Guerra na Ucrânia

Visita aos EUA garante final de ano "Hollywoodiano" para Zelensky

Visita "cinematográfica" do presidente ucraniano aos EUA consolida aliança de Biden na guerra com a Rússia

Rio de Janeiro |
Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, é ovacionado no Congresso dos EUA, em 21 de dezembro de 2022. - Chip Somodevilla / GETTY IMAGES / AFP

A guerra da Ucrânia ultrapassa 300 dias de duração e fecha o ano de 2022 com fortes sinais, tanto de Moscou, quanto de Kiev, de que o conflito não tem prazo para acabar. Em sua primeira viagem ao exterior desde o início do conflito, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky foi recebido na Casa Branca pelo presidente Joe Biden na última quarta-feira (21) e consolidou o apoio financeiro e militar dos EUA à Ucrânia para 2023.

A viagem foi marcada pela garantia dos EUA de fornecer sistemas de defesa antiaérea Patriot à Ucrânia. O secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, também confirmou uma assistência financeira adicional à Ucrânia no valor de US$ 1,8 bilhão. 

Além dos resultados objetivos da ajuda financeira e militar norte-americana, a visita do presidente ucraniano foi marcada pelo forte apelo simbólico de ressaltar o apoio a Zelensky na guerra com a Rússia. Na véspera da viagem aos EUA, Zelensky fez uma visita não anunciada ao batalhão ucraniano na região de Bakhmut, próxima à linha de frente da cidade, onde ocorrem intensos ataques das tropas russas. No dia seguinte, ele foi ovacionado no Congresso dos EUA. 

Em entrevista ao Brasil de Fato, a pesquisadora-sênior da Academia de Ciências da Rússia para os Estudos dos EUA, Alexandra Filippenko, observou que a aparição de Zelensky na Casa Branca e no Capitólio reforça a construção de uma narrativa "Hollywoodiana" do presidente ucraniano em meio ao conflito com a Rússia. 

"Isso tem uma importância fundamental no apoio à Ucrânia, porque nós vimos ontem um roteiro ideal para alguma espécie de filme da Netflix, além de mostrar uma ótima relação pessoal entre Zelensky e Biden, isso foi visto durante a coletiva de imprensa. Isso também é importante para mostrar ao povo americano como ele é recebido no Congresso", analisa.   

"Exatamente na véspera foram divulgadas imagens de Bakhmut, onde dá pra ouvir tiroteios e sobrevoos militares de ataques contra as tropas ucranianas, e Zelensky discursando junto aos soldados. Daí acontece um contraste colossal, em que no dia seguinte ele aparece no Salão Oval da Casa Branca junto com o seu aliado mais forte. É muito importante que tudo isso seja visto pelos americanos. É uma história absolutamente hollywoodiana", acrescenta. 

No mesmo dia, o presidente russo, Vladimir Putin, fez um pronunciamento junto ao Ministério da Defesa e afirmou que o conflito mostrou os problemas que as Forças Armadas enfrentam, mas destacou que o país tem recursos ilimitados para financiar a guerra, reforçando que os objetivos da "operação especial militar", como a guerra é classificada oficialmente pelo Kremlin, serão cumpridos.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que "Washington continua a lutar de fato e indiretamente com a Rússia", destacando que durante a viagem de Zelensky nenhuma das partes tenha demonstrado disposição para ouvir as "preocupações da Rússia" e não houve "verdadeiros apelos à paz".

Para Alexandra Filippenko, a narrativa "cinematográfica" do presidente ucraniano junto à aliança dos EUA no contexto da guerra é vista de maneira crítica na Rússia, mas serve como fator crucial para a garantia do apoio norte-americano a Kiev.

"Na mídia russa, eles riem disso, acusam [Zelensky] justamente por essa abordagem Hollywoodiana, mas, agora, isso na verdade é o mais importante para o apoio bipartidário à Ucrânia, porque enquanto os americanos apoiarem [a Ucrânia], nem o mais direitista dos republicanos irá contra os eleitores", completa. 


Joe Biden recebe Volodymyr Zelensky em sua primeira viagem no exterior desde o início da guerra na Ucrânia / Brendan Smialowski / AFP

O apelo simbólico da presença do presidente ucraniano também assume um papel de enviar à comunidade internacional e, em particular, à Rússia, uma mensagem de consenso do apoio à Ucrânia. É o que afirma o analista-sênior do International Crisis Group para a Rússia, Oleg Ignatov. 

Em entrevista ao Brasil de Fato, o analista aponta que já há um desgaste e um ceticismo no Ocidente em relação ao prolongamento da guerra, com o surgimento de um maior apelo à realização de negociações. 

"É claro que para Biden e Zelensky é importante superar esse desgaste e manter o interesse na Ucrânia, manter o entusiasmo em torno da Ucrânia e o otimismo em relação às suas possibilidades de defender sua soberania, e conseguir retirada das tropas russas", afirma. 

Assim, de acordo com ele, "a visita de Zelensky é um importante sinal, uma importante parte da promoção de um novo pacote da ajuda norte-americana para o próximo ano". 

"Também é um sinal à Rússia, porque que a Rússia espera que o Ocidente se fragmente, que o consenso em torno da Ucrânia desmorone e o Ocidente forneça cada vez menos ajuda militar à Ucrânia. Então é um sinal à Rússia de que nada está mudando, que a Ucrânia vai receber ajuda militar, que a Ucrânia receberá armamento moderno e prejudicará fortemente a Rússia, demonstrando sua limitação na linha de frente", completa. 

Edição: Thales Schmidt