CERCO SE FECHA

Operação da PF desvendou 'projeto de poder', avalia especialista em Forças Armadas

Jorge Rodrigues acredita que Forças Armadas podem tentar resolver crise entregando a cabeça do Almirante Almir Garnier

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O general Heleno é um dos militares mais próximos do ex-presidente Jair Bolsonaro - Sérgio Lima

A operação da Polícia Federal na manhã desta quinta-feira 8 de fevereiro, já entra para a história do país e escancara o “projeto de poder” de militares que viveram o golpe de 1964 no Brasil, de acordo com Jorge Rodrigues, pesquisador do Instituto Tricontinental.

O ineditismo fica por conta da quantidade de alvo militares do Alto Comando das Forças Armadas, próximos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e que teriam envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado no país.

“Há neles uma ânsia e um projeto de poder. Mas não é sobre indivíduos”, explica Rodrigues. “Essa investigação mostra que esse projeto de poder se arraigou nos militares, não estou generalizando, mas esse caldo de cultura que provocou 1964...segue provocando várias tentativas de ingerência política, inclusive com tentativas de golpe”, contou o pesquisador ao Brasil de Fato.

Entre os militares alvos da operação da Polícia Federal estão o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil; general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; general Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército; e o Almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha (veja o que ele disse sobre a operação).

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Já é possível dimensionar o tamanho do impacto dessa operação? São quadros da alta cúpula das Forças Armadas flagrados orquestrando um golpe, no ano em que lembramos os 60 anos do golpe de 1964.

Jorge Rodrigues: Isso é sintomático porque vivemos em um país que insiste em negar o elefante na sala, que é o caráter antidemocrático de nossas Forças Armadas. Estamos falando de generais e almirantes, figuras que passaram por formação interna, por escolha de seus pares, ao topo da carreira. Então, neste momento nos perguntamos: “Esses são os quadros que nossas Forças estão formando? Essa é a elite?”. Eu gosto de lembrar sempre que o general Heleno era primeiro na maioria das escolas militares que passou. Esses processos e essas operações começam com a prisão do Mauro Cid, acho que ainda estamos no início do fundo do poço.

Brasil de Fato: Nós temos entre os alvos de busca os generais Augusto Heleno e Braga Netto, o Almirante Almir Garnier, enfim, nomes que viveram a Ditadura Militar no país. É possível dizer que esses militares ainda guardam um desejo pelo poder?

Sim, há neles uma ânsia e um projeto de poder. Mas não é sobre indivíduos, realmente essas figuras viveram o período militar e o Heleno, inclusive, era assessor direto do Silvio Frota, que era linha dura da ditadura. Não podemos reduzir aos indivíduos, porque essa investigação mostra que esse projeto de poder se arraigou nos militares, não estou generalizando, mas esse caldo de cultura que provocou 1964, que provocou Silvio Frota e Heleno, segue provocando várias tentativas de ingerência política, inclusive com tentativas de golpe, como estamos vendo hoje.

De novo, são altos oficiais das Forças Armadas. Não sei se todo mundo lembra, mas no começo do governo se dizia que se Bolsonaro tentasse um golpe, seria pela base, as baixas patentes. Mas veja, foi o contrário, veio entre os generais.

Brasil de Fato: Você acha que existe resistência ao golpe dentro das Forças Armadas?

Eu entendo que havia militares do Alto Comando que tinham uma leitura menos grosseira da realidade, de entender que não havia apoio para o golpe. A mudança do Donald Trump para o Joe Biden mudou o contexto político e não havia mais um apoio dos EUA a isso (golpe). Alguns militares do Alto Comando entenderam que as condições para esse golpe não estavam dadas. No fim das contas, podemos dizer com mais certeza é que o Alto Comando reflete o corporativismo das Forças Armadas e, por isso, vão serrar fileiras entorno dos seus.

Brasil de Fato: Quais devem ser as consequências dessa operação internamente nas Forças Armadas?

Em primeiro lugar, vai gerar tensionamento. Os militares vão se unir em oposição ao externo, que é o Judiciário, na figura do ministro Alexandre de Moraes, que tem adotado posturas acertadas, no meu entendimento.

Ele se pronuncia nos autos, aguarda o rito legal das operações, enfim, o Judiciário está funcionando. Devemos ouvir um discurso de perseguição, mas isso não existe. O segundo ponto é que talvez as Forças Armadas escanteie alguns quadros para preservar a instituição.

Neste caso, apostaria que o primeiro será o Almirante Almir Garnier. Talvez isso não seja suficiente e outros teriam que ser jogados aos leões, mas o objetivo será a preservação da instituição, porque é assim que os militares são formados. O terceiro ponto é que essa operação coloca um peso no governo de Lula para que exerça autoridade sobre os militares.

Edição: Rodrigo Durão Coelho