Nesta quarta-feira (22), o Supremo Tribunal Federal começou a decidir se o Estado brasileiro deve reconhecer que pratica racismo institucional e estrutural “por ações e omissões reiteradas” e, consequentemente, formule um plano nacional para o seu enfrentamento.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 973, chamada de Arguição das Vidas Negras, é iniciativa da Coalizão Negra por Direitos, organizações de familiares de vítimas da violência do Estado – como as Mães de Maio, Mães de Manguinhos e Mães da Rocinha – e sete partidos políticos: PT, PSOL, Rede, PSB, PV, PDT e PSB.
As organizações argumentam que, ao contrário do que manda a Constituição Federal, a população negra no Brasil tem violado seu direito à vida, alimentação, saúde e segurança pública e que, portanto, há “uma política de morte financiada e aplicada pelo Poder Público”. Assim, querem que o Supremo reconheça que há um “estado de coisas inconstitucional”.
A classificação, feita quando uma violação contínua e massiva de direitos humanos é constatada, permite que o tribunal determine e monitore que o Poder Público tome providências.
Nesta quarta (22), acontecem as apresentações dos autores da ação, de representantes da Advocacia Geral da União (AGU), da Procuradoria Geral da República (PGR) e de instituições com dados técnicos sobre o tema. Os votos dos ministros acontecem em outro momento, ainda sem data marcada.
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Argumentos
Lembrando da chacina do Jacarezinho, quando as forças do Estado executaram 28 pessoas no Rio de Janeiro em maio de 2021, a peça jurídica reforça que “há autorização implícita para uso exacerbado e desproporcional da força policial dentro dessas comunidades, invadindo moradias, agredindo e matando”. De acordo com dados do Ipea, a chance de uma pessoa negra ser assassinada no Brasil é 2,6 vezes maior que o de uma não negra.
“Vivemos em uma sociedade que a nós não ensina e não pratica solidariedade, o respeito, o amor, a alegria. Vivemos sob o alerta de perseguição e de morte. Em um país onde as relações raciais são estruturadas a partir do que é ser negro, somos considerados os inimigos a serem combatidos”, afirma o texto da ADPF.
Dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) foram citados para argumentar a diferença racial no acesso à saúde no país. Levantamento do órgão revela que mulheres negras tem 67,9% mais chance de ter um pré-natal inadequado e que recebem 41,4% menos orientações sobre complicações no parto. Além disso, em comparação com mulheres não negras, recebem 10,7% menos anestesia durante o corte do períneo.
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Em relação à fome, os dados apresentados são do IBGE e mostram que, entre os lares que tem segurança alimentar, apenas 36,9% são chefiados por pessoas pretas ou pardas. Já entre os domicílios com insegurança alimentar grave, este percentual passa para 58,1%.
Democracia em termos
“No limite, essa ação serve para apresentar as contradições do Estado Democrático de Direito”, aponta Ágatha de Miranda, advogada da Coalização Negra por Direitos, que articula cerca de 200 entidades do movimento negro. A ação pede que o STF imponha ao governo o estabelecimento de um “Plano Nacional de Enfrentamento ao Racismo Institucional e à Política de Morte ao Povo Preto”.
“Seria uma política reparatória com ações, por exemplo, que se comprometam com a redução da letalidade policial. Que revertam a insegurança alimentar que assola a população negra”, explica Miranda. “Para que possamos construir uma democracia que verdadeiramente contemple de maneira igualitária todas as pessoas que compõem esse estado-nação”, diz.
Em 2015, por conta de outra ADPF, essa de número 347, o STF declarou que o sistema prisional brasileiro funciona sob um “estado de coisas inconstitucional”. Passados oito anos desde então, o sistema carcerário segue superlotado, em expansão, acumula denúncias sistemáticas de tortura, falta de acesso à saúde, à água e à alimentação.
Questionada sobre as formas pelas quais o movimento negro pretende pressionar o Estado a implementar ações práticas caso o Supremo acate a “ADPF das Vidas Negras”, Ágatha diz que a Coalizão Negra seguirá “perseguindo a agenda de incidência política de promoção dos direitos da população negra, com uma atuação no âmbito doméstico e internacional”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho