Violência no campo

Em audiência do CNDH, comunidades tradicionais da Bahia cobram proteção e celeridade na regularização de territórios

Audiência em Salvador foi uma devolutiva do relatório do Conselho sobre proteção de comunidades tradicionais na Bahia

Brasil de Fato | Salvador |
Quilombo Pitanga dos Palmares foi um dos lugares visitados pela missão do CNDH que resultou em recomendações a órgãos públicos e privados - Janaína Neri/Ag. Brasil

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) realizou uma audiência pública em Salvador para apresentar uma devolutiva acerca do relatório sobre a proteção dos territórios quilombolas e outras comunidades tradicionais da Bahia. Na reunião realizada no Ministério Público da Bahia (MP-BA) na última sexta-feira (9), estiverem presentes representantes de comunidades tradicionais de todo o estado, do CNDH, do MP-BA, Defensoria Pública da União (DPU), Ministérios e autarquias do Governo Federal, dentre outros.

Em sua fala, na abertura da audiência, o assessor técnico da CNDH, Luis Fernando Novoa Garzon, lembrou que o relatório e a audiência de devolutiva também foram uma resposta política ao assassinato de Mãe Bernadete, liderança da comunidade quilombola Pitanga de Palmares, assassinada em agosto de 2023. “Não podemos apagar a violência sistemática contra as comunidades quilombolas de todo o país”, pontuou em sua fala inicial.

Novoa esteve presente na missão do Conselho que visitou a comunidade Pitanga dos Palmares e a Ilha de Maré e realizou reuniões e audiências com a presença de entidades públicas e representantes de coletivos em outubro de 2023. O objetivo foi identificar as causas de violências contras essas comunidades e envolver entes públicos e privados na sua solução. A partir das reuniões, que contaram também com representantes de outras comunidades tradicionais, o CNDH produziu o relatório publicado ainda em 2023, com recomendações a órgãos e entidades públicas. A audiência da sexta-feira serviu de devolutiva às comunidades.


Processo de titulação de territórios quilombolas em Ilha de Maré, em Salvador, está parado desde 2017 / DPE/BA

Governos federal e estadual

O Ministério do Desenvolvimento Agrário, ao qual é ligado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), foi um dos órgãos federais mais demandados pelas comunidades por ser responsável pela regularização fundiária de seus territórios. A representante do MDA na audiência, Andressa Lewandowski, ressaltou que a Bahia se tornou um estado de ação prioritária do Ministério diante dos altos índices de violência no campo registrados nos últimos anos.

Ela ponderou que, embora não tenha sido possível resolver todos os graves problemas trazidos pelas comunidades, houve avanços em alguns pontos. E citou como exemplos a publicação de 10 portarias de reconhecimento de comunidades quilombolas entre 2023 e 2024, e a finalização de mais quatro Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID), etapa essencial para a regularização desses territórios.

Além disso, o Incra realizou convênio com a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) para realização de 20 relatórios antropológicos, que dão início ao processo de regularização fundiária. O MDA e o Ministério da Igualdade Racial apresentaram ainda outras ações pontuais em comunidades específicas, como Ilha de Maré, em Salvador; Palmares de Pitanga, em Simões Filho; e Boca do Rio, em Candeias.

“Nós temos, no Brasil, um ordenamento fundiário que sempre excluiu comunidades indígenas, quilombolas, tradicionais. Rever essa política leva tempo, mas temos conseguido avançar. Essas ações são também um gesto do Governo Federal no avanço dessa política”, pontuou Andressa Lewandowski.

A ausência de representantes do governo do estado, bem como de respostas ao relatório foi ressaltada por membros da CNDH e representantes de comunidades tradicionais. O Brasil de Fato Bahia entrou em contato com assessorias de imprensa do governo e de secretarias estaduais, mas não recebeu resposta até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto. 

O secretário executivo da Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos (AMDH), Enéias da Rosa, que também participou da elaboração do relatório, ressaltou que o grande desafio para o CNDH ainda é fazer com que as recomendações elaboradas sejam de fato implementadas. “O desafio é termos uma estratégia de monitoramento da implementação a partir dos vários sujeitos envolvidos e em diálogo com os territórios”, afirmou

Comunidades tradicionais ameaçadas

Representantes de comunidades tradicionais na Bahia também participaram da audiência e apresentaram novas e antigas reivindicações ao Conselho e demais entidades e órgãos. Por se tratar de pessoas que estão ameaçadas de morte ou em região de risco iminente de conflito, o Brasil de Fato Bahia optou por não nomear, nem trazer informações que possam identificá-las.

Uma das pautas trazidas foi justamente sobre a fragilidade do programa de proteção a defensores de direitos humanos. Uma das pessoas protegidas descreveu o programa como excessivamente burocrático e incapaz de cumprir seu propósito, apontando o caso do assassinato de Mãe Bernadete, que estava sob proteção, como emblemático neste sentido. Cobrou ainda que as forças de segurança do Estado sejam mais eficientes na investigação de denúncias apresentadas pelas comunidades sobre violências e ameaças, para que não seja necessário, depois, investigar assassinatos de lideranças.

“O que tem nos adoecido é a ausência do Estado”, afirmou uma outra liderança também sob proteção. “Estamos saindo para nos esconder, com medo de ser assassinados e assassinadas”, disse uma terceira liderança ameaçada.

Representantes das comunidades pontuaram que a ausência de regularização fundiária e a lentidão em apurar denúncias tem sido um catalisador das violências perpetradas por entes privados, como empresas nacionais e transnacionais, agronegócio, hidronegócio, e outros.

Lembraram ainda que esses são territórios que historicamente sofrem com a falta de políticas públicas, ou a implementação apenas parcial dessas políticas após anos de lutas comunitárias, como uma marca da ausência do Estado nas comunidades. “A gente denuncia e não vê nada acontecer. A quem mais a gente precisa denunciar?”, questionou uma das pessoas representantes.

Fonte: BdF Bahia

Edição: Alfredo Portugal