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Governos que cobram mais impostos de alimentos e bebidas não saudáveis investem melhor em saúde

Estudo da ACT mostra que taxação de ultraprocessados é revertida até mesmo em recursos para combate à pandemia

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Taxação de produtos que fazem mal à saúde financia políticas sociais - © Amanda Shepherd / Unsplash

A cobrança de mais impostos sobre alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas ou com aditivos têm significado mais dinheiro para políticas sociais em países, estados e municípios. Um estudo da ACT Promoção em Saúde traz 60 exemplos espalhados pelo globo, que mostram financiamento maior principalmente na área da saúde.

Em alguns casos, os valores arrecadados foram aplicados inclusive no combate à pandemia do coronavírus. 

A despeito dos resultados positivos observados fora do Brasil, o país ainda se mantém na “contramão” da tendência, segundo a nutricionista e infectologista, Bruna Hasan, responsável pelo estudo. Entre as regiões que adotam esse tipo de política fiscal estão África do Sul, México, Reino Unido, França, países do Pacífico e do Golfo Pérsico e cidades estadunidenses.

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“Nós começamos a investigar e vimos que, no Brasil, as produtoras de bebidas açucaradas são altamente incentivadas, sobretudo aquelas localizadas na Zona Franca de Manaus. É um incentivo de quase R$ 4 bilhões ao ano, de acordo com informações da Receita Federal. No mundo todo, nós estamos indo em outra direção, principalmente na última década”, alerta.

O estudo aponta que as experiências internacionais tiveram sucesso em aumentar o preço e diminuir o consumo desses produtos. 

“Na Filadélfia, a receita arrecada com a tributação de bebidas adoçadas foi destinada para atividades de educação alimentar e nutricional. No Reino Unido, o dinheiro foi usado para melhorar o café da manhã nas escolas e para atividades em educação física”, relata Bruna Hasan.

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Em diversas regiões, os valores financiam políticas voltadas para comunidades de baixa renda. Na cidade estadunidense de Seattle, por exemplo, a arrecadação de impostos sobre bebidas açucaradas é destinada a projetos de auxílio a famílias que a pandemia empurrou para a insegurança alimentar.

“Há uma série de ações interessantes, que vão desde ações com grupos mais vulneráveis - com hortas comunitárias, centros de educação infantil, trabalhos específicos para essas populações – até atividades específicas voltadas para a melhoria da situação de populações afetadas pela covid”, explica.

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As mudanças têm impacto direto no combate ao crescimento da obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis com origem na alimentação inadequada. Uma análise da Força-Tarefa sobre Política Fiscal para a Saúde estima que o mundo poderia evitar entre 800 mil e 2,2 milhões de mortes nos próximos 50 anos se todas as nações cobrarem mais impostos sobre bebidas açucaradas.

Sem prejuízo

Segundo Bruna Hasan, uma das justificativas usadas pela indústria de ultraprocessados para enfraquecer as possibilidades de que o Brasil venha a taxar esses produtos é de que medidas dessa natureza vão causar prejuízos ao setor e, consequentemente, aumentar o desemprego.

A pesquisadora afirma que esse cenário não foi observado nas regiões que decidiram aumentar os impostos desses itens.

“Um grande argumento dado pelas grandes corporações, é de que (a taxação) vai prejudicar a economia e de que vai haver perda de emprego. Não vimos isso, pelo menos com as evidências que temos até hoje. Em nenhum país houve prejuízo com o aumento da tributação desses produtos”, ressalta Bruna Hasan.

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A tributação sobre esse tipo de produto é recomendada não só pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), mas também pelo Banco Mundial. A maior autoridade financeira do mundo considera que instrumentos de política fiscal podem gerar benefícios efetivos a um custo baixo para as economias.


 

Edição: Vivian Virissimo