Como as fakenews se propagam em situações de crise foi o tema do debate promovido pela Associação Riograndense de Imprensa, no último sábado (1º), data que em que se celebra o Dia Nacional da Imprensa. “Conforme a água inundava as casas, a desinformação inundava as redes”, sintetizou o jornalista Paulo Motoryn, repórter do site Intercept Brasil e correspondente do New York Times em Brasília, convidado para debater o assunto com o jornalista, professor e pesquisador Alisson Coelho, da Universidade Feevale.
Para Motoryn, o que está ocorrendo no Rio Grande do Sul, em termos de fake news, é um ecossistema que não nasce na tragédia, mas que está organizado para fazer isso todos os dias. Segundo ele, essa estrutura vai se aproveitar de cada uma das tragédias brasileiras para amplificar suas próprias crenças.
O jornalista avalia que o Brasil é um país altamente polarizado e que as pessoas estão cada vez menos dispostas a ouvir o contraditório. “E, nesse caso do negacionismo climático, a extrema-direita está cada vez mais forte e empenhada em disseminar isso”, apontou.
Ele explica que as redes de desinformação atuam para desassociar os desastres ambientais do que a ciência vem apontando no cenário ambiental mundial, em termos de mudanças climáticas, e fazem circular teorias da conspiração sobre esses temas.
No Rio Grande do Sul, políticas públicas de resgate da população e iniciativas das forças de segurança foram interrompidas ou prejudicadas pela desinformação, exemplificou.
Morotyn conta que criou, junto com os estudantes de jornalismo da Universidade Feevale, um grupo de checagem de boatos relacionados às enchentes no Rio Grande do Sul.
"Em parceria com a minha empresa, que é a Deixa Vírgula, a gente fez a checagem de mais de 80 boatos, e nós não checamos tudo que chegou, porque nós não tínhamos braço, não tínhamos perna para checar tudo. Imagina, em duas, três semanas, esse grupo checou mais de 80, e nem de longe a gente chegou perto da quantidade de desinformação que circulou ali”, destacou.
Trajetória
Morotyn relatou que, já no início da carreira profissional, em 2013, começou a se interessar pelo tema da desinformação. Naquele ano, em parceria com outros jornalistas universitários da cidade de São Paulo, organizou e fundou o coletivo Vai Dá Pé, que produzia reportagens e fazia checagens de informações. As pautas priotárias eram as que o país vivia naquele momento: Jornadas de Junho e Copa do Mundo de 2014.
Em 2015, trabalhando na Secretaria Nacional de Juventude, do governo federal, atuou em iniciativas que lidavam com esse universo da desinformação em relação à juventude, que inclui discursos de ódio nas redes sociais, buscando construir políticas públicas que fomentassem reflexões sobre esse novo ecossistema informacional que impacta diretamente os mais jovens.
Infodemia
Com a pandemia de covid-19, no ano de 2020, o contexto de desinformação e de negacionismo ficou ainda mais claro. “A gente viu que esse momento de tragédia se transformou em um momento também de alta circulação de desinformação."
Morotyn lembrou que a Organização Mundial da Saúde (OMS), após declarar que o mundo vivia uma pandemia, também reconheceu, no mesmo mês, que a doença em escala global vinha acompanhada de uma infodemia, termo que se refere a esse ambiente de desinformação.
O jornalista citou um estudo de 2020 feito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do grupo de pesquisa NetLab, que traz pela primeira vez o conceito de infodemia socioambiental.
Trata-se de um relatório que apresenta tanto os principais personagens da desinformação, as narrativas que são disseminadas, mas que também investiga mais a fundo quais são os recursos, as linguagens e os canais em que essa infodemia socioambiental se dissemina.
Eleições
Para o jornalista, a desinformação ainda será um recurso muito frequente no processo eleitoral deste ano. Ele aponta que essas fake news tem como base o próprio negacionismo sobre as urnas eletrônicas.
"Nas eleições de 2022 foi criado um referencial supostamente teórico, um conjunto de informações falsas, um conjunto de proto-conhecimento sobre as urnas eletrônicas. Popularizou-se a pergunta: 'Onde está o código-fonte?'. Ainda que as pessoas não saibam o que é o código-fonte, esse tipo de narrativa existe e está cristalizada em segmentos da sociedade”, pontuou.
Ele reforça que quem condiciona, quem media o debate público, são as grandes empresas de tecnologia, chamadas de Big Techs. "Um conjunto de, no máximo, cinco, seis empresas transnacionais, mas com origem nos Estados Unidos, ou na China, principalmente, ou algumas na Rússia. Elas alojam todo esse debate, que funcionam em uma lógica algoritmizada, ou seja, em uma lógica em que um conjunto de diretrizes guia o que as pessoas vão ser expostas, e que tem, sim, capacidade de cuidar com mais cautela desse debate”, concluiu.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko