A invasão da embaixada do México no Equador pelo governo de Daniel Noboa gerou uma crise diplomática entre os países que ainda terá desdobramentos nos próximos dias em diferentes organismos internacionais. O caso deve ser discutido na sexta-feira (12) em reunião na Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), onde serão debatidas possíveis sanções ao Equador.
O presidente do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, reforçou nesta terça-feira (9) que o país vai apresentar o caso perante à Corte Internacional de Haia. No Equador, o representante do Movimento Revolução Cidadã e ex-candidato presidencial equatoriano, Andrés Arauz, anunciou nesta terça-feira (9) que o tema também será discutido pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pelo Conselho de Segurança da ONU, além de embasar um pedido de impechment contra Noboa no Equador.
Para Guillaume Long, ex-ministro das Relações Exteriores do Equador e pesquisador sênior no Centro de Pesquisa Econômica e Política em Washington (DC), a invasão da embaixada mexicana representa "o ato internacional mais arbitrário que o Equador cometeu em sua história contemporânea".
"O Equador hoje se encontra isolado, desacreditado. As últimas imagens que o México divulgou e que mostram a forma violenta como a polícia enfrentou o pessoal diplomático aprofundam a crise internacional para o Equador", disse ao Brasil de Fato em relação às imagens internas da embaixada, divulgadas pelo presidente mexicano nesta terça.
Assim como o ex-presidente Lenín Moreno, que entregou Julian Assange, asilado político na embaixada equatoriana do Reino Unido para a polícia britânica, Long aponta que Noboa também violou o direito internacional de asilo. No caso anterior, porém, não houve o agravante da invasão do território diplomático de outro país.
"Ao contrário de Noboa, os britânicos não violaram a imunidade da embaixada equatoriana em Londres porque foram convidados a entrar pelo governo equatoriano. No caso do assalto à embaixada do México, a violação do direito de asilo é claríssima. Então, ambos os episódios vulneram a instituição do asilo na América Latina e no mundo. Se hoje o Equador pode fazer isso sem enfrentar consequências, amanhã qualquer um, incluindo qualquer ditadura."
O ex-chanceler equatoriano considera que a Corte Internacional de Justiça decidirá a favor do México, com base no artigo 22 da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas e ressalta, aos olhos do direito internacional, que o asilado Jorge Glas foi sequestrado pelo Equador
"Ao contrário de outros casos que envolvem complexidades jurídicas, ou a decisão entre duas posições sustentadas em direito, aqui o Equador não tem argumentação internacional alguma. O argumento de que não concordavam com o México conceder asilo a Glas não justifica, no direito internacional, que se possa atentar contra a inviolabilidade de uma sede diplomática. Nada justifica isso. Portanto, será algo simples de resolver." Leia abaixo a entrevista completa:
Brasil de Fato: Como você classifica a atitude do presidente Daniel Noboa ao autorizar a invasão da embaixada do México no Equador para prender Jorge Glas?
Guillaume Long: O assalto à embaixada mexicana pelo governo equatoriano é uma brutal violação do aspecto mais sagrado do direito internacional e da convivência pacífica entre os Estados. É muito grave. Sem dúvida, é o ato internacional mais arbitrário que o Equador cometeu em sua história contemporânea.
Como era de se esperar, esse ato está sendo repudiado por todos os países da comunidade internacional, desde os Estados Unidos até a Rússia e a União Europeia. O mesmo na América Latina: desde a Venezuela de Nicolás Maduro até a Argentina de Javier Milei. E evidentemente, tem suscitado a rejeição de todos os organismos regionais e multilaterais: a CELAC, a OEA, a ONU.
O Equador hoje se encontra isolado, desacreditado. As últimas imagens que o México divulgou e que mostram a forma violenta como a polícia enfrentou o pessoal diplomático aprofundam a crise internacional para o Equador.
É importante deixar claro que aos olhos do direito internacional, o asilado Jorge Glas foi sequestrado pelo Equador. A situação, em suma, é muito grave e trará graves consequências para o Equador.
