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A volta do Brasil e da Argentina à Unasul: uma reintegração da América do Sul?

Relação com Venezuela e força da direita serão desafios do bloco, afirmam pesquisadores

Brasil de Fato | Buenos Aires, Argentina |

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As embaixadoras do Brasil, Gisela Padovan, e da Argentina, Luciana Tito, em Buenos Aires: encontro marca a volta dos países à Unasul. - Casa Rosada

O governo Lula começou seu terceiro mandato com uma agenda internacional intensa, buscando uma reintegração do Brasil com o mundo e a América Latina. Com a volta do país à União de Nações Sul-Americanas (Unasul), por meio de um decreto, o governo faz um importante gesto aos países do sul do continente.

A Argentina acompanhou a decisão e, na mesma semana, anunciou sua volta à Unasul. Como primeiro movimento de retorno conjunto ao bloco, a embaixadora brasileira Gisela Padovan entregou a Carta de Ratificação do Tratado Constitutivo da Unasul à embaixadora argentina Luciana Tito, em Buenos Aires, na terça-feira (11).

A adesão dos dois países mais economicamente importantes da região à Unasul sugere um novo processo de integração regional, que é herdeiro de um importante movimento de cooperação entre os países da América do Sul durante a primeira década dos anos 2000.

Mariana Vázquez, integrante do Observatório do Sul Global, observa que a Unasul é um importante instrumento de dimensão geopolítica, e que sua recuperação, portanto, poderia significar uma reinserção conjunta no contexto político e econômico internacional. "A projeção internacional das geografias da nossa região é muito diferente se pensada a partir da unidade, e não da perspectiva de países isolados", afirma.

Em termos concretos de integração regional para a relação com outras regiões – especialmente as potências –, costuma-se destacar duas principais experiências da Unasul: o Conselho de Defesa Sul-Americano e o Conselho de Saúde.

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"Os países começaram a fazer treinamentos conjuntos e cooperação técnica em termos de defesa", afirma a doutora em Relações Internacionais Carolina Albuquerque. "O Conselho de Defesa Sul-Americano foi um projeto inédito na história da América do Sul: uma cooperação regional sem a presença dos EUA em um ponto tão sensível para a hegemonia estadunidense na nossa região."

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No âmbito deste Conselho, os países também se posicionaram de maneira mais autônoma em relação à agenda estadunidense, como destaca Vázquez. "A Unasul situou a problemática das drogas como uma questão de saúde pública, que não deve castigar os setores mais vulneráveis", pontua. "Também pôde definir uma doutrina sul-americana de defesa centrada nos nossos interesses, por exemplo, na defesa dos nossos recursos naturais, ou bens comuns, em tensão com a perspectiva global."

No caso do Conselho de Saúde, os países da Unasul tinham a possibilidade de fazer compras conjuntas de medicamentos, o que é vantajoso em termos de preço e garante uma maior capacidade de negociação. "Algo que fez muita falta na pandemia", destaca Albuquerque, citando o caso do Brasil.

Neste novo momento do bloco, a reintegração de dois países de peso como Brasil e Argentina abre a possibilidade de um novo capítulo. No entanto, cabe destacar que a Argentina atravessa um ano eleitoral e seu destino é incerto.

"A continuidade do fortalecimento da Unasul por parte do binômio Brasil-Argentina é incerta", diz Vázquez. "Isso é fundamental para fazer uma leitura sobre o que vai acontecer com a Unasul."

Venezuela e a nova Unasul

A Unasul ganhou forma em 2008 com a articulação entre os governos de Lula, Hugo Chávez, na Venezuela, e Néstor Kirchner, na Argentina. Teve como particularidade a união não apenas de governos progressistas, mas também de gestões de direita, que incluíam a Colômbia de Álvaro Uribe e do Chile de Sebastián Piñera.

Apesar das diferenças, tomaram decisões em conjunto. Foi o caso, por exemplo, da aplicação da cláusula democrática da Unasul, que excluiu o Paraguai como país-membro em 2012, após o golpe de Estado que derrubou o então presidente Fernando Lugo.

Desmantelado em 2019 com a saída de países-chave por decisão de governos de direita, o bloco hoje sugere um ressurgimento em um momento histórico ainda de difícil definição, que alguns chamam de nova onda rosa, e com um novo tipo de permeabilidade da direita na mobilização civil nos países da região.

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O sociólogo argentino Atilio Borón, autor de diversas obras sobre a América Latina, analisou, em uma entrevista à revista Caras y Caretas: "Os governos de direita não duvidam e não vacilam como os nossos governos; avançam com muito mais força e é muito difícil reconstruir."

Assim foi como a Unasul foi rapidamente desmantelada, fundamentalmente, em 2019. Governados pela direita, a maioria dos países-membros se desvincularam da Unasul. Foi o caso do Paraguai, da Colômbia, do Peru, do Chile, da Guiana, e do Equador, que, a pedido do presidente Lenin Moreno, também demandou o esvaziamento e a devolução do prédio em que funcionava a sede do bloco, em Quito. O mandatário enfatizou ainda o pedido de retirada da estátua em homenagem ao falecido ex-presidente argentino Néstor Kirchner.


Sede da Unasul em Quito, Equador. / Divulgação

Os governos que decidiram deixar o bloco arquitetaram um novo mecanismo que reuniria, particularmente, essa direita que se consolidava na região. Em 2019, o então presidente chileno, Sebastián Piñera, e Jair Bolsonaro apertaram as mãos inaugurando o Prosul: o Fórum para o Progresso e Integração da América do Sul. Alinhado aos interesses dos Estados Unidos, o bloco foi um ativo da investida da Casa Branca contra a Venezuela.

"A Unasul volta em um contexto diferente, com a Colômbia do nosso lado, o que pode significar um novo impulso no sentido político governamental", observa Albuquerque. Mas o pesquisador destaca o desafio de enfrentar uma direita com uma base social enraizada.

"Ainda veremos como isso pode afetar o processo de integração; no entanto, não será o único desafio. Não sabemos como será a relação da nova Unasul com a Venezuela para além dos interesses das nossas elites governamentais atuais de esquerda", afirma, destacando os duros embargos da comunidade internacional que recaíram sobre a Venezuela nos últimos anos.

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Isso se reflete, inclusive, na postura de alguns dos atuais mandatários situados à esquerda na região, como é o caso do presidente do Chile, Gabriel Boric, que costuma dirigir críticas à gestão de Nicolás Maduro. "Considerar que poderemos tratar a Venezuela como foi naquele primeiro momento [da Unasul] não é realista", conclui Albuquerque.

O analista internacional venezuelano Sergio Gelfenstein ressalta que mecanismos como a Unasul são importantes para a Venezuela, mas destaca que o bloco seria complementar a outros movimentos de relação bilateral com outros países da região.

"A Venezuela foi praticamente excluída do sistema interamericano. É mais: pela primeira vez na história, se criou dentro da América Latina um mecanismo multilateral, o Grupo de Lima, para derrubar um governo", afirma Gelfenstein.

"Países como Chile, Paraguai e Equador não têm embaixadores na Venezuela. Estamos em uma etapa de reposição de relações bilaterais e as iniciativas em termos multilaterais são bem-vindas. Mas tudo isso depende em grande medida das decisões dos líderes do momento, mais do que das políticas gerais", observa o analista internacional, agregando outro fator conjuntural: "A Unasul depende em grande medida do Brasil, e agora o espaço de manobra do Lula é bastante reduzido."

Para a nova etapa da Unasul, os temas discutidos até então entre Brasil e Argentina incluem saúde, defesa, tráfico transfronteiriço, integração de cadeias produtivas e infraestrutura, além do vínculo com outras regiões do Sul Global, com destaque para iniciativas com os países árabes e africanos. Também entra em discussão uma nova sede para a Unasul.

Edição: Thales Schmidt