RACISMO ESTRUTURAL

Quilombolas têm suas casas destruídas pela Prefeitura de Barcarena (PA)

Famílias foram despejadas pela Prefeitura de Barcarena (PA) por conta de uma obra de saneamento

Belém (PA) | Brasil de Fato |

Ouça o áudio:

Truculência contou com a atuação da Policia Civil e Militar, além de representantes da prefeitura de Barcarena. - Quilombolas Sítio São João/Arquivo Pessoal

Na manhã desta quinta-feira (14), quatro famílias que vivem no território quilombola Sítio Conceição, em Barcarena (PA), foram despejadas por agentes da Polícia Civil, Polícia Militar e por representantes da prefeitura do município, localizado no nordeste do estado. As pessoas, que tiveram suas casas destruídas, estão agora na casa de amigos.

::Leia também: Quilombolas que tiveram casas destruídas no PA devem retomar território, diz Ministério Público::

Para Roberto Chipp, liderança da comunidade quilombola de Sítio Conceição, a prefeitura alega que a de desapropriação foi feita no bairro Pioneiro, mas esse é um bairro  vizinho à comunidade quilombola.

“A prefeitura tinha a intenção de me prender, e ainda usar argumento legal. Infelizmente eu não pude ir para o enfrentamento, para a minha segurança, fiquei dando auxílio de longe e nem fiz um B.O na delegacia porque temo pela minha vida".

A ordem de despejo foi expedida pela 1ª Vara Federal Cível e Empresarial da Comarca de Barcarena (PA), que acatou um pedido de posse do território feito pela Prefeitura. (veja a ação da prefeitura no vídeo). 

Entenda o caso

O conflito de terra envolve uma obra de saneamento do município, que irá atravessar o território com esgoto da cidade. O requerimento foi feito em nome do prefeito de Barcarena, Renato Ogawa (PL) e da empresa Águas de São Francisco Concessionária de Saneamento S.A. A área em disputa é de mais de 3.600 m² para solução de instalação de "soluções para tratamento de esgoto".

Em 2017, a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) classificou a cidade de Barcarena como sendo a pior no índice de saneamento do país, ficando em último lugar em coleta e o tratamento e destino final do lixo e esgoto produzidos. Segundo a ABES, o município paraense não possui local para destinação do lixo, apenas 10% do esgoto é coletado e nada é tratado.

Na decisão expedida pela 1ª Vara Federal Cível e Empresarial da Comarca de Barcarena (PA), a juíza acata a decisão dizendo que "a medida limiar se faz necessária, eis que os réus invadiram a sua propriedade e realizaram construções irregulares sobre o imóvel".

Os quilombolas, por sua vez alegam uma relação ancestral com o território, que tem amparo, inclusive, em reconhecimentos pela Fundação Cultural Palmares com publicação ainda no Diário Oficial do Estado do Pará.

Além disso, eles afirmam que o local foi cercado pela prefeitura e mais famílias serão expulsas nos próximos dias. Ao todo vivem no Sítio Conceição cerca de 200 famílias quilombolas.  

No entanto, outros territórios serão afetados com a obra, uma vez que o esgoto será despejado no Rio Murucupi onde estão localizadas as comunidades do Burajuba, Sítio São João, entre outras.

Sem despejos durante a pandemia

As famílias estavam ameaçadas desde o dia dia 27 de setembro, data em que a 1ª Vara Federal Cível e Empresarial da Comarca de Barcarena (PA) acatou um pedido de posse do território feito pela Prefeitura do Município. As pessoas teriam, a partir de então, "48 horas para deixar suas casas". (Veja outro vídeo da ação)


No dia 14 de janeiro foi sancionada pelo governador Helder Barbalho (MDB), a Lei Nº 9.212, que faz valer a Constituição Federal ao resguardar o direito à moradia. 

Dessa forma, despejos, desocupações ou remoções forçadas em imóveis privados ou públicos, urbanos ou rurais estão suspensos durante a pandemia da Covid-19 no estado do Pará. 

Além disso, a ação viola ainda as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal que determinaram a suspensão da tramitação de processos que tenham risco de reintegração de posse de comunidades quilombolas – que faz parte da Arguição de Descumprimento Fundamental (ADPF) 742 – e processos com ordens ou medidas judiciais de desocupação de áreas urbanas e rurais habitadas antes da pandemia da covid-19, ementa cautelar da ADPF 828 .

O Ministério Público Federal (MPF) enviou manifestação à Vara Cível e Empresarial, responsável pela ordem de despejo, pedindo sua imediata revogação e o envio do processo para a Justiça Federal, por se tratar de uma área quilombola reconhecida e em processo de titulação pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Violência policial

Moradores ouvidos pela comunidade contam que tanto a polícia civil, quanto militar e agentes de fiscalização da Secretaria de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano de Barcarena (SEMDUR) foram violentos na ação de desocupação e derrubadas das casas.

Além de infringir a  Lei Nº 9.212,  o território quilombola reconhecido pela Fundação Palmares desde 2016 e está em processo de titulação. 


Reconhecimento da comunidade quilombola, vítima do despejo, por parte do governo do estado do Pará. / Diário Oficial/Reprodução

 

Leia também: Pará proíbe desocupações e despejos até o fim da pandemia

O outro lado

O Brasil de Fato entrou em contato com a Prefeitura de Barcarena, que enviou a nota abaixo (leia na íntegra)

A Prefeitura de Barcarena, por meio da Procuradoria Geral do Município, informa que na manhã desta quinta-feira (14) foi cumprida ação de imissão de posse no bairro Pioneiro, em uma área pertencente à Administração Pública que abriga uma Estação de Tratamento de Esgoto. 

A ETE, que será reativada pela atual gestão, está sendo reclamada por um grupo de pessoas que não habitam o local, portanto nenhuma família foi removida, uma vez que no terreno não há habitações.

Uma estrutura de alvenaria foi construída para bloquear o acesso das máquinas e trabalhadores da prefeitura ao local, porém nesta manhã a estrutura foi removida para reestabelecer o acesso ao terreno, garantindo a continuação do projeto de extensão da Estação de Tratamento de Esgoto, beneficiando assim milhares de famílias, com saneamento básico, um direto previsto na Constituição Federal.

As obras já iniciaram em outras áreas de Barcarena e hoje teve o respaldo da justiça para avançar também na área do Pioneiro. 

Ressalta-se que a posse do referido terreno pela prefeitura é totalmente documentada, dentro das exigências da lei e que a ação de hoje foi em cumprimento a uma decisão judicial. Caso fique comprovado que a área é realmente quilombola, como alegado, a Justiça certamente reverá sua posição e a prefeitura de Barcarena, sempre alinhada à garantia de direitos, estará pronta a cumprir. 

A obra em questão é uma conquista de todos os moradores da área, que serão beneficiados com nova estação de tratamento de esgoto do bairro Pioneiro, trazendo mais saúde e dignidade à população local.

Edição: Anelize Moreira