Dados do Censo 2022 divulgados nesta sexta-feira (23) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o estado de São Paulo é o que tem o melhor serviço de esgoto do país: 90,8% da população tem acesso ao sistema de coleta, enquanto a média nacional é 62,5% e, no Amapá, o atendimento é de 11%.
A conquista da população paulista tem a ver com o trabalho da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Dos 645 municípios de São Paulo, a empresa é a responsável pela coleta de esgoto em 375, ou seja, 58%.
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Onde a Sabesp atua, aliás, o percentual de residências atendidas pelo serviço de coleta de dejetos é de cerca de 94%, o que puxa para cima a média paulista. O dado é do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema).
Mesmo assim, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) quer vender o controle da empresa e privatizá-la.
Em dezembro, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou um projeto de lei enviado por Tarcísio para viabilizar a venda da empresa. No último dia 15, Tarcísio divulgou a minuta do contrato de privatização.
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Para o sociólogo Edson Aparecido da Silva, secretário executivo do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), a privatização é um contrassenso.
"A Sabesp é uma empresa que mantém investimentos que possibilitarão universalizar o serviço de saneamento antes de 2033, que é o prazo estabelecido por lei nacional; é uma empresa que dá lucros significativos em anos consecutivos; é considerada uma das maiores empresas do Brasil e do mundo", afirmou ele.
Para ele, os dados do IBGE comprovam que a privatização da empresa é um erro. "Vamos abrir mão de uma das maiores empresas do mundo para atender aos anseios privatistas do governador", alertou Silva.
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Discussão com municípios
A privatização está em processo de discussão com 375 municípios atendidos pela empresa, incluindo a capital São Paulo. Para isso, foi anunciada a realização de oito audiências públicas, número considerado reduzido pela oposição de Tarcísio. A primeira delas ocorreu nesta sexta-feira (23), na capital paulista.
As cidades mantêm contratos com a empresa para gestão do seu sistema de saneamento. Eles precisam avaliar se querem manter esses contratos mesmo em caso de privatização da empresa. Uma negativa reduziria o mercado da Sabesp e poderia afetar o interesse de empresários na compra do controle da empresa.
A ideia do governo de São Paulo, inclusive, é que os municípios renovem os contratos com a Sabesp até 2060. Isso daria aos novos administradores da empresa uma garantia de que teriam clientes e receita nos primeiros anos de nova gestão.
Na Câmara de Vereadores de São Paulo, há dúvidas se haverá apoio para privatização da Sabesp, principalmente por conta do apagão causado por falhas na gestão privada da antiga Eletropaulo, atual Enel. Cerca de 40% do faturamento da Sabesp vêm da capital.
Existe um grupo de cidades avaliando em conjunto as renovações.
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Compromissos e regras tarifárias
O governo também precisará apresentar compromissos sobre expansão do atendimento da Sabesp em cada município e sobre as regras tarifárias da companhia após a privatização. A promessa é de redução da conta de água aos mais pobres. A minuta do contrato com São Paulo, contudo, não prevê a continuação das tarifas social e vulnerável, destinadas à população mais pobre.
Na tarifa social, o paulistano paga R$ 22,38 na conta de água, independente do consumo. Na modalidade vulnerável, a tarifa fica em R$ 17,06. Nas duas situações, o cidadão deve apenas comprovar que a renda familiar é inferior a três salários mínimos.
Venda de ações na Bolsa de São Paulo
Depois disso tudo, ações da Sabesp devem ser vendidas na Bolsa de Valores de São Paulo, a B3. A empresa já tem capital aberto, ou seja, ações negociadas em bolsa.
O que o governo pretende fazer é colocar novas ações à venda e, com isso, diluir sua participação na companhia e seu poder sobre ela.
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Atualmente, o Estado detém 50,3% do capital da empresa – ou seja, é o acionista majoritário. Não está definido quantas ações serão vendidas.
A venda de ações precisa cumprir um rito da Comissão de Valores Imobiliários (CVM). O governo espera concluí-la até julho de 2024.
Tentativas de barrar o processo
A oposição estuda entrar com uma ação judicial alegando a inconstitucionalidade da privatização. Deputados do PT e do PSOL dizem que a venda do controle da empresa por meio de uma lei ordinária é ilegal já que a Constituição de São Paulo diz que o Estado "assegurará condições para eficiente administração dos serviços de saneamento básico".
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Há também discussões jurídicas sobre o estudo que embasou privatização. Caso uma dessas ações seja julgada procedente pela Justiça, a privatização teria de ser reiniciada, atrasando o processo.
Edição: Nicolau Soares