Confederações adoram levantar hastag nas redes sociais sem se mover para resolver o problema
*Luiz Ferreira
Quem acompanhou o futebol espanhol nesse último final de semana deve ter visto o retorno de Vinícius Júnior ao estádio Mestalla, local onde recebeu uma chuva de insultos racistas em maio do ano passado. O jogo válido pela 27ª rodada de La Liga terminou empatado, com o atacante brasileiro marcando os dois gols do Real Madrid contra o Valencia. Vale lembrar que o escrete merengue só não concretizou a virada porque o árbitro Gil Manzano terminou o jogo com a bola no ar, segundos antes de Jude Bellingham balançar as redes adversárias pela terceira vez.
E a gente aqui reclamando da arbitragem do Carioquinha.
Enfim, o camisa sete do Real Madrid foi o grande nome da partida deste sábado (2) com gols e comemorações emblemáticas. No primeiro, ergueu o braço com punho cerrado, gesto característico do combate ao racismo. No segundo gol, Vini vibrou muito gritando “eu estou aqui”.
E como era de se esperar, Vini Jr foi recebido no Mestalla com todo tipo de hostilidade que você pode imaginar. Gritos, xingamentos, plaquinhas e ofensas racistas. Sim, meu amigo. Parece que a torcida do Valencia não aprendeu absolutamente nada. Mas calma que a situação fica ainda pior.
A brasileira Anna Anjos assistia o jogo e relatou ao repórter Gustavo Hofman, da ESPN, que presenciou os torcedores chamando o brasileiro de “mono” (macaco, em espanhol) e chegou a filmar o momento em que uma criança xingou Vinícius Júnior.
"Desde o início do jogo eu vi pessoas ofendendo o Vini, chamando de macaco. Em um momento do jogo vi um coro de toda a parte de trás do gol chamando ele de macaco. Mas o que mais me incomodou foi uma criança ao meu lado chamando ele de macaco o jogo todo. Eu disse que não era correto, mas é tão normal para eles que a mãe disse que não era ofensa, estava apenas o chamando de um animal", afirmou a brasileira.
Eu já falei aqui nesta coluna várias e várias vezes sobre a necessidade de se combater o racismo em todas as frentes, de se ter uma postura séria na conscientização do torcedor de todos os clubes do planeta sobre o assunto e a busca por punições para quem comete esse crime. Todo mundo sabe disso. Minha bronca, caro leitor, é outra.
Cadê a FIFA nessa história?
Por onde anda a entidade que comanda o futebol mundial? Onde está o presidente Gianni Infantino, que defendeu derrota automática para equipes envolvidas em casos de racismo não faz nem dois meses? Tá todo mundo se fazendo de besta agora?
Esse “sumiço estratégico” nem é o que me irrita mais. A questão aqui é que todas essas federações e confederações adoram levantar hastag nas redes sociais, colocar faixas na beira do gramado e promover amistosos contra isto e aquilo sem mover um mísero dedo pra resolver problemas como o racismo dentro dos estádios.
Para a CONMEBOL, por exemplo, a multa por voltar do intervalo atrasado numa determinada partida é maior do que o valor exigido de um clube cuja torcida se envolve em casos de racismo e/ou homofobia, por exemplo. Experimenta desrespeitar os chatíssimos protocolos de um jogo de Libertadores pra você ver o que acontece. Agora, imitar um macaco pro jogador ou pra torcida adversária não dá nada. Talvez uma multinha aqui e só.
Mas quem me irrita mais é a FIFA. Essa mesma, que adora levantar bandeira disto ou daquilo enquanto sorri para a grana de países que possuem mais violações à Declaração Universal dos Direitos Humanos do que o número de átomos no universo. Vemos torcidas de seleções europeias envolvidas até a alma com movimentos de extrema-direita e a FIFA simplesmente ignora o que acontece nas arquibancadas dos jogos que ela mesma organiza.
No caso da Espanha (uma das sedes da Copa, do Valencia e dos insultos racistas dirigidos a Vinícius Júnior, o caso (pelo menos no meu entendimento) é mais grave. Na prática, o que a FIFA está dizendo pra todo mundo é o seguinte:
Viole os direitos humanos e seja uma das sedes da Copa do Mundo.
Não sei se vocês lembram, mas a FIFA definiu que Argentina, Paraguai e Uruguai receberiam as partidas inaugurais da Copa do Mundo de 2030, enquanto Portugal, Marrocos e Espanha seriam as sedes das demais partidas. Isso ficou definido em outubro do ano passado, cinco meses depois do ocorrido no Estádio Mestalla. Sim, meus caros, a mesma Espanha que recebeu uma chamada firme do Minstério da Igualdade Racial em maio do ano passado por conta da chuva de xingamentos racistas direcionados para Vinícus Júnior foi escolhida como uma das sedes da edição que vai comemorar os cem anos das Copas do Mundo.
De maio de 2023 até aqui, só vimos algumas hastags nas redes sociais, faixas levantadas nos estádios, banners e algumas bandeirinhas.
Nenhuma ação concreta. Nenhuma chamada direta e mais forte na Real Federação Espanhola de Futebol (ou qualquer outra federação) sobre o problema do racismo nos estádios por parte da UEFA ou da FIFA. Nenhum recado lembrando que a Espanha é uma das sedes da Copa de 2030 e que, como tal, deveria ser a primeira a dar exemplo. E o principal: nenhuma menção a retirar o Mundial da Espanha caso a situação não mudasse.
Meus caros, não sejamos ingênuos. A FIFA tá cagando pro combate ao racismo. Enquanto o dinheiro continuar entrando nos cofres e os bolsos dos dirigentes continuarem cheios, o combate ao racismo nos estádios não será nada além de mais uma hastag bonitinha antes de cada campeonato. Temos um país cada vez mais conhecido pelos insultos racistas aos jogadores que ganhou uma Copa do Mundo pra chamar de sua. É patético. E revoltante.
Podem me chamar de ranzinza (sou mesmo e admito), podem me chamar de pessimista ou de qualquer outra coisa, mas eu duvido que isso mude. Diante de tudo o que vimos nesses últimos anos, não dá pra esperar muito da FIFA nesse sentido. E vida que segue, porque final de semana tem mais rodada de campeonato e mais dinheiro pra embolsar.
*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Mariana Pitasse