O governo da Venezuela convocou nesta quarta-feira (30) o embaixador venezuelano no Brasil, Manuel Vadell, para consultas. Em nota, Caracas afirmou que a medida foi tomada depois das declarações “intervencionistas e grosseiras” do assessor especial do governo brasileiro, Celso Amorim.
Ele participou de uma audiência da Comissão das Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e reforçou que o Brasil não reconhece a eleição do presidente Nicolás Maduro, até que sejam apresentados os resultados desagregados.
A chancelaria venezuelana também convocou o encarregado de negócios do Brasil em Caracas para demonstrar “rechaço” às declarações de representantes do governo brasileiro em relação ao processo eleitoral do país.
No texto, o Ministério das Relações Exteriores da Venezuela afirma que Amorim tem se comportado como um “mensageiro do imperialismo estadunidense” e que tem se dedicado a “emitir juízos de valor sobre processos que são responsabilidade exclusiva dos venezuelanos”.
A ferramenta é uma medida que um governo tem para mostrar insatisfação com outro dentro das relações diplomáticas. O mesmo aconteceu com o embaixador do Brasil em Israel durante os ataques israelenses na Faixa de Gaza. Na ocasião, Lula retirou de forma definitiva o embaixador brasileiro no país e não indicou substituto, em sinal claro da redução de importância que as relações com Israel passam a ter para o Brasil.
A nota termina reforçando também o descontentamento do governo venezuelano em relação ao veto do Brasil à entrada da Venezuela no Brics. Segundo o texto, a medida reproduz as sanções aplicadas contra o país de “punição coletiva ao povo venezuelano”.
O veto aos venezuelanos não foi justificado publicamente pelo governo de Lula. O presidente não compareceu ao evento e enviou o chanceler, Mauro Vieira, para chefiar a delegação. Nenhum deles, no entanto, explicou porque barrou a entrada dos venezuelanos no bloco. Caracas afirma que a decisão foi uma “punhalada nas costas” e que a medida de “ingerência” do governo brasileiro é uma forma de interferir na política local.
Maduro também falou sobre o assunto. Durante seu programa televisivo Con Maduro +, ele disse que o chanceler Mauro Vieira prometeu, durante as negociações que ocorreram na Rússia, que não impediria a entrada dos venezuelanos. De acordo com o presidente, os dois se encontraram ao final do evento e Maduro teria questionado o veto brasileiro. Segundo o mandatário, o chanceler brasileiro disse que não vetou a Venezuela.
Caracas tem adotado a estratégia de culpar o Itamaraty, Celso Amorim e o diplomata Eduardo Paes Saboia pelas “hostilidades” contra a Venezuela, e poupado Lula das críticas. O brasileiro não foi citado na última nota.
Diplomatas venezuelanos entendem que a convocação do embaixador venezuelano em Brasília e do encarregado de negócios brasileiro é uma forma de pressionar o governo do Brasil para se posicionar de forma mais enfática sobre as eleições, mas que isso não significa, até o momento, uma escalada na tensão que leve ao rompimento de relações.
A diplomacia brasileira também quer deixar a “poeira baixar” para contornar a situação, aguardar os próximos passos dos venezuelanos e entender como proceder.
Para o professor de Relações Internacionais da UFABC Gilberto Maringoni, a decisão do Brasil de vetar a Venezuela no Brics ampliou ainda mais uma tensão que estava estagnada em relação às eleições do país vizinho
“O Brasil levou a esse estresse maior por ter usado um critério que não existe nas relações diplomáticas, que é a ‘quebra de confiança’. Quando você não usa um critério objetivo vira um ‘vale tudo’ na política. Isso tudo leva a um estranhamento no próprio Brics. Foi uma medida impensada”, afirmou ao Brasil de Fato.
Em seu discurso no Congresso, no entanto, Amorim deixou claro que não quer romper relações com a Venezuela e deseja manter um canal de interlocução com o país vizinho. Ele afirmou que o Itamaraty vai acompanhar de perto o processo envolvendo o resultado eleitoral, mas que a “solução precisa ser construída pelos venezuelanos”. Amorim destacou que o Brasil está “aberto” para contribuir se governo e oposição venezuelanos estiverem dispostos.
O assessor especial também falou sobre o veto da Venezuela no Brics. Amorim, no entanto, usou diferentes argumentos para explicar o motivo de o Brasil ter se posicionado contra a entrada dos venezuelanos no bloco como “Estado parceiro”. Primeiro, disse que é preciso ser um país com influência e que represente a região, algo que, para ele, a Venezuela não cumpre.
Em um segundo momento, citou o mal estar entre os governos brasileiro e venezuelano. Amorim entendeu que a reação dos venezuelanos foi “totalmente desproporcional”, disse que não vai entrar em discussões menores e negou que o Brasil tenha vetado a entrada da Venezuela porque “não há votos, nem vetos no Brics, há consenso”. “Nós achamos que a Venezuela não contribui para um melhor funcionamento do Brics”, afirmou durante a audiência.
O veto, no entanto, foi exposto pelo próprio presidente da Rússia, Vladimir Putin, que disse discordar da posição do Brasil de vetar a Venezuela, mas que o Brics só tomaria medidas em consenso.
O presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez, disse nesta quarta que pediria ao Congresso para declarar Amorim como "persona non grata" no país. Para ele, o assessor tem uma postura que parece ter sido enviado pelo conselheiro de Segurança dos Estados Unidos, Jake Sullivan, e não por Lula.
Edição: Leandro Melito