A Colômbia e a Venezuela planejam retomar suas relações diplomáticas logo após a posse de Gustavo Petro, o novo presidente colombiano, que acontece neste domingo (7). A reaproximação, que já havia sido prometida durante a campanha pelo mandatário eleito, foi acordada pelos dois governos quando o novo chanceler colombiano designado por Petro, Álvaro Leyva, visitou o estado fronteiriço de Táchira, no último dia 28, para se reunir com o ministro das Relações Exteriores venezuelano, Carlos Faria.
A expectativa é de que ambos os países nomeiem novos embaixadores na próxima semana e iniciem a reativação das atividades comerciais nas fronteiras.
Além de simbolizar uma diminuição na tensão entre Colômbia e Venezuela, a normalização de relações entre os países deve ser economicamente vantajosa para ambos, reativando o setor exportador colombiano e impulsionando a recuperação econômica em uma Venezuela que dá seus primeiros passos para sair da crise.
Segundo projeções da Câmara de Integração Econômica Venezuelana-Colombiana (Cavecol), após o restabelecimento de relações e a reativação das fronteiras o intercâmbio comercial entre as duas nações - que leva em conta exportações e importações - pode chegar a US$ 1,2 bilhão (R$ 6,2 bilhões) até o final de 2022.
O aumento nos índices também é previsto pela Câmara de Comércio Colombo-Venezuelana (CCV). De acordo com a entidade, o cenário mais moderado de crescimento permitiria que o comércio entre os países chegasse a Us$ 800 milhões (R$ 4,1 bilhões) até o final do ano, o que significaria o dobro das atividades registradas em 2021.
No ano passado, o intercâmbio comercial entre Colômbia e Venezuela ficou em US $ 406 milhões. Caso a projeção mais otimista das entidades empresariais seja alcançada e o índice chegue a US$ 1,2 bilhão, o crescimento seria de quase 200%.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Ronal Rodríguez, professor da Universidade de Rosario da Colômbia e membro do Observatório da Venezuela da instituição, afirmou que a normalização das operações comerciais entre os países representaria um desestímulo ao comércio informal e ao contrabando, que ganharam força após o fechamento das fronteiras. O movimento, portanto, deve ampliar a arrecadação fiscal principalmente da Venezuela, já que a balança comercial entre os países é historicamente superavitária à Colômbia.
“O comércio entre os dois países ficou subordinado ao contrabando. Quando alguém vai ao [estado de] Norte de Santander pode ver como as pessoas passam mercadorias com carrinhos de mão, carregando caixas nos ombros, levando malas com produtos, o que não deveria ser a natureza de uma relação comercial entre dois países que têm tantos interesses em comum”, afirmou.
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Além disso, o professor argumenta que uma ampliação do fluxo comercial bilateral permitiria à Venezuela recorrer a produtos manufaturados colombianos de primeira necessidade para abastecer seu mercado interno, o que faria com que o país reduzisse custos de importação, deixando de comprar de fornecedores mais distantes e mais caros.
“Eu acho que a Venezuela ganha porque recupera seu fornecedor natural. Recuperar o mercado colombiano é recuperar um agente que pode colocar esses produtos em seu território de forma rápida, fácil e segura. Obviamente isso significa um lucro para Venezuela, sobretudo porque o país já não tem o músculo financeiro e econômico que tinha no final dos anos 2000”, disse Rodríguez.
Chávez, Uribe, Duque e Maduro: histórico de relações
Desde que o ex-presidente Hugo Chávez chegou à Presidência venezuelana em 1999, as relações entre Colômbia e Venezuela sofrem altos e baixos, com diversos incidentes diplomáticos marcados pelo alinhamento de Bogotá às posições de Washington e hostis a Caracas. Em 2010, por exemplo, os países chegaram a romper relações durante alguns meses após o então presidente colombiano Álvaro Uribe acusar Chávez de "abrigar" guerrilheiros do antigo grupo armado FARC.
Já em 2015, durante o governo do atual mandatário Nicolás Maduro, Caracas chegou a determinar o fechamento de alguns pontos da fronteira após militares venezuelanos que combatiam operações de contrabando serem assassinados em uma emboscada na zona fronteiriça de Táchira. Ainda que o país tenha convocado seu embaixador na Colômbia - medida de desagravo diplomático -, não houve rompimento de relações.
Apesar das turbulências políticas, o comércio entre as nações nunca havia sido tão afetado como nos últimos cinco anos. Os melhores níveis de intercâmbio comercial, inclusive, foram registrados quando Chávez e Uribe ocuparam as presidências de seus países, entre 2002 e 2010. O recorde foi atingido em 2008, quando o comércio entre Venezuela e Colômbia superou os US$ 7,2 bilhões (R$ 37,2 bilhões).
Os índices, entretanto, começaram a piorar após 2016, quando os impactos da crise econômica venezuelana passaram a ser sentidos com mais força. A atividade comercial entre os países naquele ano foi de US$ 803 milhões, registrando uma queda de 40% em relação aos níveis de 2015 e de quase 89% comparada com os índices recordes do ano de 2008.
A chegada de Iván Duque à presidência da Colômbia só fez piorar as relações comerciais. Em 2018, logo após a vitória do direitista nas eleições, o então embaixador venezuelano no país, Iván Rincón Urdaneta, renunciou ao cargo após alegar que sua representação diplomática não estaria mais segura em território colombiano em vista das ameaças e ataques que as forças uribistas - corrente política de direita ligada ao ex-presidente Uribe - empreendiam contra a Venezuela. Desde então, Caracas não mantém um representante na Colômbia.
Enrique Acosta, pesquisador do Centro de Investigação e Estudos Fronteiriços da Venezuela (Cief), afirma que a deterioração das relações entre os países foi “uma tragédia” para ambas as populações e critica o alinhamento do presidente colombiano à estratégia dos EUA.
“A estratégia de Duque não foi uma estratégia dele, foi a adoção de um plano de poder global dos Estados Unidos para a América do Sul. O papel da Colômbia para tal estratégia, em termos econômicos e militares, foi fundamental e não é algo novo. Há anos a Colômbia faz parte da tentativa de frear um projeto de integração proposto pela Venezuela”, afirmou ao Brasil de Fato.
Os níveis de tensão atingiram seu ponto máximo em 2019, quando Duque decidiu reconhecer o então deputado Juan Guaidó como “presidente interino” da Venezuela e fornecer apoio político e material para o chamado “interinato” do opositor. Em fevereiro daquele ano, o governo colombiano apoiou uma tentativa de invasão ao território venezuelano com o pretexto de entregar uma suposta "ajuda humanitária" ao país, levando Maduro a romper totalmente as relações com o país vizinho.
A atividade comercial entre Venezuela e Colômbia, por sua vez, não passou imune à conjuntura de conflito político e registrou a pior queda anual dos últimos 20 anos, passando de US$ 490 milhões, em 2018, para US$ 240 milhões, em 2019, uma redução de 51%. Já em 2020, os países alcançaram os índices comerciais mais baixos das últimas duas décadas.
Em 2021, apesar do volume comercial entre os países ter aumentado, chegando a US$ 400 milhões, os níveis ainda ficaram distantes dos períodos mais ativos. Caso as projeções otimistas das câmaras de comércio se concretizem e o fluxo no comércio binacional atinja a marca de US$ 1,2 bilhão, esse seria o melhor número dos últimos sete anos.
Oportunidades sobre a mesa
Entre os temas considerados fundamentais na discussão com a Venezuela, Petro já garantiu que estão a reativação comercial das fronteiras e a recuperação da Monómeros, empresa venezuelana que fica na Colômbia e que desde 2019 é controlada por opositores ligados a Guaidó.
Subsidiária da estatal venezuelana Pequiven, a Monómeros é uma forte produtora de fertilizantes, conta com 1,4 mil postos de trabalho e chegou a ser responsável pela fabricação de cerca de 50% dos produtos utilizados em cultivos colombianos. Com a recuperação da fábrica, o governo Petro espera baratear os custos dos insumos para as produções nacionais e diminuir o preço dos alimentos.
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A expectativa é de que a empresa volte às mãos do Estado venezuelano. “O compromisso de Petro é devolver Monómeros à Venezuela”, afirma Acosta. O pesquisador acredita que “o presidente colombiano tem todas as ferramentas jurídicas para fazer com que Monómeros volte a ser uma empresa próspera, que representa a irmandade entre os países”.
Desde que passou às mãos de Guaidó, a empresa foi centro de diversos casos de má gestão e disputas internas da oposição pelo controle de seus rendimentos, que passaram a financiar as atividades do “governo interino”. Em setembro de 2021, a Superintendência de Sociedades, organismo vinculado ao Ministério do Comércio da Colômbia, colocou a empresa sob seu controle, alegando a necessidade de "sanar a situação crítica de ordem jurídica, contábil, econômica e administrativa".
O professor Ronal Rodríguez, entretanto, alerta para o fato de que ao longo dos últimos anos em que esteve sob controle da oposição, a empresa perdeu fornecedores e clientes para concorrentes e que, portanto, existe um risco de que seja devolvido à Venezuela “uma casca vazia”. “Além disso, os informes da Assembleia Nacional de 2015 [formada paralelamente pela oposição aliada a Guaidó] sobre os casos de corrupção na empresa não são satisfatórios, ainda não sabemos ao certo o que foi feito nesses anos”, disse.
Além da devolução e reativação da Monómeros, empresas estatais venezuelanas também poderiam se beneficiar com a venda de gás natural ao país vizinho. Segundo a agência Bloomberg, a PDVSA estaria planejando a reativação de um gasoduto de 224 quilômetros que se estende entre o estado venezuelano de Zulia e a cidade colombiana de Ríohacha, que havia sido inaugurado em 2007. Os planos envolvem o estabelecimento de um comércio de gás natural entre os países, de acordo com as intenções de Petro de investir em projetos de transição energética e combate às mudanças climáticas.
As oportunidades de crescimento econômico podem ainda se converter em geração de empregos, principalmente do lado venezuelano, o que poderia atrair os milhões de migrantes que deixaram o país nos últimos anos para escapar da crise. Em entrevista ao Brasil de Fato, a pesquisadora da ONG venezuelana de direitos humanos Surgentes, Martha Grajales, afirma que esse seria um ponto positivo, mas que será determinado pelos tipos de acordos que serão definidos entre os governos na intenção de proteger os trabalhadores dos dois lados da fronteira.
“Crescimento econômico não significa necessariamente uma democratização do bem-estar para toda a população. A maneira com que as condições de intercâmbio comercial serão estabelecidas dos dois lados da fronteira pode auxiliar para que essa reativação econômica não se converta simplesmente em uma fonte de riqueza para os poderes econômicos tradicionais e resulte em uma melhoria das condições básicas de vida da população”, disse.
Edição: Arturo Hartmann