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Apesar de ataque a Odessa, acordo sobre grãos entre Rússia e Ucrânia pode ser mantido

Celebrado como um importante avanço diplomático, acordo sobre grãos fica em xeque após ataque russo a Odessa

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Bandeiras da Rússia, Ucrânia, Turquia e ONU, durante a assinatura do acordo sobre grãos, em 22 de julho de 2022. - Ozan Kose / AFP

Logo um dia após a última sexta-feira (22), quando a Rússia e a Ucrânia assinaram indiretamente, por meio da ONU e da Turquia, um acordo sobre a liberação da exportação de grãos ucranianos, Moscou realizou um ataque contra um porto ucraniano em Odessa. A ofensiva de sábado (23), que, de acordo com Moscou, teria sido contra alvos militares da Ucrânia, colocou o avanço diplomático em xeque.

Após o início da operação militar russa, em 24 de fevereiro, a exportação de grãos ucranianos sofreu um bloqueio nos portos marítimos a serem escoados pelas rotas do Mar Negro. A assinatura do acordo mediado por Turquia e ONU permitirá o desbloqueio do transporte marítimo dos grãos através de três portos - Odessa, Chernomorsk e Yuzhny.

O acordo, o primeiro acerto envolvendo a Rússia e a Ucrânia desde o começo da guerra, foi bem recebido pela comunidade internacional. Isso não só por ser um aceno de que há espaço para a diplomacia em questões de interesse mútuo, mas também pela expectativa de um alívio nos preços globais de alimentos

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Por outro lado, os trâmites foram marcados por uma desconfiança mútua entre Moscou e Kiev. Enquanto o lado russo exigia a total desmonte de minas ao longo da costa ucraniana, a Ucrânia manifestou receios sobre possíveis novas ofensivas russas no sul do país por vias marítimas. Como resultado do acordo, a a retirada de minas será parcial, com a implantação de corredores de segurança. No retorno, os navios serão inspecionados, com a participação do lado russo, para excluir o contrabando de armas.

O cenário foi agravado, no entanto, após a Rússia realizar um ataque contra um dos portos ucranianos em Odessa. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, denunciou o ataque classificando-o como "barbárie" e disse "que não se pode confiar em Moscou" para cumprir o acordo. 

Já o chanceler russo, Serguei Lavrov, afirmou que os alvos atingidos eram infraestruturas militares ucranianas e não prejudicam a exportação de grãos.

"Peritos objetivos confirmaram o que havíamos dito desde o início: que o terminal de grãos do porto de Odessa está a uma distância considerável da unidade militar. Não há nenhum obstáculo para que os grãos comecem a ser entregues aos clientes de acordo com o acordos em Istambul", disse Lavrov. 

O ministro destacou que nos compromissos que a Rússia assinou em 22 de julho não há nada que proíba Moscou de "continuar uma operação militar especial destruindo infraestruturas militares e outros alvos".

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A jornalista especialista em política econômica russa, Alexandra Prokopenko, em entrevista ao Brasil de Fato, disse que o ataque em Odessa foi uma "demonstração de Moscou" de que os objetivos militares que Moscou considera legítimos não têm relação com o acordo, e, por isso, a Rússia se vê no direito de atacar estes alvos.

"Eu considero que foi uma demonstração de Moscou de que, independente do acordo, se (a Rússia) considerar que ali existem armas ou mísseis, ou quaisquer fornecimentos de armas contrabandeadas, achará que são seus alvos legítimos", afirmou que Prokopenko.  

A instabilidade provocada pelo ataque russo teria acionado os EUA a criar, juntamente com a Ucrânia, um “Plano B” para exportar os grãos ucranianos. O anúncio foi feito pela representante da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), Samantha Power. Segundo ela, o "Plano B" inclui o transporte de grãos por via rodoviária, ferroviária e fluvial, além de "ajustar os sistemas ferroviários para que interajam melhor com os europeus".

Antes da guerra, os grãos ucranianos representavam cerca de 10% das exportações mundiais, e a ONU alertou que seu completo desaparecimento das cadeias de comércio internacional poderia levar à fome em diferentes países.

Atualmente a Ucrânia exporta cerca de um milhão e meio de toneladas de grãos por mês. No período anterior à guerra, a exportação chegou a quase sete milhões de toneladas. Os dados foram apresentados pelo diretor executivo do centro analítico "SovEcon", Andrey Sizov. Em entrevista ao portal Meduza, na última terça-feira (26), ele observou que o começo da guerra e o bloqueio dos portos foi um fator chave - apesar de não ser o único - para o aumento dos preços mundiais dos grãos em fevereiro e março deste ano.

"Mas depois disso, os preços começaram a cair ativamente, e então não se falou em nenhum acordo. Quando o negócio foi assinado, os mercados reagiram [no mesmo dia] com uma queda notável nos preços, de 5-6%", disse. 

Vantagens econômicas mútuas

Andrey Sizov observa que os portos ucranianos no Mar Negro representam "quase toda a exportação ucraniana de grãos", totalizando 90-95% de todas as exportações. De acordo com ele, em um cenário ideal do funcionamento do comércio, Kiev poderia aumentar as suas exportações para 4-4,5 milhões de toneladas. 

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A dependência econômica que Kiev tem do desbloqueio da exportação dos grãos é um dos motivos que podem sustentar o acordo da parte ucraniana. É o que afirma Alexandra Prokopenko, que já atuou como consultora da direção do Banco da Rússia. 

Segundo ela, a Ucrânia tem uma grande necessidade de escoar os grãos acumulados nos portos, pois sua economia tem uma demanda urgente de receita em moeda estrangeira. 

"A Ucrânia se encontra no limite de uma catástrofe orçamentária, portanto qualquer divisa que conseguir através de tributos sobre importações, para eles é muito importante", afirma. 

Em paralelo ao acordo, na semana passada a União Europeia aprovou um novo pacote de sanções contra a Rússia, mas aliviou parcialmente o bloqueio a importantes bancos russos que já estavam sob sanções ocidentais. 

Agora, alguns bancos como VTB, Sovcombank, Banco da Rússia, poderão obter permissão para usar seus fundos congelados ou realizar transações com operadores europeus, caso essas operações sejam fundamentais para a compra e transporte de produtos agrícolas. 


Rússia e Ucrânia são importantes produtores de trigo / Bluemoose / Wikimedia Commons

Assim, apesar da incerteza do cumprimento do acordo do lado russo por conta do ataque a Odessa, Moscou também tem motivos para desejar o êxito do documento acertado em Istambul. Em primeiro lugar, como observa Prokopenko, a flexibilização das restrições para transações financeiras de bancos sancionados ajuda as importações, um dos setores mais atingidos pelas sanções do Ocidente após o início da guerra. 

"Isso dá a possibilidade para a Rússia não precisar criar uma infraestrutura financeira adicional para, de alguma forma, providenciar o fornecimento de todos esse produtos necessários para o país", acrescenta. 

Além disso, a ex-consultora do Banco da Rússia destaca que para a Moscou é muito importante mostrar que, apesar das posições antagônicas em relação ao Ocidente no plano militar, é capaz de estabelecer parcerias pragmáticas. 

"Eu acredito em um certo pragmatismo, inclusive Moscou agiu de maneira extremamente pragmática nesta questão. Assim, todas as vantagens sendo percebidas por todos, não tem sentido derrubar esse acordo logo depois de sua assinatura", completa. 

*colaborou Serguei Monin

Edição: Arturo Hartmann