No Peru, os trabalhadores da saúde completam nove dias de paralisação exigindo pagamento de plantões, maiores investimentos em saúde pública e a renúncia da ministra de Saúde Pilar Mazzetti. O governo peruano decretou estado de emergência nacional ao contabilizar 1,07 milhão de casos e 39.157 falecidos pela covid-19. Nas últimas 24h, 113 pessoas perderam a vida, mantendo a maior taxa de mortalidade por covid-19 na América Latina, com 121 falecidos a cada 100 mil habitantes, segundo índice da Universidade Johns Hopkins.
Entre os profissionais da saúde, onze médicos faleceram e outros 44 profissionais estão em tratamento intensivo por conta do vírus sars-cov2, números que correspondem somente às duas primeiras semanas de 2021.
:: O que explica a variação da taxa de mortalidade da covid-19 na América Latina? ::
Os profissionais peruanos reivindicam maior investimento em saúde, o pagamento de um bônus para quem está na linha de frente do combate à covid-19, melhores condições de trabalho e a liquidação das salários pelos plantões trabalhados.
"Menos de 60% do pessoal está trabalhando, os médicos estão desmoralizados e mal pagos. Não recebemos bônus, nem o salário dos plantões. Inclusive há relatos de familiares de médicos que adoeceram e não conseguiram camas de UTI nos seus próprios hospitais", conta o médico peruano César Glave.
Os grêmios grevistas e quatro centrais sindicais também pedem a renúncia da ministra da Saúde por considerar que a atual crise poderia ter sido contida.
Entre os motivos para exigir a renúncia de Pillar Mazzetti, os profissionais de saúde denunciam a falta de coordenação nacional do sistema de saúde, que gerou uma resposta descentralizada e descoordenada durante a pandemia.
Também acusam a chefe da pasta de atrasar a compra de vacinas e criação de uma plano nacional de imunização, além de não exigir que os fundos emergenciais da covid-19 estejam voltados para atender a saúde antes das empresas.
"A verdade é que a temporada de refluxo da pandemia não foi adequadamente utilizada para reforçar o sistema sanitário. As críticas ao enfrentamento durante a primeira onda era de que tínhamos um primeiro nível de atenção absolutamente empobrecido, desarticulado e sem um papel protagonista na prevenção das doenças. Hoje essa condição não mudou", afirma o ex-presidente da Federação de Médicos do Peru, Jesús Bonilla.
Como resposta, o Executivo destinou 106 milhões de soles (cerca de R$ 155 milhões) para instalar 16 centros de isolamentos em todo o território nacional. Também fechou um acordo com 38 milhões de doses da vacinas da farmacêutica chinesa Sinopharm, e tenta adiantar o envio de um primeiro lote com 10 milhões de doses.
"Foi adotada uma estratégia centrada nos hospitais. Ainda que fosse necessário também fortalecer os hospitais, houve um descuido com o primeiro nível de atenção. Isso levou a que os pacientes crônicos estivessem desatendidos durante o pico da pandemia no ano passado, entre junho e julho, e agora nesta segunda onda, temos pacientes crônicos muito descompensados, enquanto aumenta a demanda dos pacientes covid", relata o médico peruano César Glave.
Para reverter o quadro atual, o médico César Glave defende o aumento do número de testes, para rastrear os contágios; a abertura de mais centros de isolamento de profissionais e pacientes e a implementação de uma quarentena restrita.
Problema estrutural
Segundo relatório do Ministério de Saúde, em janeiro de 2020, funcionavam apenas 20% dos centros de atenção de primeiro nível.
O país possui 18 mil camas hospitalares e 1.600 de cuidados intensivos para atender uma população de quase 32 milhões de pessoas. Uma proporção que reflete o orçamento para a saúde, de apenas 2,2% do PIB. Se somado aos investimentos em saúde privada, a cifra chega a 4,95% do PIB. A Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta que ao menos 6% do produto interno bruto dos países deveria ser destinado para atender os sistemas de saúde.
Historicamente, o sistema público de saúde peruano é um dos mais precários da América Latina. O Fórum de Saúde denuncia que a estrutura de distribuição das verbas públicas está canalizada através dos privados.
"Tivemos políticas neoliberais que levaram a uma orientação de compra de serviços privados ao invés do fortalecimento do sistema de saúde e seus fundos de financiamento. Isso levou a um déficit de múltiplos fatores do sistema de saúde e suas funções", analisa Luis Lazo Valdivia, coordenador do Fórum de Saúde do Peru.
Economia x Saúde
Outro aspecto que levou à crise sanitária no Peru é a vulnerabilidade social de grande parte da população. De acordo com o Instituto Peruano de Economia (IPE), 20,2% dos peruanos são pobres. Entre a população economicamente ativoa, cerca de 70% está empregada no setor informal. No último semestre de 2020, os ingressos através de salários diminuíram 56% no país.
Com uma retração de 12% do PIB em 2020, o desemprego chegou a 12% nas zonas urbanas.
Enquanto os planos de recuperação econômica aplicados pelo ex-presidente Martin Vizcarra e mantidos pelo atual mandatário Francisco Sagasti priorizam a recuperação das grandes empresas, sem prever um auxílio emergencial à população desocupada.
"Todos os fundos de reativação econômica durante a pandemia foram destinados ao grêmio de empresários do setor agropecuário, ao invés de oferecer maior proteção à população, para que pudesse permanecer em confinamento. A população estava sem trabalho, sem auxílio financeiro e sem alimentos", denuncia o coordenador do Fórum de Saúde peruano.
Eleições gerais
O cenário de crise econômica e sanitária explode a menos de quatro meses para as eleições legislativas do país. Os peruanos exigem que seja instalada uma segunda urna para eleger uma Assembleia Constituinte no dia 11 de abril.
O processo irá renovar o parlamento do país, atualmente fragmentado. Somente para disputar a presidência do legislativo foram inscritas 12 chapas, a maioria de candidatos de direita.
O cenário atual não transmite muita esperança de mudanças ao povo peruano.
"É necessária uma nova constituição e consideramos que deve ser a partir de um processo de baixo para cima, que surja dos povos, e em um momento determinado, com toda a acumulação de poder popular possa criar uma nova constituição que garanta os direitos da população", concluiu Luis Lazo Valdivia.
Edição: Luiza Mançano