O candidato derrotado nas eleições venezuelanas Edmundo González Urrutia publicou nota nesta segunda-feira (5) nas redes sociais pedindo que militares do país “desobedeçam ordens” e “respeitem o resultado das eleições”. No texto, o ex-embaixador volta a afirmar, sem provas, que o presidente reeleito Nicolás Maduro não teve mais de 30% dos votos e autoproclama presidente da Venezuela.
O texto é assinado por González e pela ex-deputada ultraliberal María Corina Machado. No documento, a oposição repete o discurso feito no dia da eleição e afirma que Edmundo teria recebido 67% dos votos. O grupo afirma ter recolhido de 70% das atas e que isso garantiria a vitória do ex-candidato pela Plataforma Unitária.
Mas o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE), anunciou a vitória de Maduro em 28 de julho com 80% das urnas apuradas e, cinco dias depois, atualizou os dados. Segundo o órgão, o mandatário recebeu 6,4 milhões de votos (51,97%) contra 5,3 milhões (43,18%) do opositor Edmundo González com 96,87% das urnas apuradas.
A declaração feita por Edmundo González pede que os integrantes das Forças Armadas e dos corpos policiais “não reprimam o povo, mas que o acompanhe” e faz um chamado para que familiares de militares “exijam” que os combatentes “desobedeçam as ordens”. O comunicado termina com a autoproclamação de Edmundo como presidente.
Para o chefe do programa de mestrado de História Militar da Universidade Militar Bolivariana de Venezuela, Henry Navas Nieves, a nota deixa clara a intenção que a oposição tinha de aplicar um “golpe de Estado” no país. Durante a última semana, tanto o ministro da Defesa, Vladimir Padrino Lopez, quanto o próprio presidente, Nicolás Maduro, afirmaram que havia uma tentativa de golpe de Estado em curso no país.
“A demonstração clara é de que eles não estavam interessados no instrumento eleitoral, eles usaram isso para escalar o ataque contra a democracia. Esse setor de ultradireita já estava falando em fraude desde antes. Já estávamos com isso no horizonte, mas não tínhamos dimensão de como isso ia se desdobrar. Eles acabaram usando o processo eleitoral como ferramenta para a escalada de uma situação”, afirmou ao Brasil de Fato.
Como funcionam as Forças Armadas?
A Universidade Militar Bolivariana de Venezuela foi criada em 2010 para formar quadros das 5 instituições que compõem as Forças Armadas Venezuelanas. A estrutura militar da Venezuela é diferente do Brasil. Além do Exército, Marinha e Aeronáutica, o país conta também com a Guarda Nacional Bolivariana e a Milícia Bolivariana.
A Guarda é responsável por fazer o trabalho de polícia administrativa, investigações criminais - como a polícia civil brasileira - e auxiliar outras forças no país, a partir da ocupação do território. Já a Milícia Bolivariana é um grupo formado em 2009 que tem pessoas da sociedade civil em seus quadros, não militares. Eles, no entanto, recebem, treinamento para defesa pessoal e fiscalização do território em seus diferentes contextos (urbano e rural).
Para Henry Navas Nieves, essa estrutura faz com que seja muito difícil a aderência das Forças Armadas em uma tentativa de insurreição contra o governo.
“Hoje, a estrutura das Forças Armadas está de alguma maneira protegida dessas questões por causa dessas linhas auxiliares. Há, obviamente, alguns setores que podem estar desviados disso, mas como instituição, as Forças Armadas estão com uma estrutura montada e uma linha política bem definida”, afirmou.
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Outro elemento determinante para a formação das Forças Armadas venezuelanas foi o golpe contra o ex-presidente Hugo Chávez em 2002. Naquele ano, algumas alas militares participaram do movimento que derrubou Chávez depois de uma mobilização que contou com a organização de empresários e políticos da direita.
Chávez passou então a olhar com desconfiança determinadas alas do militarismo. Ele promoveu uma reforma nas Forças Armadas para garantir que outras tentativas de golpe ao menos não contariam com a participação de Exército, Marinha ou Aeronáutica.
Segundo Nieves, neste momento há uma reforma não só no alto escalão do Exército, Marinha e Aeronáutica, como também uma reestruturação na formação dos militares do país. Ele explica que, desde 2002, os integrantes das Forças Armadas passaram a ter uma formação “bolivariana”, afinada com a ideia de Hugo Chávez para o militarismo: a defesa do território, da integridade venezuelana e do processo de revolução bolivariana. Por isso, para o professor, é muito difícil que os militares “embarquem em um movimento golpista”.
“A imensa maioria das Forças Armadas está comprometida ideologicamente com o governo e não só para a segurança como para o desenvolvimento. Esse é o entendimento. Essa convocatória se mostra uma tentativa de conquistar um espaço que eles não tem. O chamado vai cair no vazio. Eles já tentaram isso de diferentes formas, em outras ocasiões. Chávez reestruturou em 2002 as forças armadas o que possibilitou uma nova doutrina militar que mudou radicalmente o perfil das Forças Armadas”, afirmou.
Para ele, o processo de incorporar a sociedade civil na segurança foi fundamental por ter criado um aparato que não só tem a população, como também as comunas, principalmente a partir das milícias.
As milícias bolivarianas foram criadas em 2009, mas incorporadas como força em 2020. Hoje, o grupo conta com mais de 4 milhões de soldados inscritos, sendo 1 milhão e 500 mil na ativa. Os outros grupos das Forças Armadas não divulgam dados.
Edição: Rodrigo Durão Coelho