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Opinião | Julian Assange: Outro julgamento da vergonha

O deferimento do pedido de extradição de Assange revela o realismo cínico das democracias ocidentais

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Todos os grandes meios de comunicação internacionais recorreram às informações reveladas por Assange. Em outras palavras: quem revelou o delito será punido, não o delinquente - Justin TALLIS/AFP

O Tribunal de Westminster decidiu acolher o pedido dos Estados Unidos e extraditar o jornalista australiano Julian Assange que deverá ser julgado pela justiça americana. Há muito o que se falar sobre o processo, as alegações de cerceamento de defesa, a parcialidade dos julgadores, de um verdadeiro lawfare ocorrido. Terei aqui o limite de analisar o impacto desta decisão no âmbito da compreensão sobre a liberdade de imprensa internacional.

Ainda que alguém com um olhar mais generoso sobre os chamados valores do liberalismo ocidentais justifique esta polêmica decisão com o argumento de que tais acontecimentos são exceções: não são. A exceção com que ocorrem violações da democracia liberal ocidental pela mesma democracia liberal ocidental é permanente. Isoladamente, o caso de Julian Assange fornece mais de um exemplo. Escandalosamente nenhum dos países europeus, que se orgulham de suas garantias individuais liberais, ofereceu asilo a Edward Snowden. A Rússia foi quem garantiu este asilo, até hoje. Nenhuma destas sociedades expressou sua preocupação com os direitos humanos de Chelsea Manning, que amargou 7 anos numa cadeia nos Estados Unidos, enquanto era pressionada para que delatasse eventuais participantes no vazamento para o WikiLeaks.

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Todos os grandes meios de comunicação internacionais recorreram às informações reveladas por Assange. Se o mundo ficou chocado com os crimes cometidos pelos Estados Unidos no Iraque, com a espionagem recíproca entre países aliados, com a violação de tratados internacionais, não se incomodou com o destino daquele que tornou possível se ter a comprovação de tais delitos. Em outras palavras: quem revelou o delito será punido, não o delinquente. O momento é oportuno quando se compara o tratamento concedido pela mesma mídia internacional mainstream à guerra entre Rússia e Ucrânia, e aquele destinado à cobertura jornalística das guerras perpetradas pela OTAN, em solo europeu e no Oriente Médio. Os mesmos dois pesos e duas medidas, a começar pelo miserável racismo presente na comparação entre refugiados ucranianos, de um lado, e africanos ou sírios, de outro.

O deferimento do pedido de extradição de Assange revela o realismo cínico das democracias ocidentais. E causa vergonha porque desencadeia perigoso precedente sobre a aplicação da extraterritorialidade da lei. Como a justiça do Reino Unido acatou pedido com base na legislação americana, resta evidente que daqui em diante qualquer país poderá fazer o mesmo com jornalistas estrangeiros. Se a informação produzida por um jornalista estrangeiro desagradar as autoridades do país onde este exerce sua atividade profissional, poderá ele ser julgado num terceiro país, ainda que consiga escapar de quem o persegue.

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Não se trata somente da violação à liberdade de imprensa e de opinião. É uma decisão que ofende o pluralismo da informação. Eis o que também provoca revolta... e vergonha. Na verdade, embora se tenha esperado desfecho distinto, creio que grande parte dos observadores já previa esta sentença. O que orientava os mais céticos era o conhecimento da história. Seria demais esperar que o Reino Unido – e a União Europeia! - abdicasse de sua vassalagem perante os Estados Unidos. Este julgamento é ainda revelador de que a política externa e interna da Europa não se emancipará tão cedo daquela dos Estados Unidos. Os efeitos deste quadro, porém, se espalham pelo mundo inteiro, e atingem a todos nós, que também podemos escolher entre sermos subalternos ou pagarmos o preço da altivez e independência.

 

*Martonio Mont’Alverne Barreto Lima é professor titular da Universidade de Fortaleza, procurador do Município de Fortaleza e membro da Secretaria de Assuntos Internacionais da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo