A Rússia está completando a terceira semana consecutiva de forte desvalorização de sua moeda. Após a crise causada pela rebelião do grupo Wagner, o rublo chegou a cair para a marca de 93 rublos em relação ao dólar e 100 rublos em relação ao euro na última semana. A economia russa não via uma queda tão significativa da sua moeda desde março de 2022, logo após o início da guerra da Ucrânia, quando o rublo chegou a ficar em 135 por dólar.
Mesmo após a crise do Wagner ter sido resolvida sem drásticas transformações na política russa, a desvalorização se manteve no patamar em torno de 90 rublos por dólar e está prestes a completar a terceira semana consecutiva de baixa na moeda. A diretora do Banco Central da Rússia, Elvira Nabiulina, atribuiu a oscilação da moeda a fatores externos. De acordo com ela, a oscilação da moeda é causada em grande medida pela dinâmica do comércio exterior.
“Nós vemos que quando o câmbio enfraquece, começam várias teorias da conspiração. Como se houvesse uma flexibilização especial para aumentar as receitas orçamentárias, ou alguma outra teoria. Mas antes de tudo devemos olhar para a dinâmica do comércio exterior. Ele determina em grande parte o movimento do câmbio. Por exemplo, o fortalecimento em larga escala das taxas de câmbio no ano passado foi percebido por muitos como uma vitória sobre as circunstâncias. Mas devemos admitir honestamente que isso ainda foi resultado, antes de tudo, de um forte aumento das exportações e uma queda das importações”, afirmou.
Apesar de não mencionar diretamente o motim do grupo Wagner como fator de instabilidade para causar a queda da moeda russa, a diretora do Banco Central mencionou que recentemente houve uma significativa retirada de capital dos russos, o que leva à desvalorização da moeda. Ao Brasil de Fato, o economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada da Academia Russa de Economia Nacional, Andrey Zubarev, aponta que a retirada de capital é justamente um dos efeitos de um período de instabilidade e incerteza.
“Um dos principais fatores-chave foi sem dúvida o alto grau de indeterminação ligado aos eventos do Wagner. É claro que todos ficaram em choque e hoje já existem estatísticas, a [Elvira] Nabiulina, chefe do Banco Central da Rússia, declarou que nos dias seguintes [ao motim], por conta da alta instabilidade, foi retirada uma quantidade colossal de dinheiro das contas dos russos. É claro que ninguém retirou rublos para investir em rublos, as pessoas provavelmente retiraram ao máximo para transferir em outra moeda”, afirma.
Em paralelo à turbulência política, há o prolongamento das sanções econômicas do Ocidente contra a Rússia, iniciadas em grande escala após o início da guerra. Isso gera um efeito direto sobre a dinâmica das importações e exportações do país, na medida em que as restrições europeias proíbem exportações de determinados produtos russos, e os russos também não podem importar uma série de produtos da Europa. E, por consequência, isso também afeta o câmbio.
Essa dinâmica comercial imposta pelas sanções, paradoxalmente, foi o que fez com que o rublo se estabilizasse e registrasse uma valorização estável, não passando da marca de 75 rublos o dólar por mais de um ano, desde que começou a se recuperar em meados do mês de março de 2022.
“Existem fatores ligados às sanções que influenciam na queda do rublo, e existem fatores das sanções que influenciam no fortalecimento do rublo. E a restrição das importações que nós avaliamos um ano atrás justamente fortaleceu o rublo, porque se ninguém vende produtos de importação, qual a necessidade de dólares? Não dá para comprar nada com eles. E o rublo ficou forte, porque não havia demanda por dólar”, explica Zubarev.
Por outro lado, o economista observa que a restrição às exportações russas, que faz com que os produtos russos sejam cada vez menos vendidos, e isso reflete negativamente no câmbio do rublo simplesmente porque há menos renda.
Junto a esse processo, os baixos preços do petróleo nos últimos 2-3 meses reforçaram o desequilíbrio entre importações e exportações, alimentando ainda mais a dinâmica oscilante da moeda russa. E o que os índices mostram é que houve uma pequena recuperação das importações da Rússia.
O analista Andrey Zubarev observa que não há estatísticas claras e confiáveis sobre os dados das importações da Rússia porque as sanções com o Ocidente continuam em vigor, mas houve um incremento das importações paralelas, feitas através de países como Cazaquistão, Armênia, e outros países da União Aduaneira da Eurásia.
A análise é compartilhada pelo economista Nikolai Kulbaka, que sustenta que, em primeiro lugar “as exportações russas começam a cair devido às restrições, parte da receita cambial ficou presa a intermediários no exterior, ou seja, menos divisas entram no país”. “Ao mesmo tempo, em princípio, as importações se recuperaram, o que significa que a moeda é necessária para comprar mercadorias no exterior. A demanda pela moeda está crescendo”, destacou Kulbaka, citado RTVI.
É consenso entre os economistas que a desvalorização da moeda é causada por uma série de fatores que se encadeiam, no entanto, é ponto pacífico também que a principal causa – a evasão de capital estrangeiro do país – foi intensificada pela instabilidade causada pela crise do grupo Wagner.
“A saída de capital, aparentemente, agora vai crescer, porque depois da rebelião de Prigozhin, os riscos na economia aumentaram drasticamente, um cenário adicional apareceu e os negócios se tornaram mais ativos na retirada de dinheiro. Tudo isso levou ao fato de que o rublo começou a afundar”, acrescentou Kulbaka.
Além disso, segundo o economista, há um grande número de atores interessados no rublo barato, sobretudo os exportadores russos e o “orçamento”, ou seja, o Ministério das Finanças.
“O Ministério das Finanças precisa encher o orçamento. É bom para ele que o rublo seja barato, então ele pode ficar sem ligar a impressora. Na verdade, isso está acontecendo, só que a economia russa está mais fraca e nossa inflação não está muito baixa, então tudo isso funciona contra o rublo”, completa.
O discurso oficial das autoridades russas sustenta que, apesar da grande pressão da comunidade internacional, a Rússia provou resiliência no plano econômico e manteve a estabilidade. O economista Andrey Zubarev concorda que Moscou pode manter taxas de crescimento satisfatórias, mas destacou que o impacto na vida das pessoas pode ser inevitável no contexto das sanções e na flutuação cambial, pois a taxa de câmbio afeta os preços de mercado devido ao uso de substâncias importadas.
Um exemplo afetado por isso é o caso da oferta e produção de remédios no país. A farmacêutica russa Geropharm comunicou recentemente que não só as substâncias importadas estão ficando mais caras, mas também as substâncias necessárias para sua produção, pois as empresas compram no exterior devido à substituição desigual de importações - a preços 1,5 a 2 vezes mais altos.
De acordo com Zubarev, é um aspecto que pouco se discute nas análises econômicas na Rússia, mas que, em sua opinião, é algo que precisa ser dito. “Nem tudo pode ser medido em rendimento, em rublo, PIB. Existem índices de qualidade de vida que não são medidos por isso. Quando falta equipamento médico necessário, quando faltam certos eletrodomésticos que nós nos acostumamos, quando faltam certos remédios. Isso não é medido, não reflete no PIB. Ou seja, a qualidade de vida é diminuída”, completa.
Edição: Thales Schmidt