Duas covas e em cada uma delas cruzes estancadas no chão. Este foi um recado de mais uma ameaça de morte a Osvalinda Maria Marcelino Alves Pereira e Daniel Alves Pereira, ambos agricultores familiares no Projeto de Assentamento (PA) Areia em Trairão, sudoeste do Pará. O casal sofre ameaças há seis anos por madeireiros e fazendeiros da região.
O fato ocorreu no domingo (20). Ovalinda, 49 anos, conta que foi colher maracujá no terreno quando encontrou as covas, a uma distância de 100 metros de sua casa.
Ela relata que o modo de trabalho na agricultura familiar, utilizando práticas agroecológicas, ou seja, sem uso de veneno e de cultivos de roça sem queima com a valorização da floresta em pé, começou a incomodar madeireiros e fazendeiros, que viam seus interesses sendo confrontados.
“Começamos a incentivar os outros colonos a trabalharem da mesma maneira e isso causava dificuldades para eles [madeireiros e fazendeiros] porque enquanto eles desmatam e derrubam uma árvore, nós plantávamos 20; eles acabavam com uma nascente a gente recuperava outra”, conta.
O casal registrou o boletim de ocorrência na delegacia de Trairão / Ministério Público Estadual - Divulgação
Os dois são jurados de morte desde 2012, o que fez com que o casal entrasse para o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) do governo federal, mas segundo a promotora de justiça Ione Nakamura, o programa não consegue atender a realidade do estado.
“No caso do estado do Pará dada a extensão territorial, a diversidade, a distância das comunidades, das localidades o custo operacional desse programa é muito alto e houve uma dificuldade de repasse, o dinheiro foi não suficiente”, argumenta.
Defensores e defensoras
O programa do governo federal funciona em parceria com os estados por meio de termo de cooperação. A promotora afirma que em 2016 o governo do Pará, por meio da Lei nº 8.444, criou o programa estadual. Na época a gestão era feita pela Defensoria do Estado, mas “entregou, não tinha mais condições de assumir a gestão” e entre 2012 até dezembro de 2016 o termo de cooperação entre o governo federal e estadual não foi renovado “porque o valor era aquém das necessidades de se manter o programa no estado tão grande”. Nesse período o Pará ficou sem o programa estadual, a cargo do governo federal manter a política protetiva.
Para garantir a proteção de Osvalinda, Ione conta que em 2016 os Ministérios Estadual e Federal entraram com uma ação civil pública solicitando que o “Estado do Pará, a União e o Governo Federal adotassem providencias em relação ao programa de defensores de direitos humanos e efetivamente protegessem essa liderança” e completa.
“Nessa ação civil pública, de alguma forma também, motivou o estado e a união a retomarem o diálogo e conseguirem retomar essa discussão do programa”.
Nota
O Ministério de Direitos Humanos afirmou que “foi formalizado o convênio com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH), para execução desta política em âmbito estadual. Atualmente o programa encontra-se em fase de implementação no estado”.
A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato por e-mail e telefone com a Secretaria para ter mais informações sobre a implantação e o andamento do programa, mas a assessoria de comunicação não respondeu aos questionamentos feitos. Sabe-se, segundo Ione, do Ministério Público Estadual em Santarém, que a Secretaria “fez um chamamento público” e agora está na fase para escolher a entidade executora do programa.
Sobre o casal, ainda segundo nota do Ministério de Direitos Humanos, a Equipe Federal está articulando junto à Secretaria de Estado de Segurança Pública do Pará para que sejam realizadas “rondas e outras medidas ostensivas na região” com o objetivo de “coibir a ação de novas ações de ameaça contra as lideranças, bem como efetivamente evidenciar a presença do Estado na região”.
Ainda de acordo com a nota, os agricultores estão sob a proteção do governo federal desde outubro de 2013, quando foi solicitado pela Comissão Pastoral da Terra e pela Organização Terra de Direitos quando ambas informaram a existência do conflito.
O Ministério afirma que atualmente existem cerca de 379 defensores e defensoras incluídas no programa de proteção do governo federal. O estado com maior número é Minas Gerais com 67 pessoas, ainda aguardam para serem incluídos 22. Depois vem o Pará com 47 defensores, logo em seguida o Maranhão com 46, sendo que no estado paraense estão em análise para serem inseridos 22 pessoas ameaçadas, no Maranhão aguardam oito. Pernambuco e Ceará completam o quadro, com 40 e 25 lideranças juradas de morte, respectivamente.
Edição: Juca Guimarães