A extrema direita tem inundado as redes sociais com conteúdos para colar a imagem de "taxador dos pobres" ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. "Taxad", "Margareth Taxxer" e "Zé do Taxão", são alguns dos memes que têm viralizado na internet com críticas ao titular da Fazenda e a medidas econômicas do governo federal.
Uma das medidas mais atacadas é a chamada "taxa das blusinhas", uma emenda ao relatório do Programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover) que estabeleceu uma alíquota de 20% sobre compras internacionais de até US$ 50, que antes eram isentas de pagamento de imposto sobre importação.
A proposta, entretanto, era objeto de críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas foi aprovada por ampla maioria no Congresso Nacional pois era defendida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) e setores da direita, em favor de grandes varejistas brasileiras que pressionaram pela medida.
O cientista político João Feres, pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), afirma que essa é uma estratégia recorrente da extrema direita nas redes sociais para colocar na conta do governo atual os efeitos de medidas impopulares defendidas por eles próprios.
Feres, que é coordenador do Laboratório de Estudas da Mídia e Esfera Pública (Lemep), afirma que essas ações coordenadas buscam, muitas vezes, explorar as contradições do próprio governo, como ter cedido às pressões da Câmara para a inclusão da chamada "taxa das blusinhas" no texto que criou o Mover, mesmo sob a oposição do presidente da República.
"A capacidade da esquerda enfrentar a direita nas redes sociais varia de assunto a assunto. Particularmente nesse caso, os perfis mais influentes da esquerda não vão entrar [no debate] defendendo, porque o tópico em si é impopular", avalia Feres.
A ação coordenada desses grupos tem conquistado aderência de setores progressistas, inclusive entre grupos que apoiaram o atual governo nas últimas eleições. Para a cientista política Camila Rocha, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e autora do livro As Direitas nas redes e nas ruas, isso é produto da própria realidade das pessoas e da incapacidade do Estado em responder às necessidades da população com serviços públicos de qualidade.
"Isso se dissemina para além da direita ou para além dos antipetistas. De fato, as pessoas, sobretudo as pessoas mais pobres, não sentem que esses serviços públicos estão chegando de forma eficaz, eficiente. Boa parte delas tem algum tipo de frustração em relação à entrega de serviços públicos", afirma.
Papel da mídia comercial
Para Rocha, além de aproveitar eventuais vacilos da gestão de governo e da ineficiência do Estado, a extrema direita joga com a opinião pública a partir de estigmas criados sobre governos de esquerda, sempre os associando, ainda que inveridicamente, a uma suposta defesa do aumento de impostos.
"Esses grupos podem fazer diversas ações coordenadas, mas se não tiver crenças anteriores que sustentem a adesão aos conteúdos, esses conteúdos não vão pegar", afirma.
É o que Feres chama de "retroalimentação" entre a mídia comercial e os grupos da extrema direita que atuam nas redes sociais. "A imprensa tradicional também faz uma campanha acusando o governo de gastador e tudo mais, então [a extrema direita] entra numa narrativa que se retroalimenta da mídia tradicional", avalia o professor.
A relação da imprensa comercial com o discurso liberal é patente. Nesta quinta-feira (17), o jornal Folha de S. Paulo revelou que trechos de uma entrevista exclusiva do presidente Lula à TV Record, gravada na terça-feira (16), foram antecipados a agentes do mercado financeiro. Segundo a reportagem, o texto foi atribuído à empresa Capital Advice, que tem como uma das sócias, a jornalista Renata Varandas, que conduziu a entrevista com o presidente da República.
A Record divulgou a íntegra da entrevista com o presidente na noite de terça, mas os mercados já haviam reagido à informação recebida. A emissora divulgou nota em que afirma que condena qualquer vazamento de informações e que tomará medidas cabíveis para a apuração dos fatos.
Ministro comenta estratégia de redes da oposição
Durante o 19º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, que ocorreu entre 11 e 14 de julho em São Paulo, o ministro da Fazenda comentou o que chamou de campanha de "desinformação" e apontou os grupos de extrema direita como responsáveis por essas ações coordenadas.
"O que eu vejo em rede social é um negócio avassalador, de desinformação. E isso não está partindo dos meios de comunicação, não está partindo dos jornais, não está partindo das TVs, não está partindo das rádios", afirmou.
Haddad afirmou ainda que existe no Brasil uma "oposição de tipo novo" que "atua para minar a credibilidade das instituições, dos dados oficiais e do Estado brasileiro".
"Eles atuam diuturnamente nas redes sociais, eu nunca vi um negócio desses. É uma prática protofascista mesmo, não tem outra palavra", disse o ministro. "As últimas investigações dão testemunho de que tipo de quadrilha que estava no poder, e nós temos que lidar hoje com essa bandidagem", declarou.
O que fazer?
Para João Feres, a comunicação do governo ainda não encontrou uma estratégia efetiva para fazer o enfrentamento à disseminação de desinformação e às ofensivas da extrema direita contra as medidas do governo. Ele defende que é preciso mais investimento em pessoal qualificado e recursos, além de uma estratégia que dê conta da complexidade da atuação desses grupos.
"Ele [o governo] precisa ter uma estratégia de comunicação complexa porque o mundo da comunicação hoje em dia é muito complexo. Tem as mídias tradicionais, que ainda formam muita opinião; tem agora os influenciadores, as redes sociais, o debate propriamente entre usuários no Facebook e no Instagram. Esse ecossistema da comunicação é bem complexo. Isso demanda do governo uma política também complexa e eu acho que até agora ele não se mostrou muito efetivo em fazer esse enfrentamento", critica.
Respostas
Diante da campanha de desinformação, a presidenta do Partido dos Trabalhadores e deputada federal Gleisi Hoffmann saiu em defesa do ministro da Fazenda.
"A verdade é que a carga tributária no Governo Lula não aumentou. Em 2023, a carga tributária bruta foi 32,4% do PIB. Até 2022 ela era 33,7%. Ou seja, a carga tributária não só não aumentou como também diminuiu", disse a deputada, em nota ao Brasil de Fato.
Gleisi ainda afirmou que, com a reforma tributária aprovada no Congresso, o governo cortou "pela metade a carga tributária dos mais pobres" e aumentou "em 20% a taxa de impostos dos mais ricos".
O Brasil de Fato também enviou questionamentos à Secretaria de Comunicação Social do governo federal (Secom) sobre a estratégia da pasta para o enfrentamento à desinformação, especialmente no caso mencionado nesta reportagem, mas não obteve resposta até o fechamento da matéria. O espaço segue aberto para posicionamentos.
Edição: Felipe Mendes