TRÊS POR QUATRO

Enchentes no RS: onda de fake news da extrema direita reforça necessidade de regulação das redes

Podcast discute a urgência de ações governamentais para combater a desinformação em meio à tragédia

Ouça o áudio:

Em meios aos esforços para mitigar os impactos das chuvas, população enfrenta propagação de fake news - Anselmo Cunha/AFP
Não dá para a gente ser conivente com esse pessoal em nome da liberdade de expressão

Quase três semanas depois do início das chuvas, a tragédia climática do Rio Grande do Sul está longe de acabar. Além de um cenário em que mais de 2 milhões de pessoas foram afetadas e em que 92% dos municípios foram atingidos pelas enchentes, o estado ainda precisa combater um dos efeitos colaterais da tragédia: as fake news

A edição desta sexta-feira (17) do podcast Três por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato e apresentado pelos jornalistas Nara Lacerda e Nicolau Soares, analisa os mecanismos de disseminação de notícias falsas usados pela extrema direita, assim como os efeitos sobre a população atingida. O programa também tratou das ações do governo dias no enfrentamento aos danos causados pelas inundações no estado. 

O programa teve como convidados João Feres Júnior, professor de Ciência Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e diretor científico do Monitor do Debate Público, e João Brant, secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom). José Genoino, ex-presidente do PT e comentarista fixo do podcast, completou a escalação do episódio.

"Devia-se montar uma força-tarefa no Ministério da Justiça, em conjunto com a Secom, para monitorar, identificar os culpados o mais rapidamente possível e puni-los", afirma o professor sobre os factoides que circulam a respeito da tragédia.

Feres Jr., que trabalha no monitoramento do comportamento da extrema direita nas redes, destaca o perfil daqueles que criam e disseminam as mensagens falsas, especialmente em momentos de crise. "A exploração de uma calamidade, de uma catástrofe, inclusive com altíssimo preço para vidas humanas, para patrimônio, para tudo, é uma coisa que eles [bolsonaristas] já fizeram de monte após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) na última eleição presidencial", destaca.

José Genoino enfatiza a necessidade de uma postura rígida da esquerda contra quem difunde e propaga mentiras. Ele critica a política de boa vizinhança, que para ele é ineficaz para combater esse comportamento. 

"Não adianta a gente temer polarização [...] essa turma não é bom mocismo [...] Diante de uma tragédia, o cara botar na cabeça que tem que mentir para levar as pessoas mais rapidamente à morte, não tem parâmetro, é um absurdo, é a barbárie contra civilização. E diante dos bárbaros só tem um caminho, é fazer uma guerra democrática, uma guerra de informação [...] nós temos que compreender que eles são os novos inimigos, como foi o nazismo, como foi o fascismo, e considerá-los como inimigos que têm que ser destruídos. Não dá para a gente ser conivente com esse pessoal em nome da liberdade de expressão, isso é a liberdade para matar", argumenta Genoíno.

A antidemocracia das fake news

Diante da disseminação de notícias falsas, João Brant, da Secom enfatiza que o enfrentamento às desinformações demanda um entendimento amplo do cenário. É preciso saber até onde as fake news não passam de desinformação sobre a opinião política e a partir de onde elas começam efetivamente a interferir na busca por soluções para situações emergenciais.

Segundo o secretário, o governo deve se atentar aos movimentos nos quais há um "conjunto de esforços articulados, organizados, ordenados, com interesses políticos e financeiros para desestruturar a capacidade de resposta, ou minar a confiança da população na ação do poder público", explica. "Isso tem impacto, muitas vezes pode ser caracterizado como crime no artigo 257 do Código Penal [que versa sobre dificultar o socorro em ocasião de calamidade]. Então, você precisa atuar nesta direção".

Sobre a ótica do governo Lula, José Genoíno, reforça a importância do combate à desinformação de maneira imediata, caracterizando inclusive tais atos como crime. Para ele, é necessária a criação de um "gabinete de ação imediata de pronta resposta funcionando 24 horas de maneira transversal". 

"Essa guerra cultural, essa guerra de intolerância, nós temos que vencê-la, porque eles querem cravar no governo Lula o que aconteceu com a pandemia no governo Bolsonaro, utilizando o Rio Grande do Sul como laboratório para essas mentiras", afirma.

Regulação das redes e a garantia da verdade

A tragédia no Rio Grande do Sul pauta, novamente, a necessidade de regulamentação das redes sociais no Brasil. O projeto de lei 2630/20, conhecido como PL das Fake News, voltou a ser assunto em 2024 depois dos ataques de Elon Musk, dono do X/Twitter, ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, realizados no início de abril. Na ocasião, o bilionário, que também é herdeiro de jazidas de diamantes e dono da Tesla, acusou o magistrado de ilegalidades em bloqueios de contas na plataforma.

Apesar da comoção em relação ao ataque de um ator político estrangeiro à institucionalidade brasileira, o caso não gerou resultados no sentido da regulamentação. Pelo contrário, o relator do PL, deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) foi destituído da relatoria. Arthur Lira (PL-AL), presidente da Câmara dos Deputados, determinou a criação de um grupo para debater o tema, postergando uma possível decisão da Casa.

De acordo com Brant, o PL das Fake News não visa limitar ou restringir a liberdade do cidadão na internet, mas combater a circulação de notícias mentirosas no meio digital.

"Basicamente o que está se defendendo ali é que o que é crime offline, seja tratado como crime online, que as plataformas tenham maior responsabilidade. Portanto, não há nenhuma afetação ao direito ou  à liberdade de expressão", ressalta o secretário.

Apesar de enfatizar a prioridade em salvar as vidas da população gaúcha neste momento, João Feres salienta a importância da regulamentação das redes, vide que "o Brasil não pode se sustentar muito tempo sem uma regulamentação desse processo de moderação de conteúdo das redes. Porque sem isso você fica à mercê de decisões imediatistas de juízes, da vontade política, das próprias plataformas, de ações e efeitos e pontuais para poder executivo. E isso, não interessa a ninguém."

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.

Edição: Thalita Pires