Panos quentes

Amorim diz que situação da Venezuela deve ser resolvida pelos venezuelanos, mas reforça que Brasil não reconhece eleição de Maduro

Assessor especial do governo disse que país vai manter a interlocução para tentar influenciar positivamente

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Celso Amorim participou da audiência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara para falar sobre eleições da Venezuela - Câmara dos Deputados

O assessor especial do governo brasileiro Celso Amorim defendeu nesta terça-feira (29) que a situação envolvendo as eleições da Venezuela deve ser resolvida pelos venezuelanos. Em audiência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, o ex-ministro também reforçou que o Brasil não reconhece a eleição do presidente Nicolás Maduro, até que sejam apresentados os resultados desagregados.

De acordo com ele, o Itamaraty vai acompanhar de perto o processo envolvendo o resultado eleitoral, mas a “solução precisa ser construída pelos venezuelanos”. Amorim destacou que o Brasil está “aberto” para contribuir se governo e oposição venezuelanos estiverem dispostos.

O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela divulgou a vitória de Nicolás Maduro com 51,97% dos votos contra 43,18% do candidato da Plataforma Unitária, Edmundo González Urrutia.

Os documentos de cada seção eleitoral, no entanto, não foram divulgados até 3 meses depois do pleito. O CNE alegou ter sido alvo de um ataque hacker que impediu a divulgação de todas as atas. A oposição, que alegou ter as atas de 70% das urnas, também não levou à público todos os documentos e não apresentou as cópias à Justiça do país.

Amorim reforçou que o governo brasileiro não reconhece a eleição de Maduro até a divulgação dos resultados detalhados. Ele disse ter se encontrado com o presidente venezuelano depois do pleito no palácio Miraflores, sede do governo venezuelano. Segundo o assessor especial, o chefe do Executivo disse que seriam publicados os resultados assim como “todas as vezes é feito”.  

Após acompanhar o processo eleitoral venezuelano em Caracas como enviado especial da Presidência, ele destacou que o pleito ocorreu com normalidade e que não tem condições técnicas para fazer uma avaliação sobre a validade ou não das eleições.

Amorim disse ter conversado com o chefe de campanha de Maduro, o presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez, e o líder opositor Gerardo Blyde e que os dois tinham confiança na vitória. 

Durante a audiência, o ex-ministro também afirmou que não é possível observar o processo veenzuelano sem levar em consideração as “sanções ilegais” aplicadas, principalmente pelos Estados Unidos, contra a Venezuela.

Segundo Amorim, as medidas coercitivas unilaterais são também uma forma de violação dos direitos humanos, porque limitam a capacidade do país de se desenvolver e atender as necessidades da população de maneira plena. Ele associou a migração venezuelana recente ao bloqueio econômico.

“Quando eu era ministro da Defesa, de 2011 a 2015, eu nunca tinha ouvido falar sobre migração venezuelana, e eu acompanhei de perto a questão fronteiriça. Quando começa isso? É muito difícil falar da Venezuela sem falar das sanções. Quem pede direitos humanos e correção das eleições também tem teto de vidro. Não é com sanções, com isolamento que se resolve”, afirmou. 

O assessor especial da Presidência também falou sobre a dificuldade de os observadores eleitorais atestarem a validade das eleições, já que muitos deles enviaram baixo número de técnicos para acompanhar o processo eleitoral. Ainda assim, disse que acompanhou o relatório do Centro Carter dos Estados Unidos, que indicou “falta de transparência” no pleito. 

“Nenhuma organização fez um acompanhamento pra valer, desde o início do processo lá na Venezuela. A União Europeia, por exemplo, não levantou as sanções, algo que estava no acordo de Barbados. O Centro Carter também não enviou muitos observadores, então nem tem capacidade para esse acompanhamento”, afirmou.

Na declaração, o ex-embaixador afirmou que Lula não conversou com Maduro depois das eleições por “não ter sentido canal de abertura” e  destacou a "divisão da sociedade" como outra particularidade da política venezuelana. 

“Minha relação com a Venezuela começou há 30 anos, no governo do Itamar Franco. Àquela altura, ouvi de empresários venezuelanos comentários golpistas contra o então presidente Rafael Caldera, que estava longe de ser um radical. Na Venezuela, a construção da democracia depende de um consenso básico sobre os princípios da convivência política. Não se limita a uma questão política, mas envolve toda a sociedade que é extremamente dividida e desigual. Por isso, trata-se de um processo longo”, disse. 

Tensão entre governos

Mesmo não sendo a pauta principal da audiência, Amorim falou sobre o veto da Venezuela no Brics feito pelo governo brasileiro. O assessor, no entanto, usou diferentes argumentos para explicar o motivo de o Brasil ter se posicionado contra a entrada dos venezuelanos no bloco como “Estado parceiro”. Primeiro, disse que é preciso ser um país com influência e que represente a região, algo que, para ele, a Venezuela não cumpre.

Em um segundo momento, citou o mal estar entre os governos brasileiro e venezuelano. O Ministério das Relações Exteriores venezuelano afirmou em nota que a representação do Itamaraty no bloco, por meio do diplomata Eduardo Paes Saboia, manteve o veto que o ex-presidente Jair Bolsonaro aplicou durante anos ao país e reproduz o “ódio, a exclusão e a intolerância” contra os venezuelanos.

Maduro completou a nota da Venezuela nesta segunda-feira (28). Durante seu programa televisivo Con Maduro +, ele disse que o chanceler Mauro Vieira prometeu durante as negociações que ocorreram em Kazan, na Rússia, que não impediria a entrada dos venezuelanos. Depois, o presidente russo, Vladimir Putin, confirmou a posição brasileira contrária à entrada dos venezuelanos. 

Amorim entendeu que a reação dos venezuelanos foi “totalmente desproporcional”, disse que não vai entrar em discussões menores e negou que o Brasil tenha vetado a entrada da Venezuela porque “não há votos, nem vetos no Brics, há consenso”. “Nós achamos que a Venezuela não contribui para um melhor funcionamento do Brics”, afirmou durante a audiência. 

Em sua conclusão, Amorim defendeu a manutenção de uma interlocução com o governo venezuelano, mesmo com uma tensão diplomática entre os dois governos. “Se o Brasil quiser ter uma influência positiva [na Venezuela], temos que manter uma interlocução. Estamos mantendo uma interlocução, mas diminuiu o nível dessa interlocução desde a eleição”, disse.

Edição: Leandro Melito