BLOQUEIO

O que concluir sobre a suspensão de parte das sanções dos EUA contra a Venezuela

Para analistas, administração Biden busca renovar sua imagem a nível internacional, mas não abandona estratégia golpista

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Joe Biden era vice-presidente de Barack Obama quando foi decretado o bloqueio econômico contra a Venezuela - MPPRE

A suspensão de parte das sanções econômicas dos Estados Unidos contra a Venezuela chamaram atenção da comunidade internacional. Ainda que a licença do Escritório de Controle de Bens Estrangeiros (Ofac- pelas siglas em inglês) se aplique apenas para compras relacionadas ao combate da pandemia de covid-19 e permita transações com o Banco Central da Venezuela e outras três entidades bancárias públicas, a decisão irá beneficiar os venezuelanos em geral.

“É um movimento imperialista com um plano. Ainda que algumas sanções tenham sido aliviadas, acredito que sempre há um motivo por trás. Devemos sempre nos questionar quais são os movimentos quando se trata dos Estados Unidos e da administração Joe Biden, que foi parte da equipe que começou a aplicar as sanções contra a Venezuela ainda durante a gestão de Obama”, afirma Rachell Tucker, membro do Partido Socialismo e Liberação dos Estados Unidos.

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Para o pesquisador venezuelano do Instituto Samuel Robinson, Diego Sequera, trata-se de uma mudança de tom para se adequar ao discurso de “soft power”, que inclui a defesa dos direitos humanos, além de reposicionar os Estados Unidos como um ator global no contexto da pandemia, rivalizando com a China e Rússia.

“É um assunto de ótica, de controle de danos, de tentar expressar uma mudança na postura internacional com alguns ajustes que a administração Biden está fazendo na região”, defende Sequera.

Com o surgimento de novas variantes do vírus sars-cov2, o agravamento da crise sanitária na Índia e a previsão de uma terceira onda de contágios na Europa, a Casa Branca passou a defender a quebra de patentes dos imunizantes para descentralizar e acelerar sua produção.

Durante a última cúpula do G7, Biden também foi um dos defensores de que as potências ocidentais doassem um bilhão de doses de vacinas aos países mais vulneráveis.

Porém, até então, não havia atendido o pedido do secretário geral da Organização das Nações Unidas, Antonio Guterres e da Comissária de Direitos Humanos, Michelle Bachelet, de levantar todas as medidas coercitivas unilaterais durante a emergência sanitária global.

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“Além disso, existe uma pressão interna. Ainda que a maioria das sanções afetem projetos financiados pelo governo venezuelano, seguem existindo laços muito próximos entre os empresários do setor privado venezuelano e os Estados Unidos”, analisa Manolo de los Santos, pesquisador do Instituto Tricontinental e fundador do People's Fórum de Nova Iorque.

Até a aplicação do bloqueio em 2015, os Estados Unidos eram os principais compradores de petróleo venezuelano. Em 2014, a Venezuela oferecia cerca de 740 mil barris diários aos estadunidenses. Além disso, os venezuelanos exportaram US$ 30,2 bilhões e importaram US$ 11,3 bilhões em produtos e serviços, de acordo com dados oficiais.

Além disso, a Citgo Petroleum, filial da Petróleos de Venezuela S.A (PDVSA) nos Estados Unidos, é responsável pelo refino de 4% do petróleo consumido no país e possui cerca de 5.000 postos de gasolina na costa sudoeste estadunidense.


Apesar do bloqueio, a Venezuela comprou vacinas da Rússia e recebeu doações da China, imunizando 1,3 milhão pessoas até o momento, segundo a OMS / MPPS

Diálogos nacionais

Os Estados Unidos também passaram a apoiar uma mesa de negociação entre o opositor Juan Guaidó, a quem a Casa Branca reconhece como presidente encarregado venezuelano, e o governo de Nicolás Maduro. Ambas partes já estabeleceram alguns requisitos para sentar a negociar.

A oposição pede a realização eleições “livres”, a liberação de opositores detidos, a suspensão da inabilitação política de alguns atores e a aquisição de vacinas para, em troca, suspender as sanções econômicas.

Já Nicolas Maduro exigia o levantamento das sanções e a responsabilização de opositores pelos prejuízos gerados nos últimos seis anos de embargo.

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Dessa forma, a medida de Washington poderia ser entendida como um incentivo ao diálogo.

 “Não é que Guaidó pensou algo e os EUA acataram, mas era a necessidade de dar-lhe um novo oxigênio antes que ele termine de definhar e tudo isso com o prazo de dezembro deste ano”, analisa o pesquisador venezuelano.

“Não espero uma mudança dramática sobre a posição dos EUA. Tudo irá depender de como eles veem as debilidades internas da oposição venezuelana. É evidente que há uma falta de compreensão sobre o que acontece internamente na Venezuela”, afirma Manolo de los Santos.


Depois do fim do mandato como deputado, Juan Guaidó passou a estar cada vez mais isolado no cenário político nacional da venezuelano / WRN

Os Estados Unidos mantêm medidas coercitivas unilaterais contra 34 países em todo mundo. Cuba, Irã e Venezuela são os casos mais emblemáticos e antigos. A necessidade de renegociação dos acordos nucleares com o Irã e das relações diplomáticas com Cuba poderiam ser outro fator que levou Biden a suspender parte das sanções contra os venezuelanos.

“Eles entendem o poder da Venezuela e da Revolução Bolivariana. Sabem que ao permitir a soberania da Venezuela isso abriria a porta para que o resto da América Latina e do mundo buscassem sua autodeterminação”, analisa Rachell Tucker.

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Para Sequera, trata-se de diminuir as frentes abertas de conflito. A expectativa é que a partir de agora a Venezuela terá mais liberdade para negociar a compra de insumos e vacinas, no entanto haverá que esperar para verificar a aplicação da licença geral da Ofac.

“Por que não é a primeira vez que dizem que as sanções não impedem a Venezuela de comprar alimentos ou medicamentos e no entanto sabemos que isso é falso. Teremos que esperar”, salienta Diego Sequera.

“Esse roubo massivo dos recursos venezuelanos, além de ser uma vergonha, está dentro das táticas históricas da Ofac e de outras instituições estadunidenses que são especialistas em bloqueios. São ações para estrangular as possibilidades até mesmo na terceira ou quarta via”, comenta Manolo de los Santos.

Há duas semanas a Venezuela denunciou o bloqueio da última parcela de pagamento das vacinas do consórcio Covax, no valor de cerca de US$ 10 milhões, pelo banco suíço UBS. Ainda que os EUA tenham flexibilizado as sanções, os analistas não acreditam que a Venezuela poderá recuperar esse dinheiro em breve.

“Já está estabelecido que Covax não é um mecanismo humanitário eficiente e é objeto das medidas de pressão da Otan. Aqui é que vamos saber até onde essa licença da Ofac será aplicada”, conclui Sequera.

Edição: Vinícius Segalla