Em 2024, a África do Sul celebra 30 anos do Dia da Liberdade: 27 de abril de 1994 foi a data das primeiras eleições democráticas no país. Três décadas após a emblemática eleição de Nelson Mandela, a população negra luta para preservar a memória dessa conquista e enfrentar as forças neoliberais que mantêm a estrutura social do regime de apartheid intacta e o país como campeão mundial de desigualdade.
Esse é o tema do documentário O próximo passo: 30 anos da eleição de Mandela, lançado nesta sexta-feira (26) pelo Brasil de Fato. Por meio de depoimentos inéditos com lideranças políticas, de movimentos populares, historiadores, artistas e ex-prisioneiros políticos, o filme aborda como foi construída a luta popular que pôs fim ao apartheid, apontando os caminhos que levaram a realização das eleições em 1994. Com cerca de 20 milhões de votantes, foi a primeira vez que todas as pessoas acima de 18 anos tiveram direito a voto.
"A queda do apartheid como política na África do Sul tinha a ver com as pessoas trabalhando juntas. A única maneira que restou para o governo do apartheid era vir à mesa, negociar. Então, finalmente, o presidente, na época, F.W. De Klerk, fez um discurso no Parlamento da África do Sul, em 2 de fevereiro de 1990. Depois de seu discurso, Nelson Mandela foi libertado da prisão e várias organizações foram desbanidas. E o processo de negociação começou, mesmo que houvesse uma série de conflitos na África do Sul. Mas, no final, o objetivo final foi alcançado e realizado", explica Caephus Mkhashane, guia turístico no Museu do Apartheid.
Com direção de Iolanda Depizzol e Pedro Stropasolas, a produção do Brasil de Fato também denuncia que o Dia da Liberdade e o fim do regime de segregação racial não significou a conquista da igualdade entre a maioria negra e a minoria branca do país. É o que coloca em seu depoimento Irvin Jim, Secretário geral do Sindicato Nacional dos Metalúrgicos da África do Sul (Numsa)
"Aprendemos rapidamente que o que garantimos através disso era poder político, sem poder econômico. E ficou muito claro que o que tivemos foi um acordo negociado, onde basicamente a classe dominante na sociedade, que é a classe capitalista, que detém o complexo mineral, energético e financeiro, que constitui a economia da África do Sul, não estava preparada para, basicamente, retificar a propriedade de negros e africanos que são economicamente marginalizados, sem terra e despossuídos", pontua o líder da maior entidade de classe do país.
Eleições imprevisíveis
Os entrevistados de O próximo passo: 30 anos da eleição de Mandela também comentam a proximidade das eleições presidenciais deste ano. No dia 29 de maio, a África do Sul enfrenta as eleições mais imprevisíveis da era pós-apartheid. Em todos os pleitos eleitorais desde 1994, o Congresso Nacional Africano (ANC) venceu as eleições adquirindo a maioria do parlamento.
Mas o desemprego e o aumento da pobreza, principalmente entre os jovens, alimentam a dúvida sobre a continuidade do partido no poder. Cerca de 27,5 milhões de sul-africanos estarão habilitados a votar.
"A classe trabalhadora está sendo explorada, e as pessoas recebem uma miséria para trabalhar longas horas, e os serviços não são prestados aos pobres e marginalizados neste país. Essa é uma situação que acontece no mundo inteiro. Estamos vendo o capitalismo chegar até nós, e se nós não enfrentarmos o capitalismo, continuaremos a ser explorados", denuncia em seu depoimento Thapelo Mohapi, secretário-geral do maior movimento sul-africano de moradores de favelas, o Abahlali baseMjondolo.
"As realidades econômicas materiais, onde seus avós moravam, se você é uma pessoa negra e pobre, é provavelmente onde você está morando hoje. E onde seus avós moravam, como uma pessoa branca e rica, é provavelmente onde você ainda mora hoje. E isso é, de muitas maneiras, a razão pela qual há uma visão de que 1994 foi um primeiro passo, e um passo importante. Mas o segundo passo ainda precisa ser dado. 74% dos jovens estão desempregados na África do Sul. E, de novo, porque não mudamos realmente a estrutura econômica do apartheid. Isso é um fenômeno racial", finaliza o pesquisador Jonis Ghedi Alasow
Confira o documentário:
Edição: Thalita Pires