Ostracismo?

Cerco sobre Bolsonaro deve acelerar perda de apoio político entre 'moderados', dizem analistas

Simpatizantes do núcleo duro devem manter tom conspiratório de "perseguição"

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
General Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), foi um militar de alta patente alvo da PF nesta quinta - Marcelo Casall Jr/Agência Brasil

A operação da Polícia Federal (PF) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados nesta quinta-feira (8) deve provocar uma perda de apoio expressiva ao bolsonarismo no âmbito político e eleitoral, segundo analistas ouvidos pelo Brasil de Fato.  

Os bolsonaristas são investigados por participarem de uma organização criminosa que teria atuado na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, a fim de manter no poder o então presidente Jair Bolsonaro. 

Lincoln Telhado, doutorando em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), afirmou que a operação e suas implicações são “um tiro muito grave para os atores políticos que porventura venham a estar associados ou correlacionados com o bolsonarismo. E aí que eu acho que é o grande efeito, porque isso pode recair sobre os grupos políticos aliados do Bolsonaro”.  

Nas palavras do cientista político, o preço para apoiar o ex-presidente e seus aliados deve subir para os grupos políticos organizados que estão localizados à centro direita ou centro conservador. “Para a classe política, sem dúvida que essas investigações de hoje aumentam o custo de apoio ao bolsonarismo e a Bolsonaro”, analisa Telhado.  

Isso deve ficar mais claro em relação à situação de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, que foi alvo de buscas e apreensões nesta quinta-feira (8). Ele foi preso em flagrante por porte ilegal de armas, sem relação com os autos das investigações que levaram à diligência.  

"A classe política fica um pouco receosa de estar ligada ao Valdemar Costa Neto estando mais uma vez nos holofotes das investigações da Justiça”. Telhado, no entanto, destaca que o presidente do PL é uma “figura habilidosa”, que tem “conseguido fortalecer o PL a ponto de agregar tanto os interesses de um centrão pragmático quanto os interesses ali do Bolsonaro e dos apoiadores do Bolsonaro”, o que pode diminuir o custo político das investigações.  

Quanto ao eleitorado, o discurso de perseguição política contra Bolsonaro e de aparelhamento das instituições brasileiras pelo governo atual pode pesar mais do que os impactos negativos. “Para o eleitor, as ações da PF podem dar pano de fundo à narrativa de que o bolsonarismo vem pregando de perseguição. Isso tudo para na cabeça do eleitor do Bolsonaro pode soar como é uma confirmação daquilo que o ex-presidente vem falando em diversas ocasiões.” 

A linha é a mesma da análise da professora do curso de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mayra Goulart. Em suas palavras, entre os diversos setores que apoiam Bolsonaro, existe um núcleo fiel ao ex-presidente, que “já tem pouca identidade com o estado democrático de direito”.  

“Esse núcleo já vai receber essa informação sobre as investigações filtrada por temas como perseguição e por teorias da conspiração que vitimizam Bolsonaro e seus aliados. Então, para esse núcleo duro, não vai haver perda de apoio.” 

“Mas para aqueles apoiadores que não fazem parte do núcleo duro, sim. Desde a derrota eleitoral, vários apoiadores já se deslocaram do espectro de Jair Bolsonaro. Essa investigação de hoje aprofunda esse processo”, afirma Mayra Goulart. 

Saiba quem são os alvos e suas implicações 

A operação foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito do inquérito que apura a existência das milícias digitais e seu financiamento. O inquérito também investiga os atos golpistas do 8 de janeiro, que culminaram na invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes.  

De acordo com a PF, os grupos se estruturam em grupos com diversas finalidades, entre organizar os acampamentos golpistas, preparar o ato do 8 de janeiro, fazer a espionagem ilegal contra os ministros do STF e disseminar informações falsas.  

Ainda de acordo com a corporação, a minuta de um decreto golpista encontrada na residência do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, teria sido escrita por Filipe Martins, assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, e o advogado Amauri Feres Saad. O documento recomendava a prisão dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes e Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso Nacional, Gilmar Mendes.  

O ex-presidente Bolsonaro também teria pedido alterações no documento a Filipe Martins, mantendo a prisão somente de Moraes e solicitando a realização de novas eleições. “Nesse sentido, era relevante para os investigados monitorarem o Ministro ALEXANDRE DE MORAES para executarem a pretendida ordem de prisão, em caso de consumação do Golpe de Estado”, traz a decisão de Moraes. 

As informações teriam sido corroboradas com a delação do coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. 

Além de Bolsonaro, também foram alvos da operação pessoas muito próximas ao ex-presidente: Valdemar Costa Neto, presidente do PL; Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); e Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública.  

Dois ex-assessores de Bolsonaro foram presos, Filipe Martins, assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, e o coronel Marcelo Câmara ex-ajudante de ordens, e o major do Exército Rafael Martins de Oliveira, com formação em Forças Especiais. 

Os alvos são investigados por supostamente participarem de uma organização criminosa que teria atuado na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, a fim de manter no poder o então presidente Jair Bolsonaro. 

