A crise diplomática provocada pelo Equador após a invasão da embaixada do México em Quito, com a prisão do ex-vice-presidente equatoriano Jorge Glas, deu uma dimensão internacional para a política que vem sendo implementada no país desde a posse de Daniel Noboa em janeiro deste ano.
Logo após assumir o comando do país, Noboa decretou estado de exceção com a atuação das Forças Armadas nas ruas para enfrentar a crescente onda de violência no país.
A medida, prevista inicialmente para durar 60 dias, foi prorrogada pela segunda vez na segunda-feira (8). O novo decreto apresentado por Noboa alega a persistência das condições que originaram o “conflito armado interno” e atualiza “as normas de combate e neutralização de grupos criminosos e terroristas”.
Para a socióloga equatoriana Irene León, apenas três meses após sua posse, o governo de Daniel Noboa provocou uma "escalada gigantesca do autoritarismo" e a prisão de Jorge Glas revela que essa escalada está direcionada a seus rivais políticos do Movimento Revolução Cidadã. Eles governaram o Equador de 2007 a 2017 sob a presidência de Rafael Correa, de quem Glas foi vice-presidente.
"O que está em jogo é impossibilitar o regresso do processo de revolução cidadã ao país e o sequestro de Jorge Glas demonstra isso", disse ao Brasil de Fato.
"Está em jogo o fortalecimento do projeto neoliberal desse capitalismo corporativo que busca fortalecer os interesses das corporações transnacionais no país. O próprio Noboa é um dos mais importantes herdeiros milionários do país, cujas empresas de exportação agrícola estão registradas em paraísos fiscais, portanto atuam como investimento estrangeiro."
Durante sua vice-presidência, Glas liderou a estratégia de mudança da matriz produtiva no Equador, uma das propostas de transição econômica implementadas pelo governo Correa.
Nesse período, León aponta que a legislação equatoriana permitiu um desenvolvimento interno do Equador, com a construção de infraestrutura própria para fontes de energia, por exemplo, o que afetou principalmente as empresas transnacionais.
“Criou outras fontes de recursos, levando em conta a diversidade econômica e produtiva registrada na Constituição do Equador para não ser um país dependente exclusivamente de exportações primárias”, disse ela.
A investida de Noboa, ela avalia, está direcionada ao desmantelamento do Estado e da Constituição Cidadã, por meio de um referendo marcado para o próximo dia 21 de abril, que pode alterar as diretrizes da Carta Magna aprovada em 2008.
“A Constituição do Equador é uma das mais avançadas do mundo e tem muito potencial anti-sistêmico, por isso ele está tentando desmantelar. Este projeto de sair da Constituição equatoriana para entrar nos eixos do neoliberalismo, é também um eixo central na política internacional."
Além da defesa do interesse corporativo, León avalia que a política internacional do Equador sob o governo Noboa, está pautada nos interesses estratégicos dos Estados Unidos na geopolítica da América Latina e do Caribe. É nesse contexto, ressalta, que deve ser analisada a invasão do território diplomático do México.
"Há uma grande bandeira chamada luta contra o tráfico de drogas e o terrorismo, no qual intervêm esses interesses das corporações e do fortalecimento do neoliberalismo e dos interesses geoestratégicos estadunidenses. É preciso ler o que acontece na relação entre Equador e México com essa chave também."
A invasão da embaixada mexicana, aponta Léon, rompe a possibilidade de o Equador continuar no projeto de integração latino-americano, em particular com o acordo sobre a América Latina como Zona de Paz, umas das declarações centrais da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). O México teve papel central na retomada da Celac como espaço importante de integração entre os países frente em meio as ciclos de governos conservadores na região.
"O Equador fez um gesto violento de descumprimento hostil para com um país irmão, um país muito importante para o processo de integração. Todas as iniciativas de integração foram duramente atingidas pela restauração conservadora, mas o México tomou esta iniciativa e a Celac recuperou-se."
Edição: Rodrigo Durão Coelho