'Coragem'

'Não adianta empurrar com a barriga', diz líder indígena na Câmara após Lula voltar atrás em demarcações

Brasil de Fato apurou que Apib avalia judicialização de caso; manifestação se dá às vésperas do ATL 2024

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Toya Manchineri, coordenador-geral da Coiab, durante sessão na Câmara dos Deputados - Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

O coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Toya Manchineri, afirmou nesta sexta (19), sem citar diretamente o governo, que "não adianta empurrar [o reconhecimento de terras] com a barriga". A declaração vem um dia após o presidente Lula (PT) recuar em relação a quatro demarcações que seriam feitas na quinta (18). A manifestação de Manchineri se deu durante sessão solene da Câmara dos Deputados que lembrou os 35 anos da Coiab. A data também é a mesma em que se comemora o Dia dos Povos Indígenas no país.

Em sua fala, Manchineri lembrou o trecho da Constituição Federal de 1988 que garante os direitos das comunidades. "Hoje me parece que o Estado deixa de lado esse capítulo tão importante e conquistado pelos povos indígenas e seus parceiros e deixa faltar a questão, por exemplo, da demarcação e do reconhecimento dos territórios. Pra nós, é fundamental que o Estado brasileiro reveja as tomadas de decisão e que possa voltar novamente a fazer a demarcação e o reconhecimento dos territórios. Não adianta empurrar com a barriga porque vai causar muito mais pressão sobre os territórios e mais lideranças serão assassinadas. É hora de o Estado fazer o seu papel, ter a coragem de demarcar e fazer respeitar o que está na Constituição."

O Brasil de Fato apurou que, nos bastidores, a postura de Lula gerou indignação entre lideranças do segmento. Na manhã desta sexta (19), uma reunião interna da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), principal organização do campo, discutiu a possível judicialização do caso. A entidade argumenta que as normas que tratam do rito das demarcações, especialmente o Decreto nº 1775/1996, não dão margem para negociação política a respeito de áreas indígenas.

O processo prevê uma fase de recursos administrativos, mas em outras partes do andamento de cada caso, e não na fase final, status em que se encontram as quatro áreas não demarcadas por Lula. A outra via de possibilidade se dá na trincheira judicial, mas, em geral, a jurisprudência do Supremo tem sido historicamente favorável ao reconhecimento do rito. Na ocasião em que tratou do assunto, o petista disse que o adiamento das demarcações em questão ocorreu a pedido de governadores.

A reportagem apurou que, nos bastidores, o governo não fez chegar à Apib qualquer sinalização política sobre quando pretende finalizar a oficialização dessas áreas. Estavam previstas para homologação as terras do Morro dos Cavalos (SC), Toldo Imbu (SC), Portiguara Monte-Mor (PB) e Xukuru Kariri (AL). Por conta do adiamento, apenas as áreas de Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT) foram demarcadas entre as seis que estavam previstas para quinta (18).

Na próxima semana, o segmento indígena realiza em Brasília (DF) a 20ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), tradicional evento anual em que lideranças e entidades de todo o Brasil se reúnem para discutir demandas comuns, fazer cobranças políticas e apontar os rumos da luta coletiva. Na terça (23), uma sessão solene no plenário da Câmara dos Deputados irá comemorar a trajetória do ATL. A tendência é que o espaço vire palco de protestos contra a postura atual do governo.

De modo geral, lideranças da Apib têm avaliado internamente que o governo federal registrou avanços em questões como orçamento, atenção à saúde indígena e a gestão da crise humanitária que atinge o povo Yanomami, mas a entidade entende que a administração tem sido lenta no quesito das demarcações. Ao todo, mais de 200 áreas tradicionais aguardam reconhecimento oficial por parte do governo.

Edição: Nicolau Soares