. Sem conhecer o plano, não é possível avaliar seu cumprimento, mas dada a situação atual, tudo indica que ele não tem efeitos significativos.
Noboa também pediu ao Comando Sul do Exército dos EUA a sua contribuição no combate a criminalidade, e sua diretora, Laura Richardson, juntamente com outros funcionários da entidade, estiveram no país no final de janeiro de 2024.
Não parece que as elites do país queiram realmente combater o tráfico de drogas ou o crime - muitas estão envolvidas demais com eles, como mostram os casos Encuentro e León de Troya - nem é um "erro de cálculo".
A questão é que elas querem continuar impondo o medo e fomentando o ódio para controlar a população enquanto o neoliberalismo radical avança. A mensagem é clara. Se entramos em uma embaixada, é claro que podemos entrar em suas casas. Um novo passo que, junto com a fortíssima repressão de qualquer protesto popular nos últimos anos, aprofunda o modelo de direita autoritária no país, iniciado por Moreno e continuado por Lasso. O nosso próprio modelo de neofascismo.
*As opiniões contidas neste artigo não refletem necessariamente as do Brasil de Fato
Edição: Rodrigo Durão Coelho