Por décadas, a comunidade científica tem advertido repetidamente e de forma alarmante sobre as mudanças climáticas. As evidências científicas não deixam dúvidas: a menos que sejam adotadas ações urgentes para mitigar os danos ambientais, os efeitos irreversíveis das mudanças climáticas terão consequências cada vez mais catastróficas.
Apesar da urgência da situação, poucas medidas concretas estão sendo tomadas globalmente. Conferências mundiais são realizadas todos os anos, mas ainda estão longe de se chegar a acordos capazes de reduzir significativamente a poluição e o aquecimento global.
A temperatura média global já aumentou 1,2°C, enquanto as metas estipuladas pelo Acordo de Paris - assinado em 2016 - visavam limitar o aquecimento global a 1,5°C até 2030. Caso os atuais planos climáticos nacionais permaneçam inalterados, o aquecimento global atingiria 2,5°C.
Cada vez mais perceptível, esta situação está tendo consequências dramáticas. Eventos climáticos extremos têm se tornado mais frequentes a cada ano. Estima-se que, somente nos últimos 30 anos, o número de desastres relacionados ao clima triplicou.
No início de maio, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgou o relatório Estado do Clima na América Latina e no Caribe 2023, que revela uma primeira conclusão inquietante: o ano passado foi “o ano mais quente já registrado”, enquanto “os últimos nove anos foram os mais quentes já registrados em todos os conjuntos de dados”.
O relatório detalha que, devido a eventos climáticos e meteorológicos extremos, “muitos países da região sofreram perdas agrícolas”, destacando que essa situação “exacerbou a insegurança alimentar”. Também indica que na maior parte da costa atlântica da região, “o nível do mar continuou subindo a um ritmo mais rápido do que a média global”. O que representa uma enorme ameaça, especialmente para os países insulares.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a pesquisadora Claudia Marín Súarez, coordenadora da equipe da América Latina e do Caribe do Centro de Investigaciones de Política Internacional de Cuba (CIPI), explica que, para o Caribe, a mudança climática “é uma questão existencial” que faz parte de “sua principal agenda externa”.
“Os pequenos estados insulares que ocupam o Caribe são altamente vulneráveis às mudanças climáticas. Estão constantemente expostos ao potencial destrutivo dos furacões que passam pela região, ano após ano. Ao mesmo tempo, também estão expostos ao risco de seus assentamentos urbanos ficarem submersos devido à elevação do nível do mar. Tudo isto tornou a mudança climática uma questão fundamental para o Caribe", explica.
O relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) observa que a temporada de furacões do Atlântico do ano passado “registrou um número de tempestades acima da média”. O aquecimento global tem um impacto direto sobre a intensidade dos furacões, fazendo com que eles se tornem mais poderosos e se intensifiquem mais rapidamente, provocando um tempo menor para evacuações e preparação das comunidades afetadas.
“A passagem destrutiva dos furacões afeta os países do Caribe em diferentes dimensões”, diz Marín Súarez. “É uma situação que força os países da região a desenvolver uma visão específica de longo prazo.
“Ano após ano, após a passagem de furacões, os governos precisam destinar fundos para reparar a infraestrutura perdida e os meios de subsistência, como alimentos, que são destruídos. Isso envolve um gasto muito significativo de recursos. Ainda mais para governos que, como a maioria na região, estão altamente endividados e têm muito pouco espaço fiscal para promover políticas públicas que permitam o desenvolvimento social", explica.
Responsabilidades compartilhadas, mas diferenciadas
Para atingir as metas estipuladas no Acordo de Paris, mudanças drásticas precisam ser feitas: as emissões de gases de efeito estufa devem ser reduzidas em 43%. Essa situação atinge diretamente o setor de energia, que é o principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa provenientes da queima de combustíveis fósseis.
Os eventos climáticos extremos afetam todo o planeta. No entanto, são os setores mais pobres da sociedade os mais prejudicados, embora sejam os que menos contribuem para a poluição global. Estima-se que os 10% mais ricos da população mundial produzam 50% das emissões globais de gases de efeito estufa, enquanto os 50% mais pobres contribuem com apenas 8% da poluição global.
O mesmo paralelo pode ser traçado entre os países. O país que mais tem poluído na história são os Estados Unidos, responsável por 24% de todas as emissões de CO2 registradas. Historicamente, a região que mais poluiu foi a Europa, com 33% das emissões de CO2.
Claudia Marín Súarez ressalta que “os países do Caribe, assim como muitos países do Sul Global, aplicam o princípio de ‘Responsabilidades compartilhadas, mas diferenciadas’. Isto significa que os países do Sul não têm as mesmas responsabilidades pelo nível de degradação ambiental. Há um acúmulo histórico de emissões de carbono, com base no padrão de desenvolvimento e consumo, que é de responsabilidade principalmente dos países do Norte”.
“Os países do Sul devem usar e explorar seus recursos naturais da forma mais sustentável possível. Enquanto a carga principal da redução das emissões de carbono, bem como a mudança dos padrões de consumo e exploração, deve recair sobre os principais responsáveis pela deterioração ambiental que estamos sofrendo hoje, ou seja, os países do Norte global”.
O futuro chegou
Eventos climáticos extremos não fazem parte de um possível futuro próximo. Enchentes, tempestades, secas e temperaturas extremas são uma realidade que afeta cada vez mais o nosso presente.
Portanto, é preciso que os países tomem medidas para mitigar os danos causados por essas situações. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) estima que, até 2030, os “países em desenvolvimento” terão de gastar entre US$ 140 bilhões e US$ 300 bi por ano para lidar com os danos causados pelas mudanças climáticas.
Claudia Marín Súarez afirma que apesar de serem países pequenos, o Caribe “tem demonstrado uma importante assertividade em termos de capacidade de propor iniciativas”. Entre essas propostas, destaca-se a “iniciativa de Bridgetown”, promovida por Mia Mottley, primeira-ministra de Barbados, e adotada por todo o CARICOM.
“Trata-se de uma proposta para reformar a atual arquitetura financeira internacional. Sem romper com ela, propõe mudanças nas diretrizes e eixos em torno dos quais os países acessam o financiamento. Propõe uma expansão do financiamento para países com vulnerabilidades diante das mudanças climáticas. Em outras palavras, propõe que o foco do financiamento seja nos efeitos das mudanças climáticas e na gestão de desastres naturais.
A Iniciativa de Bridgetown leva o nome da capital de Barbados. A iniciativa propõe o estabelecimento de uma “cláusula de pausa” que permitiria que os países mais vulneráveis a desastres naturais não pagassem suas dívidas externas durante os períodos em que precisassem desses recursos para cuidar de suas populações. Ao mesmo tempo, propõe-se a redução das taxas de juros que os países mais pobres pagam no mercado financeiro.
Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática 27 (COP27), no Egito, Mia Mottley resumiu o espírito que orienta as propostas do Caribe. Referindo-se à história das populações escravizadas do sul global para o benefício do norte global, ela sintetizou:
“Fomos nós que financiamos a revolução industrial com nosso sangue, suor e lágrimas. E agora temos que enfrentar a dupla penalidade de também pagar o custo do aumento das emissões? Isso é fundamentalmente injusto".
Edição: Rodrigo Durão Coelho