O relatório mais recente da Organização da ONU para Agricultura e Alimentação (FAO, em inglês) confirma a reabertura de uma chaga histórica no Brasil, a fome.
A estimativa é que 23,5% da população brasileira tenha vivenciado insegurança alimentar moderada ou severa entre 2018 e 2020, um crescimento de 5,2% em comparação com o último período analisado, entre 2014 e 2016.
Isso significa que 49,6 milhões de pessoas - entre elas crianças - deixaram de comer por falta de dinheiro ou tiveram uma redução significativa na qualidade e na quantidade de alimentos ingeridos. Desde o estudo anterior da FAO, 12,1 milhões de brasileiros foram acrescentados às estatísticas da carestia.
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Os dados são do relatório intitulado O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo, lançado nesta segunda-feira (12) pela FAO. Essa é a primeira avaliação global da insegurança alimentar desde o início da pandemia de coronavírus e contém as informações mais atualizadas sobre a segurança alimentar e nutricional.
“A pandemia trouxe consigo uma crise econômica sem precedentes, e não sabemos por quanto tempo ainda irá impactar a segurança alimentar dos países, mas sabemos que seus efeitos ainda serão sentidos por muito tempo, o que pode fazer com que mais pessoas enfrentem algum tipo de insegurança alimentar”, afirmou ao Brasil de Fato o representante adjunto da FAO no Brasil, Gustavo Chianca.
No lado mais crítico desse cenário, estão aqueles em insegurança alimentar severa, definida pela FAO como a situação em que pessoas passam fome por falta de comida e, em casos extremos, passam dias sem se alimentar, colocando a saúde em risco.
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O total de brasileiros nessas condições saltou de 3,9 milhões para 7,5 milhões, equivalente a um crescimento percentual de 1,9% para 3,5%.
Alimentação piorou para metade dos brasileiros
Quase metade dos brasileiros que responderam à pesquisa, feita por telefone em razão da pandemia, disseram que seus hábitos alimentares mudaram para pior durante o período de isolamento social. Em lares com crianças e adolescentes até 17 anos, o percentual é de 58%.
Um terço das famílias com crianças afirmam ter aumentado o consumo de alimentos processados. Já nas unidades familiares compostas por adultos, o percentual foi de 18%.
Segundo a FAO, o consumo de processados aumentou principalmente entre famílias de baixa renda e compostas por desempregados, negros e moradores do Nordeste, o que revela o encarecimento da alimentação saudável.
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No Brasil, o relatório trouxe como destaque positivo a agricultura familiar, além de projetos de hortas comunitárias e de alimentação escolar. As modalidades ajudaram a população a driblar o desafio de manter uma dieta saudável no ambiente urbano.
Fome atinge 10% da população mundial
Em nível mundial, o resultado foi classificado pela FAO como “devastador”. Na cerimônia virtual de lançamento do estudo, o tom de lideranças ligadas à Organização das Nações Unidas (ONU) foi de descrença no cumprimento de um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a erradicação da fome até 2030.
“Estamos na direção errada. Achar que vamos superar a fome em 2030 é quase impossível dada a direção dos acontecimentos, afirmou David Beasley, diretor executivo do Programa Alimentar Mundial (WFP em inglês), órgão de auxílio alimentar da ONU.
“Se continuarmos assim, vamos ter fome em massa, desestabilização das nações e imigração em massa. Não deveria ter uma única criança no mundo com problemas de nutrição, com todo o aumento da riqueza financeira. O fato de estarmos nessa situação é uma desgraça para a humanidade”, completou o diretor da WFP durante o lançamento do relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo.
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Caso o planeta permaneça nesse ritmo, a meta não será alcançada por uma margem de quase 660 milhões de pessoas, das quais 30 milhões em função do efeito duradouros da pandemia.
“O estudo estima que 9,9% de toda a população mundial tenha sofrido de desnutrição no ano passado, contra 8,4% em 2019. Entre 720 e 811 milhões de pessoas no mundo enfrentaram fome em 2020 – até 161 milhões a mais do que em 2019 –, e quase 2,37 bilhões de pessoas não tiveram acesso à alimentação adequada em 2020 – um aumento de 320 milhões de pessoas em apenas um ano”, disse o representante adjunto da FAO no Brasil.
Sobrepeso e obesidade
Com a pandemia, avançou também a perversa coexistência de desnutrição com sobrepeso e obesidade, associada a doenças crônicas relacionadas à alimentação. Na base do problema, está a disparada do preço dos alimentos saudáveis.
De acordo com a FAO, o aumento da fome está ligada a três fatores: mudanças climáticas, conflitos e covid-19. A maioria dos sistemas alimentares é afetado por mais de um impulsionador.
“A elevação do custo dos alimentos nutritivos, combinados com a baixa renda, estão aumentando o preço de alimentos saudáveis. A porcentagem da população que não pode pagar uma alimentação saudável em países afetados por vários fatores em 2019 foi 39% e 66% maior, respectivamente, do que em países afetados por um único fator ou nenhum”, conclui Chianca.
O crescimento da fome no mundo atingiu homens e mulheres de maneira desigual em 2020. A prevalência de insegurança alimentar grave ou moderada foi 10% maior entre pessoas do sexo feminino em relação a indivíduos do sexo masculino, quatro pontos percentuais a mais do que em 2019.
Panorama mundial
A Ásia tem mais da metade de todas as pessoas subalimentadas no mundo, 418 milhões. O continente africano mais de um terço, 282 milhões. O Caribe e a América Latina têm uma proporção menor, 60 milhões.
O aumento mais acentuado da fome foi na África, onde a prevalência estimada de desnutrição atinge 21% da população, mais do que o dobro de qualquer outra região.
“Em relação à América Latina e Caribe, em seus últimos relatórios, a FAO já vinha mostrando um aumento no número de subalimentação em todo o mundo, inclusive alertando aos países da região sobre o risco de não alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2 da Agenda 2030, referente à fome zero, até 2030”, afirma o representante adjunto da FAO no Brasil.
Edição: Leandro Melito