Racismo no futebol

Câmara Legislativa do DF aprova política ‘Vini Jr’ de combate ao racismo nos estádios

Projeto de Lei foi aprovado com 17 votos e uma abstenção; leis similares já valem em outros estados

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Em casos de confirmação de atitude racista por parte da torcida organizada, a partida poderá ser suspensa - Jose Jordan/AFP

O Distrito Federal está cada vez mais perto de promover o enfrentamento à discriminação racial nos estádios e arenas esportivas. Isso porque a Câmara Legislativa (CLDF) aprovou o projeto de lei 429/2023, que institui a política distrital "Vinícius Júnior" e cria o “Protocolo de Combate ao Racismo”. A proposta foi aprovada com 17 votos favoráveis e uma abstenção durante votação na última terça-feira (11) e agora aguarda sanção ou veto do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB).

O projeto estabelece medidas para combater o racismo em estádios e arenas esportivas. A mais significativa dessas medidas é a possibilidade de interrupção imediata da partida em andamento, caso seja denunciada ou constatada qualquer manifestação de comportamento racista ou discriminatório por parte de qualquer pessoa presente no evento. No caso de atos racistas cometidos por grupos de torcedores ou de reincidência durante o mesmo evento, está prevista a possibilidade de encerramento da partida pelo organizador ou pelo delegado do jogo.

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O projeto também inclui a realização de campanhas educativas contra o racismo durante os intervalos das partidas e o treinamento de funcionários e prestadores de serviços para assegurar o cumprimento das diretrizes da política distrital “Vinícius Júnior”. As ações que o projeto estabelece em casos desse tipo são:

  • Criação do “Protocolo de Combate ao Racismo” onde qualquer cidadão pode denunciar os casos de racismo e essas denúncias deverão ser averiguadas e respondidas prontamente;
     
  • Divulgação e realização de campanhas educativas de combate ao racismo nos períodos de intervalo ou que antecedem os eventos esportivos ou culturais nos estádios;
     
  • Divulgação das políticas públicas voltadas para o atendimento às vítimas de racismo nos estádios;
     
  • Divulgação das ações e projetos promovidos pelo Ministério da Igualdade Racial e pela Subsecretaria de Políticas de Direitos Humanos e de Igualdade Racial do Distrito Federal;
     
  • Capacitação dos funcionários e prestadores de serviços sobre o combate ao racismo.


Vinicius Júnior no jogo contra o Valencia em março deste ano, partida em que o atacante marcou dois gols / Foto: Instagram/Vinicius Júnior

Durante a votação na CLDF, o projeto de lei foi contestado apenas pelo deputado distrital Thiago Manzoni (PL), que indagou a possibilidade de algum torcedor presente no estádio fazer uma denúncia com o objetivo direto de interromper o andamento da partida e prejudicar o jogo. Na ocasião, o parlamentar sugeriu uma emenda supressiva que retire do texto a possibilidade de suspensão da partida em caso de denúncia do fato racista.

O deputado Max Maciel (Psol), autor do projeto, respondeu que a suspensão de jogos são aplicados em casos explícitos de ações racistas coletivizadas pela torcida organizada. Em caso de denúncias isoladas, houve na elaboração do projeto, que informa que em toda partida haverá um delegado para analisar e em um prazo que ele considerar necessário para julgar se a denúncia ou procede ou não. "Esse delegado, que passará por um treinamento específico para isso, determina se é 5 minutos, se é 1 minuto ou, se for um caso mais grave, encerramento da partida”, mostra o texto.

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Dessa forma, no procedimento de identificação de casos que se enquadrem na lei, a autoridade deverá comunicar imediatamente o plantão do juizado do torcedor presente no estádio, o organizador do evento esportivo e o delegado da partida, quando houver. Assim que possível, a informação deve ser repassada ao Ministério Público, à Defensoria Pública, ao Conselho Distrital de Promoção da Igualdade Racial (CODIPIR) e à Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa, por Orientação Sexual, contra Idosos ou Pessoas com Deficiência (Decrin).

Em contexto internacional, a aprovação na CLDF ocorre poucos dias depois de serem anunciadas as condenações à prisão de três pessoas que cometeram atos racistas contra Vinícius Júnior na Espanha, em decisão inédita no país. Na justificativa do texto da lei, Max Maciel considera que referência à postura do jogador de 23 anos como atual centro das atenções em casos de racismo no futebol é exemplar, pois ao ser "vítima de ataques racistas durante o jogo do campeonato espanhol La Liga".

A discriminação sofrida pelo jogador reverberou nos principais canais midiáticos do mundo e, devido à sua notoriedade, Vini Jr. se tornou símbolo de resistência. Além disso, diversos movimentos e figuras públicas reforçaram a necessidade da criação de uma política de incentivo ao respeito, bem como a criação de um protocolo de combate ao racismo em estádios e arenas esportivas". Em resposta à condenação de seus agressores na Espanha, o jogador carioca respondeu "Não sou vítima de racismo, sou algoz de racistas".

