Na Venezuela, faltando pouco mais de um mês para as eleições legislativas, aumentam as tensões políticas no país. Na última semana uma série de eventos comprovam que a oposição de extrema direita planeja novas ações desestabilizadoras.
O deputado Juan Guaidó e seu partido se negam a participar do processo eleitoral e convocaram uma consulta popular para 12 de dezembro, seis dias após o pleito, a fim de questionar se os venezuelanos aceitam a presidência de Nicolás Maduro.
O processo é abertamente apoiado pelos Estados Unidos, na figura do encarregado de negócios James Story, que também defende que Guaidó volte a "mobilizar os venezuelanos".
A Constituição venezuelana possui o mecanismo de referendo revogatório, que pode ser acionado pela população na metade do mandato presidencial. Em 2004, a oposição convocou um referendo contra o ex-presidente Hugo Chávez e perdeu. Agora Guaidó convoca um processo sem qualquer previsão legal.
"Além da sua falta de legitimidade, cabe questionar por que convocar essa consulta quando a Venezuela está num processo eleitoral. Não é somente para gerar uma institucionalidade paralela, mas também é uma carta aval para dar início a uma agenda de mobilização de rua. Uma agenda que supostamente é popular, mas não passa de terrorismo urbano", comenta Ernesto Cazal, analista do portal venezuelano Misión Verdad.
Outros fatos sugerem que o setor guaidosista pode adotar uma nova rota golpista.
Fuga Leopoldo López
No sábado (24), o fundador do partido Voluntad Popular e braço direito de Juan Guaidó, Leopoldo López fugiu da Venezuela para a Espanha. Os detalhes da sua viagem não foram divulgados, mas o próprio opositor assegura que viajou até a ilha caribenha de Aruba, onde tomou um vôo para Madri.
López estava hospedado na embaixada espanhola de Caracas desde o ano passado. No dia 30 de abril de 2019 ele fugiu da prisão domiciliar para liderar uma tentativa de golpe ao lado de Guaidó. Com o fracasso da Operação Libertad, López se refugiou na sede diplomática espanhola.
O líder do partido Voluntad Popular foi condenado a 13 anos e 9 meses de prisão por ser o responsável pelas guarimbas - atos opositores violentos - de 2014, quando 43 pessoas faleceram e cerca 3 mil foram feridas.
Em Madri, junto a sua família e seu pai, Leopoldo López Gil, que é eurodeputado pelo Partido Popular (PP), assegura que representa um "centro de governo de Juan Guaidó".
Em uma coletiva de imprensa, confirmou que pretende voltar ao país e seu objetivo é a realização de eleições "livres, justas e verificáveis". Além de contar com apoio internacional para derrubar o governo de Maduro.
Desde 2016, o partido de López e Guaidó não participa dos processos eleitorais por classificá-los como "fraudulentos". Em 2020, houve uma reforma do Conselho Nacional Eleitoiral (CNE), acordada com partidos opositores, no entanto, o Voluntad Popular permanece negando-se a concorrer.
Esquema de desvio de dinheiro
Na última quinta-feira (29), Roland Carreño, dirigente do VP foi detido depois da revelação de um esquema de corrupção com o dinheiro da Citgo Petroleum - sede da estatal petroleira venezuelana PDVSA nos Estados Unidos. De acordo com o Ministério Público venezuelano, os fundos destinados à Fundação Simon Bolivar, que apoia o tratamento de saúde a crianças venezuelanas, era desviado para os quatros maiores partidos da oposição: Voluntad Popular, Acción Democrática, Primero Justicia e Un Nuevo Tiempo.
Desde 2019 a Citgo é dirigida por executivos nomeados por Guaidó, já que os Estados Unidos deixaram de reconhecer a legitimidade de Maduro e do seu gabinete sobre a empresa.
Carreño foi detido com um fuzil AM15, US$ 12 mil em espécie e documentos com rotas clandestinas para a Colômbia. Em depoimento gravado, o dirigente do VP confirma que Carlos Vecchio, embaixador nos Estados Unidos, nomeado por Guaidó, eram quem autorizava as transações financeiras.
