Arthur Lira (PP-AL) foi chamado para uma reunião no Palácio do Planalto há duas semanas para discutir a dificuldade do governo em negociar com os deputados federais e colocar em votação as pautas eleitas nas urnas em 2022. Na ocasião, o presidente da Câmara dos Deputados disse ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que os parlamentares não esperam do governo mais cargos para a formação da base no Congresso. Eles querem verbas do Orçamento federal.
O Palácio do Planalto tem negociado com os deputados federais desde o início do governo, via Arthur Lira e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Lula, no entanto, não pretende abrir mão de ter um papel decisivo na destinação orçamentária e nem deixar a torneira aberta para o Congresso, como fez o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que ficou refém dos parlamentares.
A pedra no caminho do governo é o esquema do orçamento secreto, manipulado via emendas de relator As emendas foram criadas em 2019 a partir de projeto de iniciativa de Jair Bolsonaro, que alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, deixando os deputados livres para movimentar dinheiro em seus territórios.
Desde 2020, então, a Câmara dos Deputados passou a negociar com o Palácio do Planalto com o orçamento embaixo do braço, utilizando os recursos da União para fomentar suas bases eleitorais e garantir maior influência local durante as eleições de 2022.
Apesar da resistência de Lula à prática, o governo decidiu ceder aos apelos de Arthur Lira e à sanha dos deputados por dinheiro. Uma semana após a reclamação do presidente da Câmara, o governo liberou R$ 700 milhões em emendas.
"Descentralizar"?
Na última segunda-feira (15), em entrevista à BandNewsTV, Lira criticou o Palácio do Planalto, mesmo após a liberação das emendas. "Eu apelo que o governo precisa descentralizar, confiar e delegar, para melhorar a articulação política. Enquanto o governo não descentralizar, as coisas não vão andar. O governo está muito centralizado no PT e precisa abrir mão de espaços para outros partidos."
Na mesma entrevista, Lira disse que Lula "deve focar em diminuir desigualdades e nas pautas sociais e não no debate ideológico".
Para a cientista política Tathiana Chicarino, o presidente da Câmara é resistente a outro modelo de negociação entre o governo e a Casa, que garantia a manutenção da governabilidade no país antes de Jair Bolsonaro. "O Lira tem tido um papel nos últimos anos de controlador do orçamento. Diferente de outros governos, em que o presidencialismo de coalizão se dava pela divisão dos espaços de poder em ministérios e cargos de segundo escalão em estatais, o que vemos agora é uma composição do governo que depende da destinação orçamentária", explicou ela, que é professora da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e da PUC-SP.
Para além das questões orçamentárias, Chicarino vê dificuldades político-ideológicas para o governo. "Isso reflete o resultado eleitoral de 2022. Embora o PT tenha tido uma bancada grande, a oposição também é bastante grande e muito articulada, especialmente em torno do presidente da Câmara, o Arthur Lira. Então, essa dificuldade já era esperada, justamente por conta da composição dos partidos. Temos, portanto, um Congresso de direita."
Líder do PT na Câmara dos Deputados, Zeca Dirceu (PT-PR) minimizou a adversidade entre o Palácio do Planalto e os parlamentares. "A dificuldade que o governo enfrenta não é do tamanho que parece ser, é muito menor. Todo governo novo enfrenta uma série de dificuldades para se organizar e começar a funcionar. Eu sinto que aqui no Congresso há uma insatisfação, não é tão grande quanto parece e nem pelos rumos da articulação política, ou pelas políticas públicas que o presidente Lula está desenvolvendo. Pelo contrário, há uma satisfação pelas entregas, que melhoram a vida do povo."
O petista reconhece que a solução passa por colocar mais dinheiro na mão dos deputados mimados por Bolsonaro. "Onde está a insatisfação? Na velocidade e amplitude da execução orçamentária, que a montagem do governo e delegação dos cargos está ocorrendo. Uma insatisfação mais por velocidade e amplitude, do que por rumo adotado. Está fácil do governo equacionar."
Para Chicarino, o imbróglio pode se estender. "Vai demorar um tempo para que isso se acomode. Devemos ter um governo um pouco instável, diferente dos dois primeiros de Lula e o primeiro da Dilma, lembrando que só no segundo governo de Dilma que essa coalizão começou a mostrar rachas. Nós temos algumas pessoas no governo que são muito boas em fazer essa articulação, alguns parlamentares muito experientes, mas Lira também tem essa expertise", alerta a cientista política.
Edição: Thalita Pires