No mais duro golpe ao bolsonarismo e aos militares apoiadores do ex-presidente, a investigação da Polícia Federal (PF) que culminou na Operação Tempus Veritatis nesta quinta-feira, (8), destrinchou seis núcleos que atuaram de dentro do governo Jair Bolsonaro, incluindo militares de alta patente e das Forças Especiais que estariam comprometidos com o golpe de Estado e articulariam pressão sobre oficiais legalistas.
A proposta golpista, inclusive, ficou registrada em minutas que foram discutidas pessoalmente com Jair Bolsonaro. Em uma delas, era previsto até a prisão do presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD), e dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.
As investigações utilizaram informações fornecidas pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid, que fechou um acordo de delação premiada.
Segundo o inquérito, o próprio Bolsonaro teve acesso à minuta golpista que previa as prisões e sugeriu que ela fosse alterada para constar somente a prisão de Alexandre de Moraes, que foi vigiado e teve seus voos monitorados por militares. Além disso, Bolsonaro convocou uma reunião com os comandantes das três forças para apresentar o documento. Na ocasião, somente o então comandante da Marinha, Almir Garnier, teria indicado apoio ao golpe
"Conforme descrito, os elementos informativos colhidos revelaram que Jair Bolsonaro recebeu uma minuta de Decreto apresentado por Filipe Martins e Amauri Feres Saad para executar um golpe de Estado, detalhando supostas interferências do Poder Judiciário no Poder Executivo e ao final decretava a prisão de diversas autoridades, entre as quais os ministros do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do Presidente do Senado Rodrigo Pacheco e, por fim determinava a realização de novas eleições. Posteriormente foram realizadas alterações a pedido do então Presidente permanecendo a determinação de prisão do Ministro Alexandre de Moraes e a realização de novas eleições", afirma a representação da PF.
A própria PF identificou trocas de mensagens de Whatsapp entre Mauro Cid e Marcelo Câmara, outro auxiliar de Bolsonaro, sobre os itinerários de viagem de uma pessoa não identificada e cruzou as informações com as viagens realizadas por Alexandre de Moraes, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"A investigação constatou que os deslocamentos entre Brasília e São Paulo do ministro Alexandre de Moraes são coincidentes com os da pessoa que estava sendo monitorada e acompanhada pelo grupo. Assim, o termo "professora" utilizado por Mauro Cid e Marcelo Câmara seria um codinome para a ação que tinha o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral como alvo. A agenda do Ministro em comparação com as datas em que os diálogos foram realizados guardam contemporaneidade com as reuniões já descritas que ocorreram no Palácio da Alvorada com Filipe Martins, Amauri Saad e, posteriormente, com os chefes das Forças Armadas e com o então Ministro da Defesa. Considerando que a minuta do decreto que declarava o golpe de Estado previa a prisão do ministro Alexandre de Moraes, o acompanhamento e monitoramento da autoridade - inclusive durante o Natal (24/12/2022) - demonstra que o grupo criminoso tinha intenções reais de consumar a subversão do regime democrático, procedendo a eventual captura e detenção do Chefe do Poder Judiciário Eleitoral", segue a Polícia Federal.
Militares de alta patente e incitação às Forças Armadas
Segundo informações expostas da decisão de Alexandre de Moraes que autorizou a operação desta quinta, a investigação da Polícia Federal revela que a tentativa de golpe envolveu seis núcleos de atuação, alguns deles já conhecidos, como o gabinete do ódio.
Outros núcleos, porém, só tiveram sua atuação revelada agora e, segundo a PF, envolveriam militares de alta patente e os ex-ministros militares do círculo de confiança de Bolsonaro, como os generais da reserva Augusto Heleno e Walter Braga Netto, além do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, e o então comandante de Operações Terrestres do Exército, Estevam Theophilo Gaspar de Oliviera.
Segundo a PF, os oficiais de alta patente "agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do golpe de Estado", formando assim um núcleo próprio que teria apoiado outros núcleos.
O então comandante de Operações Terrestres do Exército, Estevam Theophilo Gaspar de Oliviera, teria se reunido com Bolsonaro em 9 de dezembro de 2022, já depois do segundo turno das eleições presidenciais, e teria sinalizado que concordaria com o golpe se o então presidente assinasse a minuta golpista que previa a prisão de Moraes:
A PF cita Braga Netto como o membro de um núcleo que também atuou para incitar os próprios militares a aderir ao golpe. Este núcleo teria como forma de atuação a "eleição de alvos para amplificação de ataques pessoais contra militares em posição de comando que resistiam às investigadas golpistas. Os ataques eram realizados a partir da difusão em múltiplos canais e através de influenciadores em posição de autoridade perante a ‘audiência’ militar."
Um dos integrantes deste núcleo, inclusive, seria o comentarista da Jovem Pan e neto do general João Baptista Figueiredo, Paulo Figueiredo Filho. Ele chegou a divulgar uma carta que os militares golpistas estavam preparando para pressionar o então comandante do Exército, general Freire Gomes, e também expôs nomes de militares que não estariam concordando com as iniciativas golpistas além de, segundo a PF, ter atuado no "contexto de propagação de desinformação golpista e antidemocrática".
Também havia, segundo as investigações, um núcleo de inteligência paralela, capitaneado por Augusto Heleno, com a participação de Mauro Cid e Marcelo Costa Câmara, para a "coleta de dados e informações que pudessem auxiliar a tomada de decisões do então Presidente da República Jair Bolsonaro na consumação do golpe de Estado. Monitoramento do itinerário, deslocamento e localização do Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e de possíveis outras autoridades da República com objetivo de captura e detenção quando da assinatura do decreto de golpe de Estado".
Havia também um núcleo de apoio operacional às manifestações, que recebia orientações de Mauro Cid sobre protestos e até promessas de que as Forças Armadas iriam garantir a segurança dos manifestantes golpistas. "A partir da coordenação e interlocução com o então Ajudante de Ordens do Presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cedar Cid, atuavam em reuniões de planejamento e execução de medidas no sentido de manter as manifestações em frente aos quartéis militares, incluindo a mobilização, logística e financiamento de militares das forças especiais em Brasília", diz a PF.
Os demais núcleos seriam o de desinformação, formado por integrantes do gabinete do ódio, e o de apoio jurídico, formado por auxiliares de Bolsonaro como Filipe Martins e que auxiliaram na elaboração das minutas golpistas.
Ao todo, a operação desta quinta-feira cumpre 33 mandados de busca e apreensão, 16 contra militares, e quatro mandados de prisão. Confira abaixo os alvos dos mandados de busca:
Valdemar Costa Neto, presidente do PL – partido pelo qual Bolsonaro disputou a reeleição;
Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022;
Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública;
General Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa
Almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha;
General Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
Tércio Arnaud Thomaz, ex-assessor de Bolsonaro e considerado um dos pilares do chamado "gabinete do ódio";
Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro;
Marcelo Câmara, coronel do Exército citado em investigações como a dos presentes oficiais vendidos pela gestão Bolsonaro e a das supostas fraudes nos cartões de vacina da família Bolsonaro;
Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército;
Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército;
Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão reformado do Exército expulso após punições disciplinares;
Amauri Feres Saad, advogado citado na CPI dos Atos Golpistas como "mentor intelectual" da minuta do golpe encontrada com Anderson Torres;
Angelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército que chegou a ocupar cargo de direção no Ministério da Saúde na gestão Eduardo Pazuello;
Cleverson Ney Magalhães, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres;
Eder Lindsay Magalhães Balbino, empresário que teria ajudado a montar falso dossiê apontando fraude nas urnas eletrônicas;
Guilherme Marques Almeida, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres;
Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel do Exército;
José Eduardo de Oliveira e Silva;
Laércio Virgílio;
Mario Fernandes;
Ronald Ferreira de Araújo Júnior;
Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros.
Edição: Matheus Alves de Almeida