ANÁLISE

Saiba o que muda com a descriminalização do uso de maconha pelo STF

Ativistas e especialistas ajudam a entender o que ficou decido no julgamento desta terça-feira

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Juristas e ativistas analisam decisão do STF que descriminaliza porte de maconha para uso pessoal - Roberto Parizotti/Fotos Públicas

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira (25), por 7 votos a 4, descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. Os ministros decidiram ainda estabelecer uma quantidade máxima para a distinção entre usuários e traficantes, que será divulgada na sessão de quarta-feira (26), com a pronúncia do resultado.  

Últimos a votar, os ministros Luiz Fux e Carmen Lúcia apresentaram posicionamentos divergentes. De um lado, Fux foi contra o provimento do recurso que estava sendo julgado, se posicionando contra a descriminalização e contra a definição de quantidade para o porte para uso pessoal.  

Já Carmen Lúcia votou pelo provimento do recurso e o estabelecimento do parâmetro, até que os poderes Legislativo e Executivo atuem sobre a matéria.   

O entendimento firmado pelos ministros tem repercussão geral, ou seja, vale para todos os casos relacionados ao tema no âmbito do Judiciário. 

Gabriel Sampaio, diretor de Litigância e Incidência da ONG de Direitos Humanos Conectas, explica que a decisão de hoje é fundamental para a correção de injustiças que vêm sendo cometidas no sistema judicial, principalmente contra pessoas negras e pobres.  

"Muda muito para as pessoas usuárias, para a própria política de drogas e pela sua aplicação no âmbito do sistema de justiça criminal. O que se coloca a partir desse julgamento é que não se pode mais haver uma diferenciação totalmente discricionária, especialmente por parte dos órgãos policiais, e na sequência dele pelos órgãos do sistema de Justiça para diferenciar os usuários de traficantes", declarou. 

Para ele, a forma diferente de aplicar a lei é produto de uma estrutura social desigual.  

"Essa diferenciação ficou marcada pelo racismo estrutural, por desigualdades estruturais, econômicas, que puniam de forma injusta pessoas – especialmente negras, pobres e periféricas – pela falta de uma decisão judicial como essa do Supremo Tribunal Federal ou até de uma política criminal orientada para evitar esse tipo de injustiça", explica. 

Por sua vez, Cristiano Maronna, advogado da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Rede Reforma) questiona brechas ainda a serem esclarecidas na pronúncia do resultado, ou a partir das contradições que venham a surgir após o novo entendimento do STF. Segundo ele, é preciso estar atento à valorização do testemunho policial, tido como uma espécie de "rainha das provas" para justificar condenações por tráfico.  

"Se a posse de drogas para uso pessoal for considerada pelo STF mero ilícito administrativo, então estados, DF e municípios poderão legislar sobre a matéria por possuírem competência concorrente para tanto? Já vimos alguns exemplos de leis municipais impondo multas a pessoas flagradas usando drogas em locais públicos", questionou. 

Ativistas divergem sobre impacto dos resultados 

Dário de Moura, ativista pela legalização da maconha em Belo Horizonte, celebrou a decisão do STF. 

"É um momento histórico, uma decisão que o Brasil não tinha, um novo momento da lei e que é preciso de ser comemorado, porque isso permite a revisão de penas ou processos que estão em andamento, e mais do que isso, fazer com que a polícia tenha que ter outras provas, e não simplesmente uma pequena quantidade, para poder declarar uma pessoa como traficante", comemorou. 

Para ele, a mudança no entendimento do Judiciário vai impedir que uma pessoa seja "fichada" pela polícia, ou que o caso seja utilizado para argumentar reincidência em caso de uma nova infração cometida.  

"Isso é uma grande transformação no Brasil e permite as pessoas saírem da cadeia e diminui as possibilidades de as pessoas serem presas por uma causa simples como o porte de maconha", declarou. 

No entanto, para Júlio Delmanto, jornalista, historiador e integrante da Marcha da Maconha de São Paulo, a decisão do Supremo não muda nada na realidade dos usuários de cannabis. 

"A mudança é apenas de ordem simbólica. O uso terapêutico já tem sido garantido por decisões judiciais, por associações e até por políticas de governos, em reflexo ao crescimento do debate e do movimento antiproibicionista", avalia. 

"Os ricos e brancos seguirão sendo tratados pela Justiça como usuários e os pretos e pobres como traficantes. Mesmo que haja uma definição de quantidades, os ministros já enfatizaram que a palavra final será da Justiça e da polícia, do mesmíssimo jeito que é hoje", lamenta. 

A maconha não está liberada 

Em diversas ocasiões durante o julgamento, o presidente do STF fez questão de repetir que não se tratava de decidir sobre a liberação da maconha, mas apenas da natureza do "ilícito" cometido. Um alerta feito também por Moura.  

"Importante a gente falar também sobre o que não muda, ou seja, se for pego andando com uma quantidade pequena na rua. Se estiver fumando na rua, vai continuar sendo abordado pela polícia, levado para a delegacia, vai tomar esses esculachos, esses baculejos que a polícia faz. Isso aí é uma luta que continua", ponderou. 

O que ficou decidido 

Com os votos de Luiz Fux e Carmen Lúcia, 7 dos 11 ministros votaram por descriminalizar o porte de maconha para o uso pessoal. Deles, 6 votaram pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que estabelece penas para "quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal". Com isso, o artigo deixa de ter validade.  

Além disso, formou-se maioria para estabelecer parâmetros objetivos para distinguir usuários de traficantes, até que os poderes Legislativo e Executivo atuem sobre a matéria. Esse parâmetro será acordado entre os ministros e divulgado na sessão de quarta-feira (26), com a pronúncia do resultado. 

Como votaram os ministros

Pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, votaram os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, e Carmen Lúcia.   

Os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques votaram contra a descriminalização e pela constitucionalidade do artigo 28, embora Zanin tenha apoiado a iniciativa de estabelecer uma quantidade para diferenciar o porte para uso pessoal do tráfico de drogas. 

Dias Toffoli votou pela constitucionalidade do artigo 28, mas defendeu a descriminalização. 

Pela fixação de parâmetros objetivos para distinguir usuários de traficantes, até que os poderes Legislativo e Judiciário atuem, votaram Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Rosa Weber e Carmen Lúcia.

Edição: Thalita Pires