RACISMO ESTRUTURAL

Em SP, 56% dos presos por tráfico em 'enquadros' pela polícia são negros

PM é apontada em 80% dos processos por agressões no momento da prisão, revela pesquisa

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Homens presos no Centro de Detenção Provisória (CDP) de São Vicente no litoral sul de São Paulo - Defensoria Pública de SP

Mais da metade das pessoas presas por crimes relacionados à Lei de Drogas no Estado de São Paulo são negras, é o que revela a pesquisa “Liberdade Negra Sob Suspeita: o pacto da guerra às drogas em São Paulo”, produzida pela Iniciativa Negra junto à Rede Reforma e ao Núcleo Especializado de Situação Carcerária (Nesc) da Defensoria Pública de SP. 

O relatório divulgado nesta quinta-feira (23) mostra ainda que pessoas negras correm mais risco de serem presas durante patrulhamento, os chamados “enquadros”, correspondendo a 56%, ou por investigação de denúncia anônima (52%), ainda que sejam minoria no estado, correspondendo a 34,8% da população paulista, segundo dados do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

O levantamento que analisou 114 casos disponíveis em base pública de dados até fevereiro de 2020 e mostrou um viés de raça, classe e idade nas prisões foi tema de conversa com a advogada e diretora da Rede Reforma Gabriela Arima. “A diferença que notamos na pesquisa é que quando há pessoas brancas envolvidas, a polícia empreende mais empenho na investigação para que haja uma legalidade maior dessas ações. Quando se trata de pessoas negras na realidade isso se inverte completamente e eles basicamente desconsideram as formalidades necessárias que são requeridas pelo nosso ordenamento jurídico.”

A maior parte dos presos é jovem (58%) com idade entre 18 e 21 anos, e não tem antecedentes criminais (51% são réus primários). Quando se compara o grau de escolaridade dos acusados apenas 39% dos negros conseguiram completar o ensino médio, já quando olhada se trata da população branca, esse número sobe para 62%. Além disso, 71% das pessoas negras acusadas pela Lei de Drogas no estado não chegaram a completar o ensino fundamental.

Com relação a empregabilidade, o estudo destaca que 54% dos presos por algum tipo de crime relacionado à Lei de Drogas estavam desempregados no momento da prisão, 40% alegou ter uma ocupação profissional e, destes, 65% realizavam serviços gerais ou atuavam como técnicos de manutenção. 

“Apesar de não serem devidamente registrados dentro das legislações da CLT, ainda assim são pessoas que tinham um emprego. Estamos falando de vidas que são encerradas ali porque o estigma da prisão permanece com as pessoas. Pessoas que são provedores e provedoras nos seus lares e que acabam tendo a sua vida interrompida e consequentemente se interrompe também a vida de toda uma família”, diz Arima.

A maior parte dessas pessoas ganhava menos de um salário mínimo e são condenadas também a pagar valores exorbitantes de multa quando são presas, afirma a diretora da Rede Reforma. “São pessoas que são consideradas hipossuficientes, que são defendidas pela Defensoria Pública exatamente por não terem condições de arcar com uma advocacia privada e que ficam com essa dívida perante o estado para o resto das suas vidas.”

A pesquisa investigou ainda como se dão os processos de registro das ocorrências relacionadas ao tráfico de drogas. Na maioria dos casos não há presença de testemunhas civis: 87% dos casos, a única testemunha do processo criminal é a própria autoridade responsável pela prisão. 

Relatos de violência e agressões cometidas pelas autoridades policiais no momento das abordagens também foram identificadas nos processos analisados, em 80% deles esse tipo de violação física foi cometida por agentes da Polícia Militar do estado, seguida por Polícia Civil (13%) e Guarda Municipal Metropolitana (7%).

Ao aplicar um olhar racializado sobre essas informações, os pesquisadores perceberam que a maioria das pessoas que alegaram ter sofrido violência policial durante as abordagens são pessoas negras, um percentual de 66% dos casos, contra 33% de pessoas brancas.

Entre algumas recomendações, o estudo sugere que as instituições dos órgãos públicos garantam o acesso aos dados sobre o sistema penal e a Justiça Criminal por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e que reconheçam o racismo estrutural que vivenciamos. “A gente precisa encerrar este pacto entre o aparato policial e a justiça criminal para que a gente possa ter novamente dentro do Tribunal de Justiça de São Paulo a garantia e a defesa de direitos que é o objetivo da justiça”, salienta Gabriela. 

 

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