Encerrar o conflito armado entre Estado e grupos guerrilheiros que já dura décadas no país. Foi com essa promessa, considerada por analistas como necessária e audaciosa, que Gustavo Petro se tornou o primeiro presidente de esquerda a governar a Colômbia. Logo no primeiro ano de seu mandato, ele enviou ao Congresso um projeto batizado de "paz total", que busca construir acordos de paz com grupos armados colombianos e transformar o tema em uma política de Estado.
Entretanto, um ano após a histórica aprovação da proposta no Legislativo, as negociações estiveram ameaçadas nas últimas semanas por dificuldades impostas pela complexidade dos conflitos.
Tensões com dois dos principais grupos guerrilheiros da Colômbia estremeceram os planos de paz do governo: o envolvimento do Exército de Libertação Nacional (ELN) no sequestro do pai de um famoso jogador de futebol colombiano e a saída, ainda que momentânea, do Estado Maior Central (EMC) das mesas de negociação. Para o cientista político colombiano Jairo Ramírez, o projeto de Petro sofre com suas próprias virtudes já que, por se tratar de uma iniciativa inédita, enfrenta dificuldades que são difíceis de prever.
"Uma tarefa dessa natureza não é fácil, porque está sendo ensaiado um novo modelo de negociação para resolver o conflito, diferente do modelo que haviam aplicado em anos anteriores nas distintas tentativas de negociação com as elites dominantes daqueles momentos", afirmou ao Brasil de Fato o pesquisador.
Ramírez explica que planos de paz anteriores buscaram "subjugar as guerrilhas" e acabaram se transformando em "negociações cheias de travas, condições, com muitas linhas vermelhas que faziam com que a assinatura de um acordo fosse uma rendição, porque era se submeter às condições que a parte dominante impunha".
"Agora é diferente, há uma maneira mais aberta, mais razoável, mais disposta a facilitar condições para que haja esse acordo de paz, o que também faz com que aumente a complexidade para alcançar consensos entre as partes", diz.
As turbulências entre o governo e os grupos guerrilheiros fizeram com que Petro demitisse o alto comissário para a paz, Danilo Rueda, na última quarta-feira (22). O cargo agora será ocupado pelo ex-guerrilheiro Otty Patiño, que até o momento liderava a delegação governista na mesa de negociação com o ELN.
ELN, sequestros e paz interrompida
O Estado colombiano e o ELN já participaram de outras quatro tentativas de encerrar o conflito que se arrasta desde os anos 1960 no país. A primeira ocorreu ainda em 1975, outras duas surgiram na década de 1990 e, mais tarde, a última tentativa frustrada se deu durante o governo de Álvaro Uribe, entre 2005 e 2007.
Foi só em 2016, no governo de Juan Manuel Santos, e no ano em que foram assinados os Acordos de Paz com as Farc, que o ELN e o governo colombiano deram início a uma mesa de diálogos para a execução de um plano de paz definido. Entretanto, quando o direitista Iván Duque, ferrenho opositor a uma saída negociada para o conflito armado, sucedeu Santos na Presidência, os diálogos foram suspensos.
As negociações entre o governo Petro e o grupo, iniciadas em novembro de 2022, constituem uma retomada do processo iniciado em 2016, com atualizações no cronograma e nas reivindicações de ambas as partes. Por isso, o maior esforço da atual administração na aplicação do projeto de "paz total" é transformar os diálogos e acordos em políticas de Estado, na tentativa de evitar que eles sejam rompidos ou descumpridos por futuros presidentes.
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No entanto, as dificuldades não vêm apenas das mudanças presidenciais. O envolvimento do ELN - a maior e mais antiga guerrilha em atuação na Colômbia - no sequestro de Manuel Díaz, pai do jogador de futebol colombiano Luis Díaz, estrela do time britânico Liverpool e da seleção nacional, trouxe riscos à continuidade do processo.
Manuel foi sequestrado no dia 28 de outubro e ficou em cativeiro durante 12 dias. A ação foi condenada pelo governo colombiano e afetou as negociações com o grupo que já vêm acontecendo há um ano. A próxima rodada de diálogos entre as partes deve ocorrer nesta semana no México e, segundo Petro, o tema dos sequestros será central.
