DISPUTAS POLÍTICAS

Entenda os fatores que levaram Guaidó a propor um acordo nacional na Venezuela

Depois de 2 anos de planos golpistas, opositor decide negociar com governo Maduro

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |

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Ex-deputado Juan Guaidó propôs um acordo nacional e presidente Nicolás Maduro respondeu estar aberto ao diálogo - Reprodução / Twitter

A mesa de diálogo entre a oposição e o governo venezuelano ainda não tem data marcada, mas a possibilidade de que representantes de Juan Guaidó e Nicolás Maduro sentem para negociar reacendeu o debate político na Venezuela e no mundo.

A União Europeia e os Estados Unidos já se manifestaram apoiando a saída pacífica da crise. Inclusive na última semana, membros da oposição confirmaram que o embaixador estadunidense James Story teria posto um prazo até 1º de dezembro para que Guaidó conseguisse um acordo nacional. Depois disso, a Casa Branca iria suspender o apoio político e financeiro ao ex-deputado.

Segundo reportagem do portal PanamPost, Guaidó teria recebido US$ 152 milhões (cerca de R$ 836 milhões) de um total de US$ 342 milhões (cerca de R$ 1,8 bilhão) de dinheiro público venezuelano depositado em bancos estadunidenses. Esta seria só uma parte dos US$ 7 bilhões (aproximadamente R$ 35 bilhões) congelados no exterior. Story declarou que o portal de notícias busca aumentar sua audiência, mas não negou a acusação.

Desde a autoproclamação no dia 10 de janeiro de 2019, Guaidó protagonizou uma série de planos violentos. Começando pela tentativa de entrada à força de caminhões com suposta ajuda humanitária pelas fronteiras da Colômbia e do Brasil, em fevereiro de 2019. No dia 30 de abril do mesmo ano, o opositor lançou a Operação Liberdade, tentando tomar uma base aérea militar no leste de Caracas. Por fim, em 2020, Guaidó assinou o contrato que deu início à Operação Gedeón, a tentativa de invasão paramilitar da Venezuela.

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“Uma série de loucuras que o levaram progressivamente à dessecação, perda de força e destruição da oposição”, afirma o cientista político e professor titular da Universidade Central da Venezuela (UCV), Carlos Raúl Hernández.

“O que acontece é que a rota eleitoral nunca foi uma estratégia da oposição, sempre foi uma tática para tirar o chavismo do poder”, defende Oscar Schemel, presidente da empresa de pesquisa de opinião Hinterlaces.

:: Linha do tempo de tentativas de golpe de Estado na Venezuela ::

Se por um lado, Maduro convocou a oposição ao diálogo em mais de 300 ocasiões, por outro, Guaidó mudou seu discurso várias vezes desde 2019. Propôs inicialmente três passos para derrubar o “regime", depois falou em cinco pilares de ação política até a tomada do poder, em seguida lançou o plano país com a palavra de ordem "fim da usurpação, governo de transição, eleições livres já", para, finalmente, defender um “acordo de salvação nacional”.

O autoproclamado também foi um dos promotores da aplicação do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) pelos países da Organização do Estados Americanos (OEA), defendendo que seu próprio país seria uma "ameaça regional". 


Desde 2014, ao menos 11 operações foram planejadas, no entanto os atos e ameaças são constantes. / Michele de Mello / Brasil de Fato

A oposição propõe eleições gerais, a liberação de opositores detidos, a suspensão da inabilitação política de alguns atores e a aquisição de vacinas para, em troca, suspender as sanções econômicas. De acordo com o governo, o bloqueio econômico, imposto desde 2015 pelos Estados Unidos e União Europeia, gerou um prejuízo de US$ 130 bilhões (aproximadamente R$ 715 bilhões) ao país.

As sanções também contribuíram para a diminuição de 60% do PIB venezuelano, a desvalorização de 860.000% da moeda nacional e a redução de todos os índices socioeconômicos nos últimos seis anos.

 “Não acontecerão eleições gerais. Esse é outro sonho. O governo vem consecutivamente ganhando eleições. É muito difícil que um grupo tão derrotado consiga impor condições, como quer fazer e como poderia ter feito antes. Se Guaidó sentasse a negociar em 2019 possivelmente o governo teria aceitado buscar uma forma, um referendo revogatório ou até a renúncia de Maduro”, afirma Hernández.

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A oposição também aposta em uma possível convocatória de um referendo revogatório em 2022, quando Nicolás Maduro chega à metade do seu mandato e o mecanismo constitucional poderia ser acionado.

“Quando a oposição optou pelo caminho eleitoral, pudemos notar vários êxitos, que não estão relacionados com as capacidades e propostas opositoras. Tem a ver com o aumento do descontentamento pela crise econômica, social e de representatividade”, analisa o presidente de Hinterlaces.


