Ativistas ligados à luta pela legalização da maconha no Brasil lamentaram, em conversa com o Brasil de Fato, a lentidão que tem marcado o debate sobre porte de droga no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF). Com a última etapa do julgamento do caso suspensa na quarta-feira (6) após pedido de vista do ministro Dias Toffoli, o processo agora não tem nova data para ser debatido no plenário da Corte. O caso chegou ao STF em 2011 e começou a ser analisado em agosto de 2015.
"Toda essa lentidão do julgamento é um grande prejuízo. Quantas pessoas estão sendo presas, estão sofrendo violência de Estado porque não há um reconhecimento de que quem porta maconha para o consumo próprio não pode ser considerado um criminoso? Isso vai acarretar mais prejuízo, mas esses prejuízos já são de um cálculo difícil de se fazer. São anos e anos em que pessoas estão sofrendo injustiça por conta da conduta do Estado e porque não há um reconhecimento de que elas não poderiam ser consideradas criminosas", queixa-se o advogado e ativista Emílio Figueiredo, da diretoria da Rede Reforma – Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas.
O STF se debruça sobre um recurso extraordinário que questiona uma decisão tomada pela Justiça de São Paulo de manter a condenação de um homem flagrado com 3 gramas de maconha. O rapaz foi enquadrado no artigo 28 da Lei de Drogas (lei 13.343/06), de acordo com o qual "quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo para consumo pessoal drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo".
Como a legislação em si não determina ao usuário pena de prisão e há um vácuo normativo sobre qual padrão separa usuários e traficantes, os ministros tentam agora firmar um entendimento a respeito da diferença entre os dois grupos por meio do debate sobre a constitucionalidade do artigo 28. O objetivo é que a decisão a ser tomada sirva para orientar a ação de agentes de segurança em situações de flagrante e também para o sistema de Justiça como um todo.
Com o pedido de vista de Toffoli, o ministro tem prazo de 90 dias para devolver o processo, período a partir do qual a Corte pode voltar a discutir o assunto. A decisão sobre inserir a pauta novamente na agenda, no entanto, dependerá do presidente, Luís Roberto Barroso.
"Infelizmente, nesse período teremos mais vários usuários sendo presos. A falta de sensibilidade para o caso, seja de ministros do Supremo, seja dos legisladores no parlamento ou dos governantes no Executivo, demonstra que, no fundo, eles não estão preocupados em resolver o problema das drogas no Brasil, e sim em agradar suas bases", critica Figueiredo, que também é membro do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas e da Comissão de Cannabis Medicinal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
O ativista Daniel Mello, militante da Marcha da Maconha e do projeto Craco Resiste, reforça a preocupação com a criminalização de usuários e a lógica carcerária a que o segmento está submetido. "O sistema carcerário é um terror, uma masmorra. Estão pegando a juventude, principalmente jovens pretos e periféricos, jogando nesse sistema e destruindo a possibilidade de futuro deles, de estudo, de inserção no mercado de trabalho, destruindo suas relações familiares e fazendo eles virarem presas de grupos criminosos na prisão, que é o que vai sobrar pra essas pessoas, lamentavelmente. Só com muita força de vontade é que depois elas conseguem quebrar esse ciclo após serem jogadas na prisão."
'Erro histórico'
No Supremo, o placar atualmente está em cinco votos a três a favor da descriminalização do porte de maconha para usuários. Os votos favoráveis foram do relator, Gilmar Mendes, e dos ministros Rosa Weber, Barroso, Alexandre de Moraes e Edson Fachin. Com exceção deste último, o grupo defendeu que o uso pessoal deve ser caracterizado por um limite de 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas. Já Fachin sustentou que o limite deve ser definido pelo Congresso Nacional, e não pela Justiça. Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques votaram contra a descriminalização.
O caso tem repercussão geral, o que significa que a decisão final a ser tomada terá amplo impacto no sistema de Justiça. Inicialmente, quando Mendes apresentou o relatório, ele defendeu a descriminalização do porte para todas as drogas. Diante do conteúdo dos votos que vieram depois, o ministro resolveu alterar o parecer e afunilar o objeto da avaliação apenas para o porte de maconha. Desde então a decisão é alvo de críticas por parte de ativistas.
"É muito ruim ver o julgamento saindo do objeto porque o artigo fala em drogas em geral, e não somente em maconha. Na verdade, o que deveríamos estar discutindo é o fim da criminalização de todos os usuários, até porque é importante que o usuário não seja tratado como criminoso para ele ter acesso a um cuidado qualificado. Se ele é tratado como criminoso, evita até buscar cuidado. A manutenção da criminalização dos usuários é um rompimento de direitos em série. Deveríamos estar falando disso, e não apenas de porte de maconha", defende Daniel Mello.
Para o advogado Emílio Figueiredo, a situação a que chegou e problemática das drogas no país exigiria que houvesse amplo engajamento dos diferentes atores políticos em torno do julgamento do caso no STF, o que ele considera que não tem ocorrido de forma satisfatória. "No caso do pessoal do Executivo e do Legislativo, eles estão preocupados em não perderem capital político e voto nas próximas eleições e o Judiciário também não quer ficar mal com a opinião pública, o que é um absurdo, porque ele não deveria se submeter à opinião pública. Eles têm que julgar conforme a Constituição Federal, e o que há na Constituição é uma garantia de que minorias, como são os usuários de drogas, têm garantias fundamentais perante as maiorias. A maioria não pode esmagar uma minoria, e é isso que está acontecendo."
Edição: Thalita Pires