A América do Sul continua sendo a região mais afetada pela pandemia, com a maior taxa de mortalidade por covid-19 durante o mês de junho: uma média de 2.218 falecidos a cada milhão de habitantes, de acordo com o site Our World in Data. A região reúne cerca de 8% da população mundial e 1/3 do total de óbitos por covid-19 do globo.
Desde o início da pandemia, 1,16 milhão de pessoas morreram pela doença no continente americano, segundo a Organização Mundial da Saúde. Somente na última semana houve 1,1 milhão de novos casos e 31 mil novas mortes.
O subcontinente latino-americano nunca saiu do ranking dos dez mais afetados pela pandemia, tanto em número de casos, como em número de mortos. Analisando a taxa de letalidade em comparação com a população, o Peru lidera com 5.740 falecidos pelo novo coronavírus a cada grupo de milhão de habitantes.
Nesse índice, o Brasil é o 9º da lista, com 2.308 mortos por milhão de habitantes, mas o segundo em números absolutos, somando 493.693 falecidos por covid-19, atrás somente dos Estados Unidos.
“Não é uma surpresa que a América Latina seja a região mais afetada, porque somos o continente mais desigual do mundo e as comunidades mais afetadas pela covid-19 são as comunidades mais vulneráveis: com menos acesso à saúde, com mais comorbidades, com menos possibilidades de estar ao ar livre, com mais superlotação nas residências e com menores salários. Você não pode se auto isolar se depende do trabalho informal, que é a modalidade predominante na região”, analisa Gonzalo Bacigalupe, psicólogo e pesquisador da Escola de Educação e Desenvolvimento Humano da Universidade de Massachusetts.
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O agravamento da pandemia acompanha dados que evidenciam a concentração de vacinas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde foram aplicadas 2,3 bilhões de doses em todo o planeta, uma média de 33 milhões aplicadas diariamente.
Isso significa que cerca de 20% da população mundial recebeu a primeira dose do imunizante, mas apenas 0,8% estão em países pobres.
A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) reconhece que a falta de imunizantes na região é o principal fator para que a América Latina continue sendo o epicentro da pandemia.
"Em toda a região a vacinação é mais lenta que o necessário. Isso acontece principalmente pela reserva de mercado das vacinas, como todos nós já sabemos. Precisamos avançar na vacinação dos mais vulneráveis, mas para isso faltam doses", afirmou o assistente diretor da Opas, Jarbas Barbosa.
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— OPS/OMS (@opsoms) June 16, 2021
Alta vacinação e alta taxa de contágios
Com o surgimento de novas cepas e escassas medidas de isolamento social, o avanço da vacinação, na maioria dos países, não foi suficiente para conter o avanço do vírus.
A OMS alerta para a letalidade da variante c-37, presente em 80% dos casos no Peru, 37% dos contaminados na Argentina, e detectada em 29 países do mundo. Assim como a P1, conhecida como cepa brasileira, responsável por desatar uma segunda onda de contágios na América Latina.
O Chile é o país que mais vacinou na nossa região, com 20 milhões de doses aplicadas. Porém, no dia 16 de junho, o país bateu um recorde de pacientes com mais de 70 anos internados em unidades de tratamento intensivo (UTIs).
O Ministro de Saúde chileno, Enrique Paris afirmou em março que em 30 de junho o país sentiria o efeito da imunização de rebanho, alcançada através da vacinação. No entanto, faltando duas semanas para a data prevista, o país atravessa uma terceira onda de contágios e registra 1,4 milhão de casos e 30.865 falecidos pela covid-19.
“Assim que iniciou a vacinação também suspenderam as medidas sanitárias de maneira muito drástica. Foram distribuídos cartões de circulação. Então as pessoas entenderam que todos os vacinados já estavam livres”, afirma a enfermeira e fundadora da Sociedade Chilena de Saúde Familiar e Comunitária (Sochienfa), Dennisse Brito.
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Além da volta às aulas, determinadas atividades econômicas vinculadas ao extrativismo e à pesca, motores da economia chilena, nunca foram suspensas, mantendo altas taxas de mobilidade nacional.
“A vacina num lugar que não faz prevenção estará destinada a falhar, porque surgem as variantes e sequer conseguirá ter o efeito de evitar mortes”, alerta Bacigalupe.
O segundo do ranking de imunização é o Uruguai, que já vacinou 3.428.143 milhão com pelo menos uma dose, equivalente a 97% da população, continua com as internações e letalidade em ascensão. O país acumula 343 mil infectados e 5.089 falecidos pelo vírus sars-cov2, de acordo com dados da OMS.
No último mês dobrou a letalidade da doença entre os uruguaios de 18 a 49 anos, mantendo uma média de 200 óbitos diários.
