O mundo está olhando com muita preocupação para as crises políticas nas duas maiores economias da União Europeia. Alemanha e França, que também são membros do G7, passam por turbulências com potencial para arrastar toda Europa junto, abrindo espaço para forças de extrema direita avançar posições nas estruturas de decisão e comando desses países.
Na segunda feira ( 16/12) o Bundestag, a câmara baixa do parlamento alemão reprovou o voto de confiança apresentado pelo primeiro ministro alemão Olaf Scholz, que liderou até agora um dos governos mais impopulares da história do país. Dias atrás, ao demitir seu ministro das finanças, o principal desdobramento foi a ruptura de sua coligação, perdendo a maioria do parlamento, sendo obrigado a antecipar as eleições para fevereiro de 2025.
O governo de coalizão de Scholz era formado pelos social democratas, os verdes e os democratas livres pro-negócios, e a crise que gerou o racha nessa coligação se deu por divergências em torno de medidas para tentar alavancar a economia do país que deve amargar um encolhimento pelo segundo ano consecutivo. Enquanto a ala de Scholtz defendia mais investimentos estatais, os liberais que comandavam a pasta das finanças queriam mais austeridade e cortes em programas sociais.
A corrida eleitoral já começou e até Elon Musk já se meteu, declarando seu apoio aos herdeiros do neonazismo de Hitler que estão representados pelo AfD. Segundo a agencia de noticias DW, as pesquisas apontam a CDU ( partido de Angela Merkel) com 30% e a AfD ( extrema direita) com 19%, são as siglas que lideram a preferencia do eleitorado, logo depois vem o SPD de Scholtz com 16% e em quarto lugar o partido verde ( 11%).
A turbulência se intensificou na França no dia 04/12, com a queda do primeiro ministro Michel Barnier, indicado pelo atual presidente Macron. Essa indicação tem antecedentes de muita confusão política de responsabilidade do próprio Macron, pois na constituição francesa, é o presidente que nomeia o primeiro ministro sem necessidade de aprovação do parlamento.
Mas tradicionalmente, o indicado sempre é do partido que tem maioria. Na ultima eleição fruto da aposta de Macron em dissolver o parlamento para reverter uma derrota política do seu partido, quem venceu foi o bloco de esquerda, esperava-se que o presidente indicasse um novo primeiro ministro da NFP. Mas a tradição foi quebrada, o indicado foi Michael Barnier do partido Republicanos de centro direita, que assumiu sabendo que corria o risco de ser retirado do cargo na primeira curva do seu governo.
Ao propor um plano de austeridade que incluía cortes de 40 bilhões de euros nos gastos públicos e 20 bilhões em aumento de impostos sobre uma parcela mais rica da sociedade, acabou enfrentando a oposição tanto da esquerda quanto da ultra direita, que criticaram as medidas de austeridade e os aumentos de impostos. Sem apoio para aprovar o orçamento, Barnier recorreu ao artigo 49.3 da constituição francesa para aprovar o orçamento de 2025 sem o aval dos parlamentares.
A crise escalou. Em resposta o parlamento francês aprovou uma moção de censura a Barnier, os deputados do bloco de esquerda e do Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen alcançaram juntos mais que os 288 votos necessários para obrigar o primeiro ministro a renunciar de seu governo. Ao mesmo tempo o polêmico orçamento, o principio ativo da crise, ficou oficialmente anulado.
Barnier se tornou o primeiro-ministro mais breve da história do país, desde a fundação da Quinta Republica Francesa, em 1958, com um mandato que durou apenas três meses. No dia 13/12, o presidente Emmanuel Macron nomeou François Bayrou como o novo primeiro ministro do país, o quarto a assumir o cargo apenas em 2024.
A União Europeia pode ser arrastada para um redemoinho de crises…
As sequelas da crise econômica mundial que abateu o mundo em 2008, a saída do Reino Unido da União Europeia, os conflitos que se acumulam da situação dos imigrantes na Europa, as consequências da pandemia em 2020, os desafios da transição energética e a guerra entre Rússia e Ucrânia que afetam direta e indiretamente os europeus em muitos aspectos, formam uma tempestade perfeita que alimenta uma grave crise política nas principais economias da União Europeia, podendo se espalhar para todo continente.
A Alemanha conseguiu superar sua fase de crises devidas ao dificil processo de reunificação na década 90, no inicio dos anos 2000. O País avançou numa reconfiguração de sua economia construindo uma pauta exportadora de produtos competitivos de alta tecnologia, se transformando na grande potencia no continente europeu, em especial na industria automotiva, químico-farmacêutica e de maquinas em geral.