"Devemos estabelecer caminhos de superação completa da violência, de maneira integral. Se o ELN realmente tem uma vocação de paz - e eu espero que seja assim - então há passos que estão na hora de serem dados e o momento já chegou, esse é o momento de superar a luta armada", disse o presidente colombiano após a libertação de Díaz.
Do lado guerrilheiro, o primeiro comandante do ELN, Antonio García, disse que ainda não foi construído nenhum acordo sobre a prática de sequestros e afirmou que o grupo precisa "realizar operações militares para conseguir recursos financeiros, pois não nos financiamos através do narcotráfico".
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Ainda segundo García, os realizadores do sequestro de Manuel Díaz "não informaram o Comando Central que, entre seus objetivos, estava um familiar de Luis Díaz, só o fizeram após executar a operação. Por isso que ao tomar conhecimento, o Comando Central classificou [o sequestro] como um erro e ordenou sua libertação".
Para o cientista político Jairo Ramírez, a prática de sequestro para angariar fundos para os grupos armados deveria ser mais abordada nas rodadas de diálogo, “pois isso joga a opinião pública contra os processos e acaba incentivando setores da imprensa hegemônica que todo dia pressionam o governo a suspender os diálogos".
EMC, dissidências e cessar-fogo
Atritos também ocorreram com o Estado Maior Central (EMC), um dos grupos dissidentes das antigas FARC. No dia 5 de novembro, a guerrilha anunciou de maneira unilateral a saída das mesas de negociações, alegando que a presença do Exército colombiano na região de El Plateado teria violado acordos com o governo.
Na verdade, o deslocamento de tropas para essa zona fazia parte de um plano anunciado pelo presidente Gustavo Petro para ampliar a segurança durante as eleições regionais que ocorreram no dia 29 de outubro em todo o país. De acordo com o grupo armado, a presença de militares em El Plateado foi negociada e teve o aval do EMC, com a condição de que eles deixassem a região três dias depois da votação, no dia 1º de novembro.
A retirada, porém, terminou acontecendo só no dia 6 de novembro, o que teria desagradado o grupo e motivado sua saída das mesas de negociação. O governo, por sua vez, ainda não confirmou nem negou a existência de um acordo com o EMC, ainda que alguns jornais colombianos tenham afirmado que tiveram acesso a documentos que confirmam o pacto entre as partes.
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A decisão do grupo de abandonar os diálogos abalou o avanço das negociações, já que as partes haviam acabado de assinar um cessar-fogo, no dia 16 de outubro, que duraria três meses. No último dia 15 de novembro, o governo anunciou a retomada de negociações com o EMC, embora o grupo ainda não tenha confirmado o retorno às mesas.
"O diálogo com o EMC é um processo instável desde o princípio, há divergências entre as partes e até mesmo entre os representantes do grupo", disse ao Brasil de Fato o venezuelano Jorge Forero. Pesquisador do Centro de Investigação e Estudos Fronteiriços da Venezuela, ele afirma que a instalação de uma mesa de negociações com as dissidências das FARC foi uma grande vitória, mas agora o processo parece entrar "em um círculo vicioso".
"O EMC diz que o Exército rompeu os acordos por conta da presença de militares em zonas proibidas, algo muito complexo de confirmar, porque a Colômbia é um país que esteve marcado por cercos militares em várias regiões durante décadas. Não estou justificando, só quero dizer que é muito complicado para o governo Petro conseguir controlar casos de excessos de militares em situações de cessar-fogo como essas", explica.
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Para Jorge Forero, os casos recentes de turbulências envolvendo o ELN e o EMC evidenciam as dificuldades do projeto de Petro ser realizado a curto prazo, “apesar de sua importância histórica para a Colômbia”. “Existem contradições que estão relacionadas com interesses econômicos, políticos e até geopolíticos de alguns setores que instrumentalizam o conflito no país”, afirma.
Jairo Ramírez concorda e acusa a extrema direita colombiana de ser o maior inimigo da paz no país. “Esse setor quer a reativação da guerra, não somente com os grupos ativos, mas também querem que os firmantes da paz voltem à guerrilha porque não os querem na vida pública, portanto se trata de uma classe política absolutamente reacionária”, diz.
Edição: Leandro Melito