O governo uruguaio, assim como o chileno, retomou as aulas presenciais assim que iniciou a vacinação entre os professores, e suspendeu a quarentena a nível nacional. A ciência mostra que o problema certamente não é a efetividade das vacinas, mas a falta de outras medidas de prevenção.
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“Todos os estudos mostram que as pessoas que estão vacinadas têm menos riscos de ter um quadro grave ou até mesmo morrer”, ressalta Dennisse Brito, pesquisadora da Universidade Diego Portales, no Chile.
“A vacina é parte da equação. Mas o importante seria quais medidas vamos tomando para sempre diminuir os contágios”, concorda Gonzalo Bacigalupe
A procura por mais vacinas
Na última cúpula do G7, as maiores potências econômicas ocidentais prometeram a doação de 1 bilhão de doses às nações mais vulneráveis. A diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Carissa Etienne pediu ao grupo dos sete que acelerem as doações à América Latina.
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"Precisamos das vacinas. Hoje menos de uma a cada dez pessoas da América Latina e Caribe foram imunizadas contra a covid-19. No entanto, somos uma região com mais de 600 milhões de pessoas com casos que seguem aumentando, hospitais lotados e variantes circulando rapidamente. Por isso, também necessitamos aumentar nossa capacidade de produção", afirmou a diretora da Opas, em conferência de imprensa na última quarta-feira (16).
Entre junho e julho, os países latino-americanos devem receber um novo carregamento do consórcio Covax. O fundo recebeu mais US$ 2,4 bilhões para adquirir 1800 doses. Até o final de maio o programa da OMS havia distribuído 77 milhões de doses a 127 nações. O maior beneficiário foi o Brasil com 5 milhões de doses, seguido do México com 3,3 milhões e Colômbia com 1,8 milhão de imunizantes.
O país é o 4º no ranking mundial com 81,5 milhões de doses administradas, o que representa 11% da população nacional, mas apenas 23,9 milhões receberam as duas doses.
Por outro lado, ainda está em discussão se a Venezuela conseguirá receber seu primeiro lote, já que parte do pagamento foi bloqueado pelo banco suíço UBS.
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Enquanto isso, os Estados Unidos tiveram que descartar 60 milhões de doses da fórmula da Pfizer que iriam perder a validade e não haviam sido aplicadas. Porém isso não impediu Washington de manter sua política de reserva de mercado e já comprou mais 200 milhões de doses da Astrazeneca / Moderna para abastecera demanda nacional em 2022.
Apesar do discurso, a conta não fecha. Os Estados Unidos possuem 328,2 milhões de habitantes, dos quais pouco mais de 312 milhões foram vacinados, faltando imunizar cerca de 15,3 milhões.
Economia x Saúde
Apesar do cenário crítico, governos locais continuam defendendo a total reabertura da economia. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) indicou que somente no primeiro trimestre de 2021 houve um aumento de 8,9% das exportações na América Latina.
Para acelerar o processo de vacinação na América Latina, o BID destinou US$ 15 milhões a dez países da região. Ainda que os organismos multilaterais defendem uma distribuição mais equitativa dos imunizantes e agora até os Estados Unidos afirmaram defender a quebra de patentes na Organização Mundial do Comércio (OMC), na prática a pressão pelo fim das medidas sanitárias de distanciamento social e a reserva de mercado de vacinas impedem pensar na superação da pandemia ainda em 2021.
Para os especialistas é necessário adotar uma estratégia regional que unifique os países em torno da necessidade de reduzir a circulação do vírus, suas mutações e, consequentemente, novas mortes e contágios.
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“Há que eliminar espaços de mobilidade. Há que criar campanhas massivas de educação para que as pessoas entendam que ainda não podemos tirar as máscaras e devemos manter o distanciamento social”, defende a especialista em saúde pública, Dennisse Brito.
O fato de que 2021 e 2022 são anos eleitorais em vários países da região também pesou para que governantes busquem adotar medidas que elevem os índices macroeconômicos e depositassem todas as esperanças populares na superação da pandemia através das vacinas.
Para o investigador da Universidade de Massachusetts há que superar a falsa dicotomia entre saúde e economia, já que para sair da recessão é necessário uma população saudável.
“Desta situação temos que sair todos juntos. O problema é que quando as elites falam em todos pensam somente neles. Uma situação de emergência requer medidas que não são populares, como o lockdown e apoio estatal econômico e social. Há que priorizar quem necessita das vacinas a nível continental. Todos os profissionais de saúde do continente devem ser vacinados, sem trapaças, de verdade. Depois é necessário avaliar onde a vacina teria mais impacto”, conclui Gonzalo Bacigalupe.
Edição: Vivian Virissimo