Um dos países que mais importam produtos alemães é a China, tanto direta como indiretamente, pois os alemães também exportam equipamentos e maquinas para países que exportam para os chineses. A desaceleração da economia chinesa, como também o avanço da sua industria automotiva de carros elétricos, fez os chineses deixarem a posição de importador, para competidor com a principal industria alemã, que é a produção de carros.
Nesse setor as grandes fabricas alemãs, Audi, BMW, Porche, Volkswagem estão atrasadas em relação a tecnologia de carros elétricos, ficando numa situação muito mais difícil para disputa de mercados altamente competitiva. Diante da desaceleração da economia, inflação e da reestruturação produtiva em várias empresas, houve lutas importantes da classe trabalhadora alemã, recentemente operários da Volkswagen fizeram uma greve contra os planos da empresa em fechar fábricas, cortar empregos e reduzir salários em resposta à queda nas vendas e à concorrência crescente. A greve terminou com um acordo que conseguiu suspender o fechamento das fábricas, mas não evitou demissões. O setor de transporte também enfrentou greves em 2024, com paralisações de trens, ônibus e metrôs em diversas cidades, exigindo melhores salários.
Outro fator que atingiu em cheio a economia alemã mais fortemente que outros países europeus, é a sua dependência da importação de gás russo. A guerra Russia-Ucrânia, deixou o país com uma relativa crise energética, aumentou os custos de produção, gerou uma certa inflação, obrigou o banco central aumentar os juros, afetando o crescimento econômico e o consumo das famílias.
A recessão na economia alemã atinge outros países da Europa, em especial aqueles que mais exportam produtos para o país. A França tem um intenso comercio bilateral com os alemães, exportando vinhos, queijos, automóveis, a Itália exporta produtos de moda, alimentos e carros de luxo para os alemães, a Polônia e a Áustria também são países que pela proximidade geográfica e os custos mais baixos são parceiros comerciais que também depende da economia alemã para vender seus produtos. Tudo isso explica o grande interesse do governo alemão no acordo União Europeia – Mercosul, pois os produtos alemães poderão encontrar uma massa de consumidores na América do Sul com tarifas mais baixas, conseguindo ser mais competitivos, embora esse acordo não resolve a crise imediata que o país está passando.
A Alemanha precisa de respostas rápidas, em 2023 entrou em recessão e sofreu um encolhimento de sua economia na ordem de 0,3% e esse ano tudo indica que deve encolher novamente ou ficar estagnada.
A França não enfrenta uma recessão, cresceu 0,4% no ultimo trimestre de 2024, o setor de serviços teve um importante crescimento, principalmente por conta da realização das Olimpíadas de Paris. O seu problema econômico está concentrado na questão da divida publica que já está em torno de 112% do PIB. Os maiores gastos do governo francês estão concentrados com serviços sociais, só com a previdência os dados oficiais mostram que o governo francês gastou em 2023 aproximadamente 320 bilhões de euros, é o país que mais gasta com aposentadorias na Europa.
O governo de Hemanuel Macron aprovou uma reforma da previdência no inicio do ano que aumenta a idade para se aposentar, o governo não tinha maioria no parlamento francês e se utilizou de um artigo constitucional (49.3), permitindo que a aprovação da reforma da previdência sem o aval do parlamento. A classe trabalhadora francesa resistiu com uma onda de greves de várias categorias de trabalhadores do setor publico e privado, mas não foi suficiente para impedir a aprovação da reforma que foi promulgada em abril de 2024.
A perspectiva de crescimento econômico da França não é boa para 2025, o banco da França reduziu a previsão de crescimento para 0,9%, caso se confirmar essa desaceleração, muitos países que dependem do sucesso da economia francesa poderá também sofrer as consequências. A balança comercial da França teve um deficit comercial muito alto em 2023 de aproximadamente 100 bilhões de euros, o segundo pior da história do país, o aumento das compras de energia dos EUA e do Catar foi um dos fatores principais do aumento dessas importações, como um esforço para buscar fontes alternativas de gás natural que antes era comprado da Rússia.
Por fim, é preciso destacar o tema das revoltas anticoloniais que estão se desenvolvendo na região do Sahel na Africa, em especial nos países que eram colonias francesas, como Mali, Niger, Burkina Faso, Chade e Mauritânia. Mesmo depois de independentes, a França ainda manteve muito influencia, que agora está perdendo. Isso significa mais prejuízo econômico para suas empresas que atuam nessa região nos setores de exploração de urânio, petróleo, agricultura e construção civil. Protestos da sociedade francesa contra a política colonial do seu próprio governo e a impossibilidade de expandir gastos militares para impor os interesses da França na região do Sahel, fez Macron recuar de um possível enfrentamento militar.
A questão da imigração e o crescimento da extrema direita
A Alemanha é um dos principais destinos de imigrantes na Europa, segundo dados do Departamento Federal de Estatísticas ( DESTATIS), em 2022, aproximadamente 20 milhões de pessoas que viviam na Alemanha, ou até 24% da população total do país tinha origem imigrante. Entre 2013 e 2022, mais de 6 milhões de pessoas nascidas em outros países se mudaram para Alemanha, em sua maioria jovens com media de idade de 29 anos.
Entre os países de origem mais comuns dos que chegaram na ultima década está Síria (`16%), Romênia ( 7%), Polônia e Ucrânia com ( 6 e 5% respectivamente). O motivo para a mudança de país, está em primeiro lugar os refugiados a procura de asilo, pessoas em busca de trabalho e imigrantes com objetivos acadêmicos. Os alemães sempre foram mais abertos para receber imigrantes comparando com outros países europeus, em especial pela necessidade de força de trabalho mais jovem e pelas baixas taxas de natalidade. Mas com o aprofundamento da crise econômica, ganhou mais força no ultimo período o discurso xenófobo alimentado pela extrema direita.
Em setembro de 2024 foi realizada a eleição no estado de Turingia no leste da Alemanha, o partido anti imigração de extrema direita (AfD) conquistou quase um terço dos votos, nove pontos acima dos conservadores do CDU, e muito na frente dos três partidos que formam a coalizão liderada pelo SPD que governa a Alemanha. Foi a primeira vez que os herdeiros do nazismo conseguem vencer uma eleição estadual na Alemanha desde a 2º guerra mundial.
O partido Alternativa para Alemanha ( AfD) anunciou pela primeira vez a candidatura de uma mulher para concorrer a eleição para o governo da Alemanha que vai ocorrer em fevereiro de 2025. Alice Wiedel, é a candidata da extrema direita, é lesbica assumida, casada com uma imigrante e tem dois filhos, nesse momento as pesquisas de intenção de voto mostram que Alice está em segundo lugar, atrás do candidato da CDU, e na frente do SPD. Em sua plataforma de governo destaca-se propostas de deportação em massa de imigrantes, corte de direitos trabalhistas, negacionismo climático com a reativação de usinas de carvão e nuclear e políticas conservadoras contra as os direitos reprodutivos das mulheres e criticas as políticas publicas para comunidade LGBTQIA+.
Em junho de 2024 na França, a extrema direita francesa liderada por Marine Le Pen venceu o primeiro turno da eleição, um acontecimento histórico. No segundo turno em julho, a esquerda representada pela Nova Frente Popular ( NFP) conseguiu uma virada e levou a maioria das cadeiras do parlamento, em segundo ficou o partido de Macron e em terceiro lugar o Reagrupamento Nacional. Essa mudança do resultado entre o primeiro e segundo turno, só foi possível pelo acordo firmado entre a esquerda e a centro direita para vencer a extrema direita, com o processo das desistências. Para evitar que o partido de Le Pen conseguisse mais cadeiras no parlamento, mais de 200 candidatos de centro e de esquerda se retiraram da disputa para concentrar os votos nos mais bem colocados e assim isolar a extrema direita. Além disso, a mobilização nessa eleição foi a maior em quatro décadas com um comparecimento massivo do eleitorado, mesmo o voto não sendo obrigatório no país.
A próxima eleição presidencial na França será somente em 2027, mas com a delicada situação no parlamento francês para Macron formar maioria, não está descartado que seu governo tenha um fim antecipado. O partido de extrema direita francês tem uma plataforma programática parecida com os extremistas de direita na Alemanha, políticas com o objetivo de endurecer a legislação contra imigrantes e a suspensão da França em todos os acordos e planos de transição energética que substitua a utilização de combustíveis fósseis.
Está nítido a relação dos problemas econômicos nos dois países mais ricos da União Europeia, alimentando uma crise política que abre um flanco para o crescimento das ideias de extrema direita.Na França, diferente da Alemanha, uma frente de esquerda teve força para se colocar como alternativa de poder através da NFP ( Nova Frente Popular). A luta política para impedir que a extrema direita seja a saída escolhida pelo povo diante do atual momento de instabilidade é um imenso desafio.
Como não há previsão para solução em curto espaço de tempo para problemas complexos que envolve o tema da economia, guerra, imigração e crise climática, maiores serão as possibilidades das tensões políticas. Com a posse de Donald Trump nos EUA e a ameaça de um mundo com guerras regionais que só escalam a cada dia, a pressão está aumentando para que os países europeus façam maiores investimentos militares contribuindo mais efetivamente para sustentar a OTAN. O que vai exigir a expansão de gastos em economias que apresenta graves limitações, mais disputas pelo orçamento público, mais tensões e crises aguarda o velho continente.
Edição: Rodrigo Durão Coelho