O governo do Peru atravessa uma crise política interna que foi ganhando contornos cada vez mais públicos após a formação do quarto gabinete ministerial em apenas sete meses de gestão.
Por um lado, a direita pede que Pedro Castillo renuncie ao cargo. Por outro, a esquerda exige que o presidente retome a radicalidade do programa político. O mandatário promete permanecer até o final do mandato com um novo governo de base ampla.
O terceiro gabinete ministerial sequer chegou a ser submetido ao Congresso. Apenas três dias após a formação do governo, no dia 4 de fevereiro, Hector Valer Pinto entregou sua renúncia ao cargo de presidente do Conselho de Ministros.
A indicação de Hector Valer foi uma das mais polêmicas daquele gabinete anunciado por Pedro Castillo, que já era considerado o mais conservador em relação a todos os governos anteriores.
Ele deixou o cargo por pressão popular após denúncias de violência doméstica. Hector Valer havia sido eleito deputado pelo partido de extrema direita Renovação Popular, mas agora possui sua própria legenda, Peru Democrático.
O novo presidente do Conselho de Ministros é Aníbal Torres, que deixa o ministério da Justiça para comandar o novo gabinete, anunciado na noite da última terça-feira (8). Torres, que irá atuar como uma espécie de primeiro-ministro, é natural de Cajamarca, assim como Castillo. Ele é advogado e foi decano da Universidade Nacional de San Marcos.
O chefe de Estado assegurou que, depois da renúncia de Valer, iria escolher um novo presidente do Conselho de Ministros conciliador e estadista.
Essa última reforma também modificou outras sete pastas: Saúde, Meio Ambiente, Mulher, Interior, Produção, Minas e Energia, Justiça e Desenvolvimento Agrário.
A nova ministra da Mulher é Diana Miloslavich Tupac, que durante 30 anos foi coordenadora do Centro da Mulher Peruana Flora Tristán, e é uma referência no movimento feminista nacional.
O novo ministro de Desenvolvimento Agrário, Óscar Zea Choquechambi, foi congressista pelo partido governante Peru Livre. Para Minas e Energia, foi indicado Carlos Sabino Palacios Pérez, ex-diretor de Energia na região de Junin e também membro do partido governante.
O ministério de Justiça e Direitos Humanos fica a cargo de Ángel Yldefonso Narro, ex-juiz da Corte Superior de Justiça do Peru. O ministro do Meio Ambiente é o físico nuclear Modesto Montoya Zavaleta, ex-assessor presidencial em temas científicos e presidente do Instituto Peruano de Energia Nuclear.
Já a pasta de Saúde será comandada pelo médico Hernán Condori Machado, também natural da região de Junin e diretor regional de saúde durante 2019 e 2020. Segundo meios de comunicação locais, Machado é investigado pelo Ministério Público por supostos crimes de corrupção.
Apesar das mudanças, Castillo manteve 12 dos 19 ministros do grupo anunciado em 1º de fevereiro, entre eles os questionados ministros de Economia, Oscar Graham Yamahuchi, e da Cultura, Alejandro Salas Zegarra, ambos considerados opositores ao governo progressista.
"É um gabinete progressista, ainda que Interior, Defesa, Economia e Cultura se mantenham com a direita. Vejo como um gabinete de transição e parece que caminha para uma direitização, mas paulatinamente", analisa o sociólogo peruano e dirigente da Esquerda Socialista, Martin Guerra, entrevista ao Brasil de Fato.
Na última segunda-feira (7), em uma mensagem televisiva em cadeia nacional, Castillo prometeu formar um novo gabinete "mais participativo e de ampla base para o benefício de todos os peruanos". Ainda denunciou a campanha midiática que promovia sua renúncia ou um novo pedido de vacância presidencial.
Personagens de direita, assim como os grandes conglomerados de imprensa, têm publicado colunas, editorais e declarações públicas sugerindo que a melhor solução para o país seria a renúncia presidencial, seguida da convocatória de novas eleições.
A presidenta do Congresso, María del Carmen Alva (Ação Popular), negou-se a chamar eleições gerais, afirmando que "é uma irresponsabilidade dizer que todos se vaiam". Apesar de o partido de Castillo, Peru Livre, ter a maior bancada parlamentar com 34 deputados, a direção do Legislativo está nas mãos da oposição de direita.
A presidenta do Poder Judiciário, Elvia Barrios, enviou uma carta solicitando ao presidente a convocação de um Conselho de Estado para que os máximos representantes dos três poderes possam "unificar esforços e adotar compromissos sobre políticas públicas". O instrumento está previsto na constituição peruana para ser acionado em casos de catástrofe natural ou risco de guerra.
Em dezembro, a direita já havia proposto uma moção de vacância, que não foi aprovada. São necessários 87 votos para declarar vacância presidencial. A bancada de apoio a Castillo aglutina 54 deputados do total de 130.