Ao longo dos primeiros meses de 2024, vários casos de racismo entre estudantes de escolas públicas e particulares do Distrito Federal foram denunciados na imprensa. Pelo menos dois deles aconteceram durante partidas esportivas. Em um dos incidentes, uma supervisora de um colégio particular em Taguatinga, que também é mãe de uma aluna, foi acusada de xingar racistas uma adolescente de 16 anos. O Distrito Federal registrou 214 casos de injúria racial entre janeiro e abril deste ano, uma média de quase dois casos por dia (1,78).

Outros estados

Além da unidade distrital, outros estados da federação aprovaram iniciativas similares. Também na terça-feira, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS) aprovou, por unanimidade, o projeto de lei "Vini Júnior", de autoria da deputada Luciana Genro (PSOL).

A proposta busca somar no combate à discriminação em estádios de futebol e demais arenas esportivas. O PL 267/2023 determina o “Protocolo de Combate à Discriminação”, a ser aplicado em casos de suspeita de racismo, injúria racial ou homofobia. O projeto segue para a sanção do governador do RS.

A deputada considera que “os casos de racismo contra o Vini Júnior são gravíssimos e sabemos que, no Brasil, infelizmente, essa também é uma realidade. Precisamos combater todas as formas de discriminação no esporte, para que quem pratica estes atos saiba que os crimes de ódio nos estádios terão consequências concretas nas competições esportivas”.

De acordo com o projeto de lei, a partida dever ser interrompida até que a conduta suspeita seja cessada. Caso o episódio se repita, os atletas deverão se retirar da quadra por 10 minutos. Se a situação persistir mesmo após essas duas medidas, a disputa deverá ser encerrada.

A proposta também estabelece que, se a ocorrência for registrada antes do início do jogo, o árbitro poderá cancelar a partida dependendo da gravidade do caso. Os organizadores e administradores dos estádios serão responsáveis por divulgar amplamente o protocolo estabelecido pela lei através de recursos visuais de grande alcance.


Protesto contra o racismo no futebol em jogo entre Athletico e Grêmio / Foto: Joka Madruga

Em 20 de novembro de 2023, Dia da Consciência Negra, a Câmara Municipal de Curitiba, no Paraná, aprovou a criação da Política Municipal Vini Jr., de combate ao racismo, à discriminação racial e outras formas de intolerância étnica nos estádios, ginásios e arenas esportivas da capital paranaense.

O projeto de lei é de autoria dos vereadores Giorgia Prates (PT), Herivelto Oliveira (Cidadania) e Professor Euler (MDB). Com 27 votos favoráveis e apenas um contrário, o projeto foi aprovado em primeiro turno. Caso aprovado em segundo turno e sancionado pelo prefeito Rafael Greca (PSD), o projeto visa que os estabelecimentos públicos e privados terão que seguir um protocolo de combate ao racismo que obedece regras semelhantes às já citadas.

Na Paraíba, uma proposta da deputada estadual Cida Ramos (PT) foi institucionalizada na Lei 12.957/2023, política estadual também batizada como Lei “Vini Jr”, prevê a paralisação ou mesmo o encerramento de partidas de futebol caso seja registrado ou denunciado algum ato racista, no estádio ou arena. 

O projeto foi publicado no Diário Oficial do Estado em dezembro do ano passado. “A proposta busca enfrentar o racismo nos estádios e nas arenas esportivas, através de medidas concretas de antirracismo, como a criação do ‘Protocolo de Combate ao Racismo’ que visa à possibilidade das autoridades esportivas de eventos realizados no Estado da Paraíba terem a obrigatoriedade de seguir um rito que propiciará a não anuência do poder público com práticas racistas”, afirmou Cida Ramos, em entrevista aos canais oficiais da Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB).

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Há dois anos, no Rio de Janeiro, vigora a Lei nº 7.227/2022, que estabelece que todos os eventos esportivos com capacidade superior a 5 mil pessoas divulguem, antes do início da partida, um aviso sobre as penalidades para o crime de injúria racial. Conforme a norma, o alerta deve ser exibido em telões ou anunciado por sistema de alto-falantes, sendo a organização do evento dispensada dessa obrigação se não possuir essas tecnologias.

A lei tem como objetivo combater casos como o do ex-goleiro Mario Lucio Costa, conhecido como Aranha, que, em 2014, jogando pelo Santos, foi alvo de ofensas racistas pela torcida do Grêmio durante uma partida em Porto Alegre. Vítima de racismo ao longo de sua carreira, encerrada em 2018, Aranha escreveu o livro "Brasil Tumbeiro", que aborda o problema no país.

"O Brasil sempre se negou a falar do problema. Não tem como um país evoluir e melhorar olhando apenas para uma pequena parte da população e deixando a maior parte de lado", destacou o ex-atleta em entrevista à Rio TV Câmara.

Para Aranha, o episódio de 2014 foi um marco para o futebol e o esporte em geral. "Todo mundo sabe que o racismo existe, e eu optei por demonstrar minha insatisfação", explicou. Ele também ressaltou a importância de implementar medidas como a lei sancionada no Rio de Janeiro. "Qualquer ação contra o racismo é benéfica para o país. Não fazer nada, não falar e não criar mecanismos contra o racismo é a pior opção", concluiu.

Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Rafaela Ferreira