Nesta quinta-feira (8), foram cumpridos 33 mandados de busca e apreensão, quatro mandados de prisão preventiva e outras 48 medidas cautelares, incluindo proibição de contato com os demais investigados, proibição de se ausentarem do país, com entrega dos passaportes no prazo de 24 horas e suspensão do exercício de funções públicas.   

Os mandados estão sendo cumpridos nos estados do Amazonas, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Ceará, Espírito Santo, Paraná, Goiás e no Distrito Federal.  

As investigações da Operação Tempus Veritatisas indicam que, durante o período eleitoral de 2022, foram organizados grupos para disseminar informações falsas sobre fraude nas eleições, mesmo antes das votações. O objetivo era viabilizar uma intervenção militar.  

De acordo com a PF, “o primeiro eixo consistiu na construção e propagação da versão de fraude nas Eleições de 2022, por meio da disseminação falaciosa de vulnerabilidades do sistema eletrônico de votação, discurso reiterado pelos investigados desde 2019 e que persistiu mesmo após os resultados do segundo turno do pleito em 2022”.   

Já o “segundo eixo de atuação consistiu na prática de atos para subsidiar a abolição do Estado Democrático de Direito, através de um golpe de Estado, com apoio de militares com conhecimentos e táticas de forças especiais no ambiente politicamente sensível”.   

Os fatos investigados podem levar à imputação pelos crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.  

O advogado de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, disse que o ex-presidente entregará o seu passaporte às autoridades competentes, como foi determinado pela Justiça. “Já determinou que seu auxiliar direto, que foi alvo da mesma decisão, que se encontrava em Mambucaba [em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro], retorne para sua casa em Brasília, atendendo a ordem de não manter contato com os demais investigados”, declarou.  

Repercussão nas redes 

No mundo político, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) evitou adjetivar a operação de hoje. Em uma mensagem amena, escreveu que “é muito difícil um presidente da República comentar sobre uma operação da Polícia Federal que ocorre em segredo de justiça”. Também disse que esperar que as operações ocorram sem “nenhum excesso e seja aplicado o rigor da lei. Sabemos dos ataques à democracia. Precisamos saber quem financiou os acampamentos. Vamos esperar as investigações”, disse em entrevista à Rádio Itatiaia. 

Seus apoiadores, no entanto, foram mais incisivos. Gleisi Hoffmann, presidente do PT, disse que “o tempo da verdade chegou”. A deputada federal destacou, porém, que não se trata de uma “perseguição” contra Bolsonaro e seus aliados, como o ex-presidente reitera cotidianamente.  

“Não é perseguição, é a conclusão de um detalhado inquérito da Polícia Federal sob supervisão do Supremo Tribunal Federal, que desvendou a trama e seus novelos sujos. A grande mentira sobre fraude eleitoral, disseminada por Bolsonaro e seu gabinete do ódio, preparou o terreno para militares corrompidos por ele prepararem as manifestações golpistas diante dos quartéis e os atentados de 8 de janeiro”, escreveu Hoffmann em seu perfil no X.  

O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), por sua vez, escreveu que os oficiais das Forças Armadas “não esperavam uma responsabilização pela “articulação bolsonarista”. “Augusto Heleno, Braga Netto e cia devem estar surpresos. Ao longo da história sempre foram blindados. Vamos acompanhar as próximas etapas. Jair Bolsonaro está proibido de visitar Trump e Milei”, escreveu também em seu perfil no X.  

Confira a lista completa dos alvos da operação: 

Valdemar Costa Neto, presidente do PL – partido pelo qual Bolsonaro disputou a reeleição; 

Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022; 

General Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); 

Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública; 

General Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército; 

Almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha; 

General Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército; 

Tércio Arnaud Thomaz, ex-assessor de Bolsonaro e considerado um dos pilares do chamado "gabinete do ódio"; 

Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro; 

Marcelo Câmara, coronel do Exército citado em investigações como a dos presentes oficiais vendidos pela gestão Bolsonaro e a das supostas fraudes nos cartões de vacina da família Bolsonaro; 

Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército; 

Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército; 

Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão reformado do Exército expulso após punições disciplinares; 

Amauri Feres Saad, advogado citado na CPI dos Atos Golpistas como "mentor intelectual" da minuta do golpe encontrada com Anderson Torres; 

Angelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército que chegou a ocupar cargo de direção no Ministério da Saúde na gestão Eduardo Pazuello; 

Cleverson Ney Magalhães, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres; 

Eder Lindsay Magalhães Balbino, empresário que teria ajudado a montar falso dossiê apontando fraude nas urnas eletrônicas; 

Guilherme Marques Almeida, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres; 

Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel do Exército; 

José Eduardo de Oliveira e Silva, padre da Diocese de Osasco e apoiador de Bolsonaro; 

Mario Fernandes, general da reserva do Exército e ex-chefe de Monitoramento da Lei de Acesso à Informação, função ligada à Secretaria-Geral da Presidência da República; 

Ronald Ferreira de Araújo Júnior, oficial do Exército; 

Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, tenente-coronel; 

Laércio Virgílio. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho