As investigações da Polícia Federal (PF) sobre a trama golpista que envolveu auxiliares, ministros e militares de alta patente durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) apontam que o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, discutiu sobre infiltrar agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nas campanhas eleitorais e afirmou que "se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições".
A informação foi revelada por Heleno durante uma reunião ministerial realizada em 5 de julho de 2022 pelo então presidente Jair Bolsonaro e que contou com as participações dos então ministros Anderson Torres (Justiça), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Walter Souza Braga Netto (Casa Civil) além do próprio Heleno e do chefe-substituto da Secretaria-Geral da Presidência, Mário Fernandes. A Polícia Federal encontrou o vídeo da referida reunião na residência do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, no ano passado.
Na decisão que autorizou a operação desta quinta, Moraes juntou trechos da transcrição do vídeo feita pela Polícia Federal. "Inicialmente, o General Augusto Heleno afirma que conversou com o Diretor-Adjunto da Abin Vitor (Carneiro, nomeado naquele ano para o posto) para infiltrar agentes nas campanhas eleitorais, mas adverte do risco de se identificarem os agentes infiltrados. Nesse momento, o então Presidente Jair Bolsonaro, possivelmente verificando o risco em evidenciar os atos praticados por servidores da Abin, interrompe a fala do Ministro, determinando que ele não prossiga em sua observação, e que posteriormente 'conversem em particular' sobre o que a ABIN estaria fazendo", diz trecho da transcrição.
Na decisão de Alexandre de Moraes, tornada pública nesta quinta, não há mais detalhes sobre se a investigação avançou sobre esse possível uso de agentes da Abin, mas há transcrição da sequência da fala de Heleno após ele ser interrompido por Bolsonaro. "O chefe do GSI/PR prossegue em sua fala e evidencia a necessidade de os órgãos de Estado vinculados ao Governo Federal atuarem para assegurar a vitória do então Presidente Jair Bolsonaro. Diz: 'Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições'".
'Vamos ter que agir'
Na sequência, segundo a transcrição da Polícia Federal, o então ministro do GSI fala abertamente em "agir" contra instituições e pessoas. A transcrição, porém, não deixa claro qual seria a ação proposta pelo ministro e contra quem seriam. Heleno também é general da reserva do Exército e na época chefiava o GSI, órgão sob o qual estava a Abin e a coordenação de ações de inteligência de Estado, incluindo a segurança do Presidente da República. Na época, Bolsonaro e seus auxiliares questionavam as urnas eletrônicas e estimulavam a propagação de informações falsas sobre o sistema eleitoral.
"Eu acho que as coisas têm que ser feitas antes das eleições. E vai chegar a um ponto que nós não vamos poder mais falar. Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas. Isso pra mim é muito claro", segue a transcrição da PF.
Para o ministro Alexandre de Moraes, o teor dos diálogos expostos na reunião ministerial, incluindo essa fala de Heleno, revela o "arranjo de dinâmica golpista" que teria se estruturado no governo Bolsonaro desde antes da eleição de 2022.
"A descrição da reunião de 5 de julho de 2022, nitidamente, revela o arranjo de dinâmica golpista, no âmbito da alta cúpula do governo, manifestando-se todos os investigados que dela tomaram parte no sentido de validar e amplificar a massiva desinformação e as narrativas fraudulentas sobre as eleições e a Justiça Eleitoral, entre outras, inclusive lançadas e reiteradas contra o então possível candidato Luiz Inácio Lula da Silva, contra o Tribunal Superior Eleitoral, seus ministros e contra ministros do Supremo", assinalou Moraes na decisão.
Heleno deve depor também sobre 'Abin paralela'
Alvo de mandados de busca nesta quinta-feira, Augusto Heleno era um dos ministros mais próximos de Bolsonaro. Ele foi intimado recentemente para depor em outra investigação da Polícia Federal, esta sobre a atuação de uma "Abin paralela" durante o governo Bolsonaro que teria produzido informações e espionado pessoas para atender aos interesses da família do presidente.
Heleno inclusive estava com depoimento previsto para a última terça-feira, (6), mas foi adiado após solicitação de sua defesa. O advogado do ex-ministro pediu o adiamento pois a defesa ainda não havia tido acesso aos documentos da investigação.
Heleno sempre negou ter conhecimento sobre a existência de uma "Abin paralela" no governo Bolsonaro. A reportagem tentou contato com seu advogado nesta quinta-feira, mais ainda não obteve retorno. O espaço está aberto para manifestação.
A reportagem também entrou em contato com a assessoria da Abin e questionou sobre a fala do ministro e se a Agência realizou alguma apuração interna sobre eventual uso de agentes nas eleições, mas ainda não obteve uma resposta até o fechamento deste texto.
Edição: Nicolau Soares