Segundo Carreño, existem US$ 34 mil de fundos do seu partido que foram desviados da Citgo e recentemente ele havia entregue US$ 6,5 mil a Leopoldo López. No seu celular foram encontradas conversas com Juan Guaidó e outros representantes políticos opositores, que ainda comprovam que Carreño planejava comprar carros de luxo com esse dinheiro roubado e financiava uma rede de prostituição masculina.
Um dia antes da prisão de Carreño, na última quarta-feira (28), as autoridades venezuelanas denunciaram a explosão de uma das torres da refinaria de Amuay, no estado Falcón, ao norte do país.
Segundo investigações preliminares, o complexo petrolífero - um dos maiores e mais importantes da América Latina - foi atacado por um míssil que pode ter sido disparado de um drone ou de uma embarcação.
O vice-presidente de Economia Tareck El Aisami assegurou que se a torre atingida estivesse trabalhando, toda a região da península de Paraguaná poderia ter sido arrasada pela explosão.
Em setembro, um cidadão estadunidense foi detido por ter entrado ilegalmente no país, carregar explosivos CM4 e informações sigilosas sobre a PDVSA. Matthew John Heat é funcionário da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA) e foi acusado de planejar as explosões em Amuay.
Responsabilidade para Proteger
"Os últimos acontecimentos na Venezuela podem ser conectados por um elemento comum que é a promoção do R2P - Responsabilidade para Proteger. Um mecanismo solicitado em momentos distintos da história recente por parte dos Estados Unidos e seus aliados, que se vale de um contexto de caos e desestabilização para justificar uma intervenção", defende Ernesto Cazal.
Durante a última Assembleia Geral da ONU, em uma video conferência com representantes de alguns países, o autoproclamado presidente Juan Guaidó solicitou ativar o mecanismo "Responsabilidade para Proteger" na Venezuela, afirmando que o Estado, comandado pelo presidente Nicolás Maduro, não oferece proteção aos venezuelanos.
Em 2005, os países membro da ONU assumem o compromisso R2P - Responsabilidade para Proteger com os três pilares: 1) Responsabilidade de cada Estado de proteger suas populações; 2) Responsabilidade da comunidade internacional de ajudar os Estados a proteger sua nação; 3) Responsabilidade da comunidade internacional em proteger uma população das ações de um Estado
O mecanismo surge logo depois da invasão das tropas da Otan à antiga Iugoslávia, apoiando militarmente os separatistas da província de Kosovo. Em março de 1999 as cidades de Belgrado, Priština, Novi Sad e Podgorica, foram bombardeadas sob a justificativa de que o Estado iugoslavo, comandado por Slobodan Milošević do partido socialista, estaria realizando um massacre étnico contra os serviços que eram maioria na região de Kosovo.
A ação não foi autorizada pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), o que abriu um precedente para uma série de outras guerras iniciadas pelas nações ocidentais nos anos seguintes.
O saldo da operação militar contabiliza 1200 óbitos, por conta de 9.160 toneladas de bombas, cerca de 45 toneladas de urânio, com consequências tóxicas prolongadas contra a população local.
Os países líderes da Otan, entre eles os Estados Unidos, começaram a utilizar a narrativa de "responsabilidade de proteger" a partir desse ataque.
A guerra de Kosovo que terminou com a declaração unilateral de independência como um Estado nação em 2008, serviu de exemplo para outras ações.
:: Veja uma linha do tempo de tentativas de golpes na Venezuela ::
Jean Bricmont, em seu livro "Imperialismo humanitário" se dedicou a analisar a instrumentalização dos direitos humanos para promover guerras como solução.
O analista venezuelano acredita que a convocatória de consulta popular para o dia 12 de dezembro pode ser um novo momento de tensão. No entanto, desestima a capacidade de convocatória de atividades de massa, defende que se algo acontece, será com financiamento da oposição.
"Essa seria uma expressão mais do fracasso político de Guaidó, mas também poderá haver uma convocatória "cidadã" para que a população apoie a consulta e nisso possam produzir as já conhecidas guarimbas", analisa Cazal.
Edição: Daniel Lamir