A figura de Simón Bolívar está presente diariamente no cotidiano da Venezuela. Pelas ruas da capital, Caracas, o que não faltam são praças, estátuas, monumentos, instituições públicas, quadros e murais que carregam o nome ou o rosto do libertador. Neste domingo (24), as homenagens ao herói da independência venezuelana ficam ainda mais recorrentes, com eventos culturais e políticos para celebrar o 239º aniversário do líder criollo - como eram chamados os descendentes de espanhóis nas Américas.
A esmagadora presença de referências a Bolívar se justificaria apenas pelo fato de ele ter liderado o processo de libertação da Venezuela e de outros cinco países vizinhos da dominação colonial espanhola. Entretanto, desde 1999, as ideias e feitos do venezuelano adquiriram um caráter político ainda mais radical e um sentido de atualidade que segue vigente ao serem incorporados no projeto de governo do ex-presidente Hugo Chávez.
Ao ser eleito pela primeira vez, o ex-militar começou a cumprir diversas promessas de campanha e iniciou um profundo processo de mudanças, que denominou Revolução Bolivariana. O adjetivo, que é uma referência explícita ao pensamento de Simón Bolívar, chegou inclusive a ser incorporado ao nome oficial do país, quando a Assembleia Constituinte de 1999 aprovou por unanimidade a criação da República Bolivariana da Venezuela.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o historiador venezuelano Alejandro Torres explica que a própria promessa de uma nova Constituição feita por Chávez durante sua primeira campanha presidencial já respondia à decisão do ex-presidente em seguir os exemplos de Bolívar, uma vez que o líder independentista era um adepto do constitucionalismo.
“A revolução se caracteriza como bolivariana porque recorre a uma doutrina presente no processo de independência da Venezuela que é o constitucionalismo, a forma de nos organizarmos através de assembleias constituintes”, afirma o especialista.
Antes mesmo de chegar à Presidência, Chávez já buscava reivindicar Bolívar em sua trajetória política. Quando liderou a tentativa de rebelião no dia 4 de fevereiro de 1992, cujo objetivo era derrubar o governo neoliberal de Carlos Andrés Pérez, o então capitão do Exército e seus apoiadores se organizavam no Movimento Bolivariano Revolucionário 200 (MBR-200). Fracassada a insurreição, os bolivarianos passaram à institucionalidade ao criarem, em 1997, o Movimento Quinta República (MVR). O nome possuía uma ambiguidade proposital, já que a letra “V” da sigla lembraria, em espanhol, o som da letra “B” de bolivariano, ao mesmo tempo que simbolizava o número 5 em algarismo romano, destacando a proposta de fundação de uma nova república na Venezuela através da escrita de uma Constituição.
“Ainda que a constituinte tenha se convertido na principal proposta política da campanha presidencial de Chávez, ela já fazia parte da proposta ideológica dos integrantes do Movimento Bolivariano Revolucionário 200 que empreenderam a insurgência de 1992”, explica Torres.
No governo, Chávez foi um ferrenho defensor da unidade entre países da região e buscou traçar uma orientação integracionista e anti-imperialista em sua política externa, sempre reivindicando a construção ideal de uma “pátria grande” na América Latina proposta por Bolívar durante o processo de independência.
Para o diplomata venezuelano Alexander Yanez, estudioso da biografia do líder independentista, a defesa que Chávez fez durante sua passagem pela Presidência de organismos multilaterais como a Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e a Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América) evidenciam os esforços do governo venezuelano em construir um processo de integração entre as nações.
“Bolívar propunha uma confederação das Repúblicas americanas como projeto unitário de poder, e o presidente Chávez foi um fiel expoente dessas ideias quando contribuiu com a criação da Unal, da Celac, da Alba e advogou pela criação de um mundo multipolar e anti-hegemônico”, afirma Yanez.
Morto em 2013, Chávez se tornou mais uma figura histórica venezuelana que, ao lado de Bolívar, passou a ser reivindicada pelas forças de esquerda que atualmente governam o país. Os bolivarianos então também passaram a se identificar como chavistas, expressando a filiação a um conjunto de ideias presentes nas trajetórias do líder criollo e do ex-presidente. No campo do simbolismo político, o governo passou a tratar Chávez como um continuador do processo de independência iniciado por Bolívar no século 19, que só seria definitivamente alcançado quando a unidade entre países latino-americanos fosse finalmente concluída.
“Bolívar faz parte da idiossincrasia do venezuelano e está presente na compreensão de nós mesmos enquanto povo e enquanto parte da América. Ele está presente porque a unidade da América segue sendo um assunto pendente, uma vez que é fundamental para a grandeza dos desafios que os povos da região devem enfrentar”, conclui Yanez.
Edição: Cris Rodrigues