OPINIÃO

Brasil: contra ou a favor do genocídio palestino cometido por Israel?

Apesar de condenar ações de Israel, país segue fazendo negócios com empresas envolvidas na matança

São Paulo (SP) | |
Fumaça sobe durante um ataque israelense nas proximidades do hospital al-Shifa, na cidade de Gaza, em 28 de março de 2024. - AFP

Ainda que a mídia brasileira e mundial tenha rebaixado o genocídio em Gaza à uma noticia entre outras, as condições pelas quais passam 2.3 milhões de palestinos e palestinas na Faixa sitiada, isolada e bombardeada estão alcançando níveis cada dia mais horrorosos. As pessoas mortas e desaparecidas chegam a 50 mil, 70% delas mulheres e crianças.

Em Gaza, 90% da infraestrutura está devastada, não tem mais nenhum hospital funcionando adequadamente. Mais de 30 crianças já morreram de fome e muitas mais de doenças causadas pela má nutrição, a falta de água e de tratamentos médicos. E Israel continua a bombardear hospitais, campos de refugiados. O nível de crueldade das forças de ocupação israelese chega ao ponto de bombardear a população palestina nas filas para receber as raras ajudas humanitárias que chegam à Gaza.

Os poderes coloniais, liderados pelos EUA e Europa, estão apoiando o genocídio. Esperar que eles tomem iniciativa enfrentando o governo israelense equivale a condenar o povo palestino à morte. Porém, os povos de todo o mundo tomaram iniciativa. As mobilizações massivas e contínuas, protestos, bloqueios e acampamentos estudantis a nível global tem conseguido uma histórica, talvez irremediável, quebra de legitimidade de Israel. Umas semanas atrás, no marco do Conselho dos Ministros de Relações Exteriores da União Europeia, pela primeira vez, se quebrou o tabu e falou-se “de maneira significativa” de sanções ao Estado de Israel. Contudo, hoje, é mais evidente do que nunca que iniciativas concretas chegarão somente do Sul Global.

Já em dezembro de 2023, a Malásia impôs uma proibição a todos os navios de propriedade e bandeira israelense, bem como a quaisquer navios com destino a Israel, de atracarem em seus portos. Em maio de 2024, a Turquia interrompeu todo o comércio com Israel. Outros estados também impuseram sanções, incluindo a Colômbia, que em fevereiro de 2022 anunciou a suspensão total das compras de armas Israelenses, e, depois, cortou relações diplomáticas em maio de 2024. Finalmente, a Colômbia, em junho, começou o processo para proibir todas as exportações de carvão para Israel.

A iniciativa sul-africana de acusar Israel frente a Corte Internacional de Justiça de genocídio teve também um importante papel jurídico e diplomático. A decisão da Corte de que Israel, de fato, está cometendo um genocídio em Gaza tem pressionado muitos países a reduzir ou cortar a sua cumplicidade com o genocídio em curso.

O cessar-fogo e a entrada de ajuda humanitária nesse momento é a demanda mais urgente, Contudo, isso não significaria o fim das condições genocidas em Gaza. O antigo relator Especial da ONU para os Direitos Humanos, Richard Falk, descreveu já no 2009 as políticas israelenses, as repetidas massacres e o cerco contínuo, ilegal e paralisante que destruiu todas as esferas da vida em Gaza, como “um prelúdio ao genocídio”. Para o genocídio acabar precisa que os direitos, incluindo o direito a auto-determinação do povo palestino sejam reconhecidos.

Para contribuir para a paz e o fim dos crimes de genocídio e apartheid israelenses, o mundo tem que enfrentar o problema da sua causa raiz: Depois da limpeza étnica incompleta que em 1948 fundou o estado de Israel, o projeto colonial israelense tem usado o apartheid como medida temporária para gerir, ou melhor dito, oprimir, a população palestina.

Patrick Wolfe em Colonialismo de povoação e a eliminação do nativo destaca que toda sociedade colonial de povoação considera a eliminação da população indígena, ou pelo menos da sua resistência, uma necessidade. Esta eliminação inclui a eliminação física e genocida do povo, tanto como a sua expulsão da terra e uma infinidade de estratégias destinadas a desestruturar, fragmentar e debilitar a sociedade indígena para que pelo menos a próxima geração não resista mais à desapropriação e à opressão, e renuncie às reivindicações pelos seus direitos. Os povos indígenas das Américas sabem disso melhor que ninguém.

Na África de Sul, boicotes, desinvestimento e sanções acabaram com o apartheid antes que tenham chegado a fase final do genocídio. Na Palestina não. E hoje estamos assistindo a um terrível genocídio em tempo real e ao vivo.

Já no início do genocídio, o Brasil como presidência do Conselho de Segurança da ONU mobilizou toda a sua diplomacia para tentar o impossível - um acordo mundial pelo cessar fogo. O presidente Lula foi um dos primeiros Chefes de Estado a reconhecer que Israel estava (e está) cometendo um genocídio e apesar das pressões não renegou.

Ao contrário, o Brasil deu rapidamente o seu apoio à causa levada pela África do Sul frente à Corte Internacional de Justiça. De fato tem rebaixado a sua presença diplomática em Tel Aviv, ainda que a razão principal dada não tenha sido o genocidio e o apartheid israelense, mas o insulto sofrido pelo embaixador brasileiro.

Palavras e ações diplomáticas são importantes, mas insuficientes

A Corte Internacional de Justiça, o Tribunal Penal Internacional, a Assembleia Geral da ONU, o Conselho de Segurança, todos os órgãos mais influentes do mundo têm exigido um cessar fogo. Sem resultado. O esforço, principalmente dos EUA e alguns países europeus, de desautorizar todo o sistema das Nações Unidas e dos direitos humanos para proteger Israel está arriscando descredibilizar de forma irreversível também a ONU e o direito internacional sob os escombros de Gaza.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, já em outubro do ano passado alertou que “O que vemos na Palestina também será o sofrimento no mundo de todos os povos do Sul. [...] Gaza é apenas o primeiro experimento para considerarmos todos e todas descartáveis.” Ele tirou suas conclusões e começou a atuar.

A única maneira pela qual pode-se exercer influência e conseguir um cessar fogo e o fim do genocídio é através de pressão concreta, de boicotes, desinvestimentos e sanções.

Frente a um genocídio, querer exercer influencia não é escolha, é dever. Qualquer ajuda ou apoio a um genocídio ou um crime de lesa humanidade, é cumplicidade e a omissão leva ao risco de ser responsabilizado de acordo com a lei internacional.

E o Brasil está cumprindo com os seus deveres, com o que diz a sua constituição? Faz parte dos países que abrem o caminho pelo fim do genocídio? Está defendendo de fato, e não somente retoricamente, a causa palestina, a causa da humanidade, e o sistema dos direitos humanos?

Nos últimos meses o Ministério de Defesa tem estreitado ainda mais as relações militares do Brasil com Israel. A Petrobras tem continuado a fornecer combustíveis que abastecem a máquina do genocídio israelense. O Tratado de Livre Comércio entre Israel e Brasil continua em vigor, apesar de a cláusula que decreta a exclusão dos produtos provenientes dos assentamentos ilegais israelenses do acordo e que foi a pré-condição para a ratificação do acordo, até hoje nunca ter sido aplicada.

A conclusão triste é que hoje o Brasil, apesar dos acenos positivos que já ressaltamos, segue tendo um papel essencial em manter funcionando a máquina genocida de Israel.

A sua cumplicidade nunca será ao nível dos EUA, Alemanha e Inglaterra e outros poderes coloniais, mas isso não deveria ser a referência ou aspiração para o Brasil. Seria de esperar que o Itamaraty estivesse na vanguarda da defesa do direito e das instituições internacionais, mas, pelo menos, é preciso exigir que o Brasil cesse qualquer cumplicidade com genocídio e apartheid.

No caso da Ucrânia, o Itamaraty tem vetado a venda de blindados para manter a neutralidade diplomática. Porque no caso do genocídio israelense contra o povo Palestino, o Itamaraty tangencia seu papel e sua responsabilidade alegando que “escapa da sua área de atuação” e deixa que o Brasil esteja, nesses casos, ao lado do Estado genocida de Israel?

Depois de protestos dos movimentos sociais, dos parlamentares e também uma carta das intelectuais, acadêmicos e artistas de destaque no Brasil, o contrato pelos obuseiros da maior empresa militar israelense Elbit Systems foi suspenso no 8 de maio, por 60 dias, para “submeter o processo novamente à assessoria jurídica do Ministério da Defesa em razão de alterações feitas na fase final do processo de seleção da licitação”. Dia 9 de julho acabam os 60 dias. E depois?

Porque o governo não cancela esse contrato que destina um bilhão de reais do Novo PAC ao financiamento do genocídio israelense? Esse dinheiro podia pagar os salários de 333.325 enfermeiras ou 250 mil professores.

Porque a Petrobras abastece os tanques israelenses em Gaza com petróleo? Agora é hora de cortar todas as relações militares, proibir a exportação de combustíveis, de cancelar o Tratado de Livre Comércio com Israel e banir a importação dos produtos dos assentamentos ilegais israelenses.

*As opiniões contidas neste artigo não necessariamente refletem as do Brasil de Fato

** Este texto é parte do documento Brasil: Com ou contra o genocídio? que pode ser acessado aqui

Edição: Rodrigo Durão Coelho