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Educação Midiática pode ser caminho para crianças e adolescentes não caírem em fake news

Como aprimorar a relação de crianças e adolescentes com informação em tempos de infodemia e excesso de mídias digitais?

São Paulo (SP) |
Pesquisa da OCDE constatou que 67,3% dos estudantes brasileiros de 15 anos têm dificuldade em diferenciar fatos de opiniões ao lerem textos - Pressfoto/Freepik

Por Carolina Scherer Beidacki* 

Vamos começar do começo, o que é educação midiática, afinal? É o "conjunto de habilidades para acessar, analisar, criar e participar de maneira crítica do ambiente informacional e midiático em todos os seus formatos — dos impressos aos digitais" (referência). Em um contexto onde as redes sociais, como o TikTok, têm sido cada vez mais utilizadas por crianças e adolescentes e os perfis em aplicativos de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, também têm aumentado nos últimos anos, a educação midiática se mostra essencial. E não é apenas a ampliação do acesso a estas redes e plataformas que aponta a urgência de uma melhor educação midiática, mas a forma como a população interage com os conteúdos delas também.

O relatório "Leitores do século 21: Desenvolvendo habilidades de alfabetização em um mundo digital", da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), realizado entre estudantes brasileiros de 15 anos, constatou que 67,3% deles têm dificuldade em diferenciar fatos de opiniões ao lerem textos. Em outro estudo, somente 27% dos estudantes de escolas públicas e 18% de escolas privadas receberam orientações sobre como avaliar a qualidade das informações online, mas metade dos professores afirmou ter apoiado os alunos em situações sensíveis na internet, incluindo o uso excessivo de jogos digitais e experiências de discriminação e cyberbullying. 56% das(os) professoras(es) relatam já terem trabalhado com educação para a mídia, mas apenas 20% se sentem bem preparados para ensinar sobre o tema e somente 37% de fato participaram de iniciativas de formação sobre o assunto.

Mais alguns números que permitem entender a crescente necessidade de maior investimento em educação midiática são os resultantes de pesquisa realizada pela OCDE: aproximadamente 41,9% das(os) estudantes foram ensinadas(os) a usar palavras-chave em mecanismos de busca; 52% aprenderam a avaliar a confiabilidade das informações online; 48,9% discutiram as consequências de compartilhar informações em redes sociais; e 45,7% foram orientadas(os) a identificar informações subjetivas ou tendenciosas.

É preciso manter em mente, também, as desigualdades socioeconômicas, digitais e educacionais, pois um menor acesso a dispositivos digitais e ao direito à educação, por exemplo, pode resultar em uma maior dificuldade na detecção de informações tendenciosas ou falsas. É o que mostra o estudo "Políticas de Educação Midiática", publicado pelo Instituto Veredas sob encomenda da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom).

O que já tem sido feito? 

Durante debate realizado em 29 de fevereiro de 2024 na Comissão de Educação (CE) do Senado Federal, especialistas classificaram a educação midiática como fator essencial para orientação da juventude diante das possibilidades crescentes de novas tecnologias manipularem os processos de informação

Em 8 de abril de 2024, o então secretário de Políticas Digitais da Secom, João Brant, informou que foi incluída no Plano Plurianual (PPA 2024-2027) a formação de 300 mil educadoras(es) e 400 mil trabalhadoras(es) da saúde para o combate à desinformação.

Outros caminhos possíveis 

Os benefícios da educação midiática são inúmeros, para citar alguns:  

  • maior envolvimento em processos de participação e controle social; 

  • maior entendimento sobre liberdade de expressão e responsabilidade ética dos meios de comunicação; 

  • maior diálogo intercultural, tolerância e diversidade; 

  • incorporação facilitada de tecnologias de comunicação e informação nas escolas; e 

  • maior qualidade dos meios de comunicação. 

Para uma educação midiática mais efetiva, algumas estratégias são essenciais, como começar o mais cedo possível, por exemplo. Além disso, focar em temas relevantes para as pessoas que estão sendo educadas e abordar as mídias que fazem parte do seu dia a dia torna a experiência mais engajante. O mesmo vale para o uso de canais e recursos diversos e a dedicação de bastante tempo para reflexão e prática.

Os sistemas educacionais devem continuar desenvolvendo estratégias e reformando os currículos, além de financiar pesquisas que abordem e avaliem de maneira explícita e coerente o tema da educação midiática. Neste sentido, o desenvolvimento de professoras(es) também precisa ser aprimorado através de parcerias entre diversas organizações, melhores ofertas de capacitação e o desenvolvimento conjunto de recursos educativos. 

A consciência algorítmica faz parte de uma educação midiática de alta qualidade, o que significa que entender como as plataformas de conteúdo funcionam e a melhor forma de consumir e produzir conteúdo dentro delas é essencial para uma interação saudável e segura. Incentivar as crianças a produzirem seu próprio conteúdo digital como parte da educação em mídia, por exemplo, permitiria uma compreensão mais profunda dos fatores envolvidos na mídia que consomem.

A educação midiática por si só não resolve o desafio do conteúdo digital falso e enganoso, muito menos deve ser usada para responsabilizar individualmente as pessoas por um problema que é coletivo. A educação midiática é, sem dúvida, essencial, mas precisa estar acompanhada de outras políticas que, juntas, sustentam uma resposta eficaz à desinformação e outras formas de conteúdo falso ou enganoso.

Referências 

Este artigo é informado por uma das diversas respostas rápidas realizadas voluntariamente pelo Instituto Veredas para órgãos do governo federal que, no ano de 2023, estavam em busca de evidências para apontar os melhores caminhos para enfrentar alguns desafios. A pesquisa que inspirou este artigo você encontra aqui.

* Carolina Scherer Beidacki é psicóloga (PUCRS), pesquisadora do Instituto Veredas, especialista em Políticas Públicas para a igualdade na América Latina e Caribe (Clacso). Defensora das políticas públicas, acredita no poder da articulação de redes e da linguagem acessível e inclusiva para comunicar conhecimento científico. [email protected]  

Edição: Nicolau Soares