"Não foi público, mas certamente ele teve que negociar com a direita popular (Ação Popular e Somos Peru) para votar contra a moção. Porque a direita liberal não quer perder seu poder para a extrema direita", comenta Guerra.
Desde as eleições, os setores de direita aglutinados ao redor de Keiko Fujimori que foram derrotados tentaram impedir a posse de Pedro Castilo, acusando suposta fraude eleitoral. Todas as denúncias foram arquivadas pelo Poder Judiciário por falta de provas.
Além disso, Castillo teve apenas nove dias entre a confirmação do resultado oficial e a posse com a formação do primeiro gabinete.
"Castillo está vendo o que demanda manter uma certa governabilidade e em seguida poder implementar o que havia prometido", defende Victor Liza.
Na época, em mensagem do dia 7 de novembro, o chefe de Estado afirmou que "foi eleito pelo povo" e seu compromisso segue vigente até 28 de julho de 2026. "Rechaço as tentativas golpistas que estão sendo orquestradas com mais força na última semana", disse.
Queridos compatriotas: Mi compromiso sigue vigente y con más fuerza hasta el 28 de julio de 2026. Con convicción, reiteramos un arduo trabajo para dar soluciones a los problemas del Perú, pensando siempre en el ciudadano de a pie, a través de la unidad y gobernabilidad.
— Pedro Castillo Terrones (@PedroCastilloTe) February 8, 2022
🇵🇪 pic.twitter.com/abIMnXmRKf
"O primeiro gabinete era plural de esquerda, depois formou um gabinete entre esquerda liberal e direita liberal, e em seguida um gabinete de direita", defende o sociólogo Martin Guerra.
Na reforma ministerial anunciada no dia 1º de fevereiro os membros do partido Novo Peru, da ex-candidata à presidência Verónika Mendoza, haviam sido suspensos das pastas de Economia e da Mulher.
No dia 2 de fevereiro, a organização de esquerda publicou um comunicado explicando sua saída do governo e pedindo que o presidente retome seu programa popular.
"Conquistamos avanços importantes, demonstrando que há uma esquerda que assume com honestidade e seriedade a tarefa de governar. Lamentavelmente perdemos a batalha. Foi imposta a chantagem neoliberal, a pressão do conservadorismo, oportunismo, informalidade e interesses corporativos", afirmou Verónika Mendoza.
1) Desde el Nuevo Perú tomamos la decisión institucional de participar en el gobierno sobre la base de un acuerdo político firmado de cara a la segunda vuelta y el Plan del Bicentenario que contribuimos a elaborar. Sabíamos que este sería un gobierno en disputa...
— Verónika Mendoza (@Vero_Mendoza_F) February 3, 2022
Dois dias depois (4), o Novo Peru anunciou que a ex-ministra da Mulher, Anahí Durand, assumia a presidência do partido.
"É momento de relançar o governo. O presidente deve retomar as bandeiras de mudança que o levaram ao poder e nomear um gabinete coerente com isso. Não se podem fazer grandes reformas com um ministro de economia neoliberal", declarou Durand em entrevistas a meios locais.
"Apesar de toda essa diversidade de gabinetes, eu acho que não podemos falar em traição ou direitização. Creio que Castillo estava tentando buscar apoio primeiro em uma esquerda mais regional, com Peru Livre, que é um partido com força na região de Junin. Depois com uma esquerda mais tradicional e agora com um setor mais popular, porém conservador em alguns aspectos morais, mas nunca se aliou a uma tecnocracia, como aconteceu em outros governos", analisa o jornalista peruano, Victor Liza, em entrevista ao Brasil de Fato.
Na última semana, reuniões de Pedro Castillo com presidentes latino-americanos de extrema direita, entre eles Jair Bolsonaro, Iván Duque (Colômbia) e Guillermo Lasso (Equador), geraram questionamentos sobre sua proximidade com o campo conservador.
Martin Guerra critica a falta de unidade da esquerda peruana num momento de divisão interna da direita. "Até o momento não puderam entender que, se a direita está se aniquilando, é momento de avançar na unidade do programa. Eu ainda tenho esperança de que não perdemos totalmente o momento".
Gabinete paralelo
Alguns ex-funcionários de governo renunciaram ao cargo denunciando um suposto gabinete paralelo, formado por um grupo externo aos ministérios com influência sobre o presidente.
Castillo rechaçou sofrer influência indevida de um "gabinete às sombras" e convocou a unidade pela governabilidade do país.
"O presidente aprendeu a desconfiar. Primeiro da esquerda que o criticou durante toda a campanha e agora apareceu querendo dizer como ele deveria governar. Também aprendeu a desconfiar da direita que o combateu desde o princípio. O problema não é a maneira como se tomam as decisões, o problema é a falta de continuidade", defende Guerra.
Agora o quarto gabinete ministerial ainda deverá receber o voto de confiança do Legislativo para ser ratificado no poder. Castillo pede unidade em prol do desenvolvimento do Peru.
Edição: Arturo Hartmann