Quando foi presidente da AN, Julio Borges (Primeiro Justiça), usou o cargo para enviar documentos que solicitavam sanções internacionais contra a Venezuela. / Reprodução

Paralelamente ao possível diálogo nacional, o Executivo avança em outras reformas que são demandas antigas da oposição. Entre elas está a eleição de um novo poder eleitoral, com diretores próximos do chavismo e da oposição, assim como a revisão de denúncias de violência policial contra opositores em 2017 e 2018, e a oferta de prisão domiciliar para ex-diretores da empresa Citgo – filial da petroleira PDVSA nos Estados Unidos.

“A opinião sobre as instituições se polarizou historicamente. Estão polarizadas, mas não são necessariamente influentes no resultado eleitoral. Em 2015, com um CNE abertamente favorável ao governo bolivariano, a oposição ganhou eleições e houve uma altíssima participação”, destaca Oscar Schemel.


Em duas semanas, novo CNE venezuelano ofereceu calendário eleitoral, novas regras para a eleição e início de operativos de renovação de título de eleitor / CNE

Próximas eleições

O novo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) já divulgou o calendário das eleições para governadores, prefeitos e vereadores no dia 21 de novembro deste ano. Será o 26º processo eleitoral dos últimos 22 anos de gestões progressistas na Venezuela. Com o anúncio, a oposição começou a debater novos pactos.
 
A Aliança Democrática, que elegeu 20 deputados no pleito de dezembro do ano passado, anunciou que a plataforma já reúne 22 organizações que irão disputar o próximo processo eleitoral. Já dentro do grupo opositor liderado por Guaidó surgiu a proposta de realização de eleições primárias ainda em junho para definir quem serão os candidatos.

Uma pesquisa de opinião realizada em abril pela empresa Hinterlaces, revelou que as principais lideranças da oposição têm, em média, 70% de reprovação popular. Além disso, 47% dos entrevistados afirmaram que não se definem nem como opositores, nem como chavistas; outros 36% se identificaram com o atual governo; e 17% declararam simpatizar com a oposição.


 “Esta é uma oposição que somados todos os partidos não superam 13% de apoio, que tem sido a média histórica de respaldo eleitoral desse setor”, detalha Schemel.

“As pessoas têm um grande desinteresse pela política, porque estão preocupadas em sobreviver diariamente”, defende o professor universitário.

O cenário parece não ser favorável para a oposição e nem para o Grande Polo Patriótico (aliança eleitoral chavista), que diminuiu pela metade sua votação em 2020.

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Schemel destaca que, apesar do resultado, o partido governante PSUV conseguiu obter cinco vezes mais votos que toda a oposição nas eleições parlamentares, mas é evidente que o chavismo se consolidou na última década com uma base de apoio de cerca de 30% do eleitorado venezuelano.

“Do ponto de vista eleitoral, o chavismo pode não ter uma maioria numérica clara, mas construiu uma maioria simbólica, cultural no país. O chavismo não é um partido político, é uma comunidade emocional, uma identidade de classe”, analisa.

“Com a votação que obteve nas eleições legislativas de dezembro, a oposição não elegeria sequer um prefeito na Venezuela, muito menos um governo estadual”, complementa Hernández.


Maduro conta com 11% de popularidade, segundo últimas pesquisas de opinião, e assegurou que aceitaria conversar com todos os setores da oposição em mesas mediadas por atores internacionais / Prensa Presidencial

Mudanças no futuro

Para ambos analistas, os últimos anos de polarização da sociedade já não condizem com o momento atual, que requer diálogo e negociação para garantir a recuperação da economia e a estabilidade nacional.

“Creio que é a oportunidade de que a oposição se una, busque vencer governos locais e, a partir daí, veja quais são as perspectivas para um referendo no ano que vem. Porque se a oposição elege três governos locais e dez prefeituras, não creio que seria viável convocar um referendo revogatório, já que teriam que fazer mais de 6,4 milhões de votos, mais do que obteve Maduro nas eleições de 2018”, analisa Carlos Raúl Hernández.

O panorama político é diretamente influenciado pelo cenário econômico. Com a diminuição de 60% da atividade petroleira e, consequentemente, da arrecadação de impostos, o Estado perdeu a principal fonte de financiamento e distribuição de renda. Para enfrentar a crise, o governo acabou com o controle de câmbio e aposta na liberação da circulação de moedas estrangeiras, como o dólar, no país.

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“Vamos para um modelo no qual o Estado governa com o mercado e com o poder popular. Esta seria uma evolução natural política do chavismo, um modelo que convoca mais setores. Ainda mais considerando que o Estado já não conta com a renda petroleira para ganhar adesões e respaldo”, conclui Schemel. 

Edição: Luiza Mançano