O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desembarca nesta sexta-feira (21) em Portugal, onde fica para as comemorações da Revolução dos Cravos, na terça-feira (25), e depois segue para a Espanha. A agenda no continente europeu deve abordar a guerra na Ucrânia e as negociações de um tratado de livre comércio entre União Europeia e Mercosul.
Após Lula afirmar que é preciso que os EUA "parem de incentivar a guerra" e que a União Europeia necessita começar a "falar de paz", o presidente brasileiro foi criticado pela Casa Branca e por autoridades europeias. O porta-voz da Comissão Europeia, Peter Stano, disse que as ações do bloco buscam "ajudar a Ucrânia a exercer seu direito legítimo de autodefesa".
Os Estados Unidos subiram mais o tom. O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, disse que "o Brasil está papagaiando a propaganda da Rússia e da China sem olhar para os fatos".
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Em entrevista ao Brasil de Fato, o pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Goulart Menezes afirma que, apesar das falas de Lula, o Brasil condenou a invasão da Ucrânia em votação na Organização das Nações Unidas (ONU) e não mudou sua posição. Mas o professor de relações internacionais destaca que o Brasil votou com China e Rússia em uma resolução no Conselho de Segurança da ONU por uma investigação sobre uma reportagem segundo a qual os EUA teriam explodido o gasoduto Nord Stream por ordem do presidente Joe Biden. De acordo com Menezes, isso teria "estremecido a relação" do Brasil com os EUA e a Europa.
"Um porta-voz do Conselho de Segurança da Presidência dos EUA chamou o Lula de 'papagaio', de 'papagaio de pirata'. Como assim? Isso é uma ofensa muito forte, o Lula não chamou o Biden de papagaio de pirata, de tresloucado. E papagaio de pirata é dizer 'olha, você não sabe o que passa na sua cabeça e é fortemente influenciado'. Para um líder com o histórico que o Lula tem, isso é uma ofensa muito grande ao Brasil, uma ofensa muito grande ao próprio Lula. Então isso, provavelmente, foi cobrado dos EUA, que tom é esse?", diz o professor.
Há ainda outro ingrediente na discussão sobre a Ucrânia: a recente declaração do presidente da França, Emmanuel Macron, de que a Europa precisa de uma "autonomia estratégica" na disputa entre EUA e China para evitar que a região seja "vassalo" da Casa Branca. Essa declaração do francês também entra no cálculo da diplomacia brasileira, avalia Menezes.
Diante das críticas da oposição pelas falas de Lula sobre a Ucrânia, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou que a posição do Brasil sobre a guerra na ONU "tem sido persistente".
"Se o Brasil mudar de posição em relação à posição que tem tido, é uma decisão do Brasil, discordamos mas não temos nada a ver com isso. Cada país tem a sua política externa, se estivermos de acordo, melhor; mas se não estivermos de acordo, apenas não estamos de acordo. Se cortássemos relações com os países que não estão de acordo com a nossa política interna e externa, não teríamos relações com 3/4 do mundo", afirmou Sousa de acordo com o Diário de Notícias.
Acordo comercial
Há décadas, há um acordo em negociação entre Mercosul e União Europeia. A parceria que poderia unir dois blocos comerciais superlativos se arrasta, mas Lula afirma que fechar o acordo é uma de suas prioridades e prometeu assina-lo até o final deste semestre.
Uma das atuais travas da negociação são as cláusulas ambientais. Enquanto os europeus afirmam defender mecanismos para garantir a preservação do meio ambiente, os latino-americanos questionam as propostas e acusam a União Europeia de usar as cláusulas ambientais como uma barreira protecionista.
Roberto Goulart Menezes avalia que as demandas do bloco europeu não estão previstas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e extrapolam as regras que costumam existir em acordos do tipo. O professor da UnB destaca uma negociação recente entre representantes da União Europeia e do Mercosul em Buenos Aires, que falhou.
"Neste encontro, os países do Mercosul foram surpreendidos pelo tom que os representantes europeus adotaram em relação à questão ambiental. Quando pegamos o acordo Mercosul e União Europeia, um acordo de cerca de 400 páginas, ele tem um capítulo, que é um capítulo com 15, 16 páginas que fala sobre comércio e desenvolvimento sustentável. Essa reunião em Buenos Aires discutiu especificamente esse capítulo, e o que está no capítulo não é aquilo que foi abordado pelos europeus, eles foram além do capítulo", diz Menezes.
Edição: Nicolau Soares