Em resposta, o México rompeu relações diplomáticas com o Equador e deve apresentar uma denúncia à Corte Internacional de Justiça por violação do asilo político. Quais consequências isso poderia ter para o Equador do ponto de vista diplomático?
A Corte Internacional de Justiça decidirá a favor do México em sua demanda, dada a clareza do caso. Trata-se de aplicar o artigo 22 da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas. Ao contrário de outros casos que envolvem complexidades jurídicas, ou decidir entre duas posições sustentadas em direito, aqui o Equador não tem argumentação internacional alguma. O argumento de que não concordavam com o México conceder asilo a Glas não justifica, no direito internacional, que se possa atentar contra a inviolabilidade de uma sede diplomática. Nada justifica isso. Portanto, será algo simples de resolver.
Sobre as possíveis sanções, é mais difícil saber quais poderiam ser, porque quase não há precedentes desse tipo de ação. Há um exemplo, no caso EUA vs. Irã, pelo sequestro dos reféns na embaixada estadunidense em 1979, no qual a corte determinou reparações econômicas. Também poderia estabelecer a entrega imediata do asilado ao país asilante. E outras medidas provisórias.
Durante o governo de Lenín Moreno, o Equador acabou revogando o asilo diplomático ao jornalista Julian Assange, que foi entregue à polícia do Reino Unido. Agora, sob Noboa, houve esse episódio na embaixada do México. Quais são as semelhanças entre esses dois governos? Como está reagindo a esquerda equatoriana a isso?
Ambos os governos violaram o direito internacional de asilo, especificamente a Convenção de Genebra sobre o estatuto dos refugiados de 1951, e a Convenção sobre asilo político de 1954, conhecida como Convenção de Caracas. No caso da expulsão de Julian Assange por parte de Lenín Moreno, a violação é ao sacrossanto princípio de non-refoulement, que em essência diz o seguinte: um Estado pode não conceder asilo a alguém, e não tem que dar explicações, mas se concede o asilo, não pode retirá-lo ou expulsar o asilado, a menos que as razões pelas quais o asilado solicitou a proteção tenham deixado de existir.
No caso de Assange, claramente as razões por trás do asilo ainda existiam, a perseguição e a possibilidade de extradição. Mas, ao contrário de Noboa, os britânicos não violaram a imunidade da embaixada equatoriana em Londres porque foram convidados a entrar pelo governo equatoriano.
No caso do assalto à embaixada do México, a violação do direito de asilo é claríssima. Então, ambos os episódios atacam a instituição do asilo na América Latina e no mundo. Se hoje o Equador pode fazer isso sem enfrentar consequências, amanhã qualquer um, incluindo qualquer ditadura.
A reação da esquerda equatoriana é de espanto, medo, tristeza e vergonha. Mas não é apenas a esquerda, há muitas vozes de rejeição a esse ato inaceitável. Infelizmente, muitos meios de comunicação hoje são órgãos de propaganda para o governo atual, e a cobertura tem sido pobre, com muitas tentativas de justificar.
Qual é a razão, na sua opinião, para que Noboa insista em deter Jorge Glas a ponto de gerar essa crise? Que cálculos políticos o presidente está fazendo?
É difícil entender o que o presidente tinha em mente. Era evidente para qualquer conhecedor e até mesmo para quem não é especialista em relações internacionais que a reação de rejeição seria unânime, que resultaria em uma grave crise diplomática que afeta a legitimidade do governo com todos os seus interlocutores. Acredito que há uma grande parte de desconhecimento e incompetência em tudo isso.
Claramente o "cálculo" era eleitoral. Temos eleições em 21 de abril, um referendo, para reformar a constituição. Noboa quis dar uma imagem de homem forte, de mão dura, no contexto da grave insegurança que o Equador vive atualmente. Receio que tenha dado uma imagem de uma pessoa que carece das qualidades mais essenciais para poder governar.
Edição: Rodrigo Durão Coelho