O Brasil de Fato lançou nesta segunda-feira (27) duas produções sobre o Território Tradicional Geraizeiro de Vale das Cancelas: a reportagem especial intitulada “Geraizeiros encurralados: comunidades tradicionais enfrentam seca em território cercado por eucalipto no norte de MG” e o documentário "Gerais Encurralado".
O trabalho desenvolvido pelos jornalistas Caroline Oliveira, Carolina Caldeira e Vitor Shimomura registra, a partir de relatos dos moradores, os impactos causados pelo avanço da monocultura de eucalipto e pinus. As comunidades sofrem desde a década de 1970 com o avanço de empresas de monocultivo das espécies que são amplamente utilizadas nas indústrias de papel e celulose e de construção civil.
Com o apoio da ARTIGO 19 e do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, a reportagem do Brasil de Fato viajou para à região para ouvir geraizeiros e geraizeiras que estão no local desde que nasceram e que hoje convivem com a insegurança de permanência naquele lugar.
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O jornalista Vitor Shimomura, que dirige o documentário "Gerais Encurralado", classificou como “tragédia ambiental e social” o que observou no norte de Minas Gerais. Em suas palavras, os geraizeiros “estão vivenciando a destruição da biodiversidade e das águas do Cerrado, tão necessárias para o seu modo de vida”.
Para o repórter, o aspecto mais marcante do trabalho jornalístico em campo foi ver a luta e a união do povo geraizeiro para seguir firme na defesa pelo seu território. “Mesmo sabendo que estão lutando contra empresas muito poderosas e de muito poder político na região, as famílias não desistem de buscar a justiça”, afirma Shimomura.
“Foi importante ver como essa luta tem sido utilizada como combustível para fortalecer a identidade e o pertencimento do ‘ser geraizeiro’, que eles próprios definem como um povo que vive da terra, cultiva a terra, defende as origens e preserva a natureza”, diz.
Assista ao documentário completo
As plantações de pinus e eucalipto estão por toda a parte no território de Vale das Cancelas. É possível andar por quilômetros na estrada que corta as plantações, e a paisagem das chapadas do Gerais permanecer intacta num verde imenso e homogêneo que cerca as comunidades.
O cenário é o mesmo encontrado pela repórter Caroline Oliveira há três anos, quando esteve no local para a produção do especial "Grande Sertão Ameaçado", também publicado pelo Brasil de Fato.
A jornalista relata que a situação de vulnerabilidade social e econômica dos geraizeiros, especialmente da população idosa, permanece como o aspecto mais marcante.
"Eu sinto que os jovens ainda têm mais tempo de vida e, por isso, tem uma esperança maior de ver as coisas mudarem. Agora, a partir do momento que se é um idoso, esse tempo fica muito caro, me parece que a esperança fica um pouco mais difícil de ser mantida", observa.
Encurralamento dos geraizeiros
O encurralamento dos geraizeiros começou há cerca de 50 anos, como parte de uma política de modernização agrícola promovida pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) durante a ditadura militar, que ignorou completamente a existência dos povos tradicionais da região.
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Entre as consequências do avanço das empresas de eucalipto e pinus na região, estão o desmatamento do Cerrado, a contaminação do solo com agrotóxicos, o assoreamento de córregos e rios, diminuição na disponibilidade de água e aumento da insegurança. As famílias também relatam ameaças feitas pelas empresas diante da resistência ao avanço das monoculturas.
Não são somente os relatos trazidos pela reportagem que dão a dimensão dos impactos. A diminuição da disponibilidade hídrica, por exemplo, encontra amparo científico. Um estudo realizado em 2013 pelo engenheiro agrícola Vico Mendes Pereira Lima, doutor em ciência do solo, constatou que a substituição da vegetação do Cerrado por eucalipto pode reduzir a recarga de água nos lençóis freáticos em aproximadamente 345 milhões de metros cúbicos por ano.
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A defensora pública Ana Cláudia Alexandre Storch, que atua no caso por meio da Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais (DPDH), afirma que as consecutivas licenças ambientais autorizadas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) representam uma omissão do estado diante da situação de vulnerabilidade dos geraizeiros.
A repórter Caroline Oliveira ressalta que a produção de conteúdos é importante para jogar luz sobre as violações de direitos enfrentadas pela comunidade e, assim, contribuir com a luta do povo geraizeiro.
“Acredito que o jornalismo é uma ferramenta para dar mais visibilidade para casos como esse, em que o poder público não olha com atenção”, conclui a jornalista.
Edição: